Sistemas estaduais de planejamento: decadência e desafios

É necessário fortalecer os sistemas estaduais de planejamento, interrompendo sua decadência, para conceber e executar políticas de desenvolvimento.

Publicado em 01/10/2024 às 0:00 | Atualizado em 01/10/2024 às 8:22

No Brasil os desafios de curto prazo em matéria econômica têm se sobrepostos às questões estratégicas de desenvolvimento que exigem diretrizes, ações, programas e projetos de médio e longo prazo. As políticas monetária e fiscal em vez de importantes subsidiarias das políticas de desenvolvimento, assumiram, de fato, o protagonismo econômico. A estabilidade macroeconômica, de preços e fiscal, que elas propiciam é essencial para que o desenvolvimento econômico e social seja sustentável mas não é suficiente. Houve, nas últimas décadas, um desmoronamento das estruturas técnicas de suporte ao planejamento. Não há um Plano Nacional de Desenvolvimento. Existem o PAC, o programa de neoindustrialização, entre outros, mas são fragmentados, não fazendo parte de uma estratégia sólida de planejamento do desenvolvimento. Além disso, recursos escassos são fragmentados e distribuídos país afora pelas emendas parlamentares sem nenhuma lógica de planejamento.

Essa decadência repetiu-se com mais intensidade nos estados. Os desafios fiscais, inclusive os de natureza previdenciária, e as restrições impostas pelos programas de ajuste das contas públicas e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)l se colocaram acima das políticas de desenvolvimento. Governos concebem programas com nomes de fantasia para seu período administrativo. São ações de Governo e não de Estado, sem compromissos para além dos 4 anos de mandato do Governador de plantão. Prevalece a lógica de curto prazo, motivada inclusive por interesses eleitorais. Com isso os quadros técnicos nos estados foi perdendo instrumentos e envelhecendo não sendo repostos por novos. Sem poder de negociação como as policias, civil e militar, por exemplo, essas estruturas técnicas estão gradualmente se esvaziando e desaparecendo. Esse fenômeno não é novo. Vem ocorrendo por décadas e parece inexorável apesar das poucas vozes que se levantam para demandar que se restaure as boas práticas de planejamento essencial, para se olhar estrategicamente à frente, para se ter uma boa base de informações, alocar recursos escassos, definir instrumentos de financiamento para captar recursos públicos e privados, desenhar boas políticas, programas e projetos, e para monitorar a eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas. Perdeu-se até a capacidade técnica de se definir com precisão o que se quer nos processos licitatórios.

Essa situação é mais expressiva nos sistemas estaduais de planejamento dos estados nordestinos que, com algumas diferenças, tinham sido inspirados e estruturados, dos anos cinquenta aos oitenta, nos ideários de planejamento e de desenvolvimento da Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL. As instituições de planejamento da administração direta e indireta, a exemplo do CONDEPE em Pernambuco detinham pessoal técnico e instrumentos para enfrentar, apesar das dificuldades, os desafios para promover o desenvolvimento dos seus estados. A SUDENE teve também, nesses anos, sucessivos planos de Desenvolvimento Regional e instrumentos para implementá-los. Foi também esvaziada.

À medida em que os sistemas de planejamento estadual e regional definhavam e na ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional e de localização de atividades econômicas emergiram os programas de incentivos fiscais como instrumento para atração de investimentos privados, a exemplo do PRODEPE, em Pernambuco. Isso ensejou a denominada guerra fiscal que continua até hoje e despeito dos esforços do CONSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários da Fazenda) para corrigir algumas distorções. Esses programas, em essência, se constituem, praticamente, em uma das poucas ações voltadas para o desenvolvimento econômico dos estados.

Ocorre que, por efeito da Lei Complementar 160 e da recente aprovação da reforma tributária ainda em processo de regulamentação pelo Congresso Nacional, os incentivos fiscais serão extintos a partir de 31 dezembro de 2032. Em seu lugar, ainda a ser regulamentado pelo Congresso Nacional, ter-se-á o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que, em tese, aportará recursos para melhorar a infraestrutura econômica, social e de capital humano de regiões como o Nordeste. O hiato competitivo deixará de ser reduzido pelos incentivos fiscais para ser substituído por melhorias na qualidade do capital físico e humano destinados a aumentar a produtividade e a competitividade das economias regionais.

Para isso é necessário fortalecer os sistemas estaduais de planejamento, interrompendo sua decadência, para conceber e executar políticas de desenvolvimento socioeconômico com a definição de programas e projetos capazes de aperfeiçoar não apenas a capacidade de atrair investimentos privados, mas também para melhorar, através de recursos próprios, parcerias público-privadas e outras fontes de financiamento, a infraestrutura econômica e social, além de melhor qualificar a força de trabalho. A inovação em produtos e processos pelo setor produtivo terá que ser também apoiada por políticas públicas. O desafio está posto.

Jorge Jatobá, doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE. Sócio da CEPLAN- Consultoria Econômica e Planejamento

 

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