DESAJUSTE FISCAL
Há uma crescente percepção entre os economistas de que a principal causa desses descompassos reside na politica de gastos do governo federal
Dados recentes evidenciam uma situação preocupante para a economia brasileira visto pelo seu lado monetário e financeiro. Observa-se uma queda acentuada da bolsa de valores, uma inflação, alta e persistente, que já se coloca acima do teto da meta, uma forte desvalorização cambial, e uma expressiva alta da taxa básica de juros (SELIC) e dos juros futuros. Do lado real, a economia vai bem.
Está crescendo acima de 3,0% com uma baixa taxa de desemprego e uma elevação expressiva dos rendimentos reais do trabalho. Essa assimetria de desempenho é reveladora de profundos desequilíbrios nos fundamentos da economia que se revelam também pelo desalinhamento entre a política monetária, conduzida pelo Banco Central, e a política fiscal de responsabilidade do Governo Federal, a partir das iniciativas do Ministério da Fazenda.
Tem-se, assim, uma politica monetária restritiva e uma politica fiscal expansionista que não conseguiu ser contida pelo tímido arcabouço fiscal, mais uma tentativa frustrada, entre tantas outras, de dominar a sanha para aumentar os gastos públicos e escalar o tamanho do estado brasileiro.
Há uma crescente percepção entre os economistas de que a principal causa desses descompassos reside na politica de gastos do governo federal. Há um crescente custo fiscal financiado por mais dívida. Mesmo antes de tomar posse, o novo governo conseguiu aprovar a denominada PEC da transição que elevou os gastos públicos em 2,0 % do PIB. Nos últimos dois anos as despesas primárias cresceram cerca de 6,0% ao ano, com destaque para as transferências (bolsa família, BPC, Previdência). O consumo das famílias cresceu 5,5% no terceiro trimestre de 2024. Isso significou que a componente interna da demanda agregada crescesse também ao mesmo ritmo das despesas primárias (6,0%), ao contrário do ano anterior quando a demanda externa foi o principal protagonista da expansão da economia.
Na demanda interna, consumo das famílias e gastos do governo (pessoal, custeio e investimentos) puxaram seu crescimento. Os investimentos privados, também componentes da demanda agregada interna, têm sido, todavia, comprometidos pelo adiamento de decisões de investir no Brasil, fato confirmado pela perda do país no ranking das nações emergentes no que diz respeito a atratividade do capital estrangeiro.
O aumento da demanda agregada pode bater no teto da capacidade da economia de acolher tais aumentos, resultando em pressões inflacionárias. Isso significa que os investimentos públicos e privados não têm sido suficientes para ampliar a capacidade produtiva da economia no ritmo que seria necessário para atender as pressões da demanda interna, além daquelas decorrentes da demanda externa (exportações).
A desvalorização do câmbio, que também pressiona a inflação, repousa no efeito Trump, na evasão de divisas causadas tanto por razões sazonais (remessa de lucros e dividendos) quanto pela fuga de capitais produtivos e especulativos, e na desconfiança dos atores econômicos de o país atuar com seriedade na resolução da questão fiscal. Essa falta de confiança se estende à capacidade do Congresso Nacional de ampliar as medidas de contenção, agindo, de fato, em sentido contrário para enfraquecê-las.
Neste sentido, o pacote fiscal aprovado pelo Congresso na semana passada foi claramente insuficiente e o mercado rapidamente precificou essa carência no preço do dólar e de outros ativos econômicos e financeiros, além de elevar os juros futuros. Não houve desvinculação de gastos constitucionais às variações do salário mínimos, escassos serão os efeitos das mudanças no BPC, os super salários ficaram mais fáceis de serem regulamentados por legislação ordinária e as emendas parlamentares ficaram mais reguladas, mas não sofreram cortes expressivos.
O reajuste do salário-mínimo, por sua vez, vai ficar sujeito a mesma regra de aumento das despesas primárias, constituindo-se em pequeno avanço.
Está se formando a convicção de que a situação fiscal está se deteriorando rapidamente, sendo, por conseguinte, insustentável do ponto de vista da dívida pública. Mudanças no próximo ano, que se prenuncia de menor crescimento e de maior inflação no contexto de uma piora na economia internacional, se farão necessárias.
Todavia, a proximidade das eleições de 2026 e o histórico de gastos delas decorrentes, lançam dúvidas sobre a viabilidade de se adotar uma política fiscal mais convergente com a monetária e capaz de começar a inverter a trajetória de crescimento do percentual da dívida pública em relação ao PIB. Espera-se que o desajuste fiscal não se estenda às dimensões social e política do país.
Jorge Jatobá, Doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE. Sócio da CEPLAN- Consultoria Econômica e Planejamento.