A advocacia é um negócio?
Não tenho dúvida de que o lado certo da advocacia soberana e independente estará, nas próximas eleições da Ordem, com Ingrid Zanella.
Multiplicaram-se as grandes estruturas empresariais de advogados, formando-se sociedades que são verdadeiras corporações, algumas delas já superando a casa do bilhão de faturamento.
A advocacia, que pena, tornou-se um grande negócio. Com o acesso à justiça facilitado pelos recursos facultados ao jurisdicionado pela Constituição de 1988, o Código de Defesa do Consumidor abrindo uma porta enorme para a multiplicação de litígios, o novo aparato da Fazenda Pública e diversos outros fatores, aliando-se a isso tudo a multiplicação de faculdades de ensino jurídico no país, que despejam no mercado anualmente milhares de profissionais, o número de processos explodindo, as empresas, de modo geral, viram-se obrigadas não só a montar departamentos jurídicos eficientes, mas a terceirizar as defesas com grandes escritórios de advocacia. No início da década de 90, eram poucos os escritórios no Brasil que tinham estrutura empresarial adequada para atender as demandas, mas aos poucos eles foram aparecendo e construindo um ambiente em que, mercê da enorme necessidade de capital para fazer os investimentos necessários, sobretudo em pessoal e tecnologia, criou-se uma mentalidade diferente no meio jurídico. Multiplicaram-se as grandes estruturas empresariais de advogados, formando-se sociedades que são verdadeiras corporações, algumas delas já superando a casa do bilhão de faturamento. Replica-se, sobretudo no Sudeste e particularmente em São Paulo, o modelo norte-americano: o advogado detém o core business, agregando-se à estrutura profissionais de diferentes áreas, nomeadamente de tecnologia da informação, auditores, contadores, experts em engenharia, psicólogos, administradores e muitos mais.
Em razão do crescimento dos escritórios, começam a surgir as mais estapafúrdias ideias que podem levar ao desvirtuamento da advocacia como profissão liberal, de prestação de serviço pessoal, na qual está embutida a ideia de sacerdócio, dedicação, estudo, ética, compromisso com a justiça e com os princípios sagrados de defesa da sociedade, do Estado de Direito, da liberdade, da igualdade e da fraternidade. As novas corporações despertam a cobiça e a ganância como valores maiores do que aqueles ideais ínsitos à profissão. Não é raro encontrar hoje em dia sócios controladores de grandes escritórios que deixaram de lado o saber jurídico e se tornaram empresários da advocacia, limitando-se a captar clientes sem zelo e sem ética na maior parte dos casos, comandar a organização em seus aspectos físicos, organizacionais e operacionais, mas sem nisso se incluir o saber jurídico que o habilite a comandar uma sociedade de advogados no que ela tem de mais essencial, a melhor técnica jurídica. Haveremos de encontrar por aí quem não saiba manusear o Código de Processo, ou quem pense que o anteprojeto de Código Civil é para modificar o Código de 1916. Mas essa é a escolha de cada um. O que me preocupa é que esses novos empreendedores não apenas querem fazer da advocacia um negócio, como já fazem, mas introduzir no ordenamento jurídico regras que desnaturam por completo a essência da profissão.
Já houve quem propusesse a possibilidade de os escritórios abrirem capital. Certo que é um exagero, e é certo também que o modelo existe em alguns países de direito anglo-saxão, mas essa ideia absurda é apenas a ponta do iceberg. Está em curso no Congresso o Projeto de Lei 3.985/23, que propõe a alteração do Estatuto da Advocacia para permitir que profissionais com curso superior passem a integrar a sociedade de advogados. Assim, aqueles profissionais acima citados que, atualmente, até podem integrar, como apoio, a estrutura de uma sociedade de advogados, passariam a poder deter o controle dessa sociedade, comprometendo irreversivelmente alguns atributos que são do advogado, e apenas dele, porque só ele, inclusive, é elevado ao mister constitucional de administração da justiça: o sigilo profissional, por exemplo.
A advocacia está correndo o risco de ser desmantelada pela nova mentalidade de negócio, e contra isso devemos nos insurgir da forma mais veemente. Devemos lutar para manter a essência da profissão como prestação de serviço pessoal, comprometida com os deveres inerentes à profissão, e, longe de não poder o advogado progredir em seu escritório, que o faça sem perder o compromisso com a advocacia soberana e independente, livre do jugo do dinheiro.
Não tenho dúvida de que o lado certo da advocacia soberana e independente estará, nas próximas eleições da Ordem, com Ingrid Zanella, cujo compromisso com a essência da advocacia e a intransigência com aqueles que praticam a advocacia como negócio serão fundamentais na luta em defesa dos princípios de nossa profissão.
João Humberto Martorelli, advogado