Precisamos falar sobre Integridade Eleitoral

Para que as pessoas saibam do que se trata e de que maneira as eleições em que elas participam de fato atendem a padrões internacionais de qualidade.

Publicado em 19/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 19/11/2024 às 8:00
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Parece contra intuitivo, mas o processo eleitoral não se resume ao ato de votar. Vejamos algumas evidências: quase 40% de todas as eleições realizadas no mundo entre 1945 e 2020 levantaram, antes mesmo do dia da eleição, preocupações significativas sobre sua integridade, segundo dados do National Elections Across Democracies and Autocracies (NELDA), uma das fontes mais completas sobre qualidade eleitoral. Tecnicamente falando, existem etapas fundamentais que antecedem o dia D.

Papel e caneta na mão: definição das regras do jogo, registro de eleitores e candidatos, além do período da campanha. A observância de protocolos internacionais nessas etapas definirão em que medida estamos diante de um pleito mais ou menos democrático. Por exemplo, se existe alguma vedação ao registro de partidos e candidatos, isso fere, com uma peixeira amolada, o princípio do sufrágio universal, um dos pilares que sustentam eleições democráticas. Acredite se puder: 7% das eleições realizadas entre 1945 e 2020 não tinham um candidato de oposição para disputar a vaga contra o mandatário, também segundo o NELDA.

Compra de voto, uso de identificação falsa (incluindo de eleitores falecidos) e preenchimento de urnas com votos a mais podem alterar o resultado da eleição. Observadores internacionais denunciaram práticas desse tipo em 20% das eleições que estiveram presentes. Após o ato da votação, o resultado anunciado pela autoridade eleitoral deve ser transparente e passível de verificação, garantido que a soma de preferências dos eleitores não foi alterada em função dos interesses políticos do governo. O caso recente das eleições venezuelanas ilustram um exemplo em que as atas com os registros individuais de votos por seção eleitoral não foram publicamente compartilhadas, o que levanta suspeitas sobre a integridade do processo eleitoral. As cortes de justiça (cooptadas pelo governo ou não) podem cancelar resultados que não sejam favoráveis ao partido incumbente, e isso já aconteceu pelo menos 51 vezes desde o final da Segunda Guerra mundial. Incrível, né?

Todas as etapas do ciclo eleitoral devem atender a um padrão internacional para eleições livres e justas, padrão esse identificado em fontes do Direito Internacional Público como Tratados Internacionais, Convenções e decisões de cortes internacionais. Nessas fontes, Estados acordam e reconhecem obrigacoes relacionadas a Direitos Humanos, a normas democraticas e ao compromisso em celebrar eleicoes periodicas, com voto secreto, sufragio universal e respeitando o principio igualitario "uma pessoa, um voto". Quando o padrão internacional é atendido, se considera que determinada eleição teve integridade, ou seja, que aquela disputa foi justa. Para uma eleição cumprir sua função no regime democrático de legitimar um governo que seja de fato representativo dos eleitores, a integridade eleitoral não é negociável.

E por que devemos nos preocupar com eleições livres e justas? Por vários motivos. O mais fundamental de todos é que a eleição democrática permite a troca pacífica do poder político, sem a necessidade de derramamento de sangue e cabeças degoladas. Os perdedores saem, os ganhadores entram e a transição do poder se dá de forma suave, como dizem os jovens de hoje em dia. Outro aspecto importante é a legitimação social do poder político. Imagine ser governado por um partido que subverteu a vontade popular? Não parece aceitável, mas acontece com uma regularidade inconveniente.

Retomando o título deste artigo, precisamos falar sobre integridade eleitoral para que as pessoas saibam do que se trata e de que maneira as eleições em que elas participam de fato atendem aos padrões internacionais de qualidade. Um lançamento editorial recente pretende ajudar a popularizar o assunto. Integridade Eleitoral para Bebês, de Ian Batista (Carter Center) e Dalson Figueiredo (UFPE) fornece um guia básico para estudiosos e gestores governamentais interessados no assunto. Eleições por vezes falham (e os dados históricos do NELDA atestam isso), mas é preciso saber o que é integridade eleitoral para saber quando realmente falham e quando a narrativa de fraude é estratégia política para boi dormir.

Dalson Figueiredo (DCP/UFPE) e Ian Rebouças (Carter Center)

 

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