Do que se espera e do que cabe à comunicação na gestão pública

A única cobrança é fazer o gestor aparecer e se engajar com seguidores que possam não perceber a ausência de um projeto política?

Publicado em 09/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 09/01/2025 às 11:51
Google News

O angustiante e lento processo de troca do Ministro Paulo Pimenta à frente da Secretaria de Comunicação do Governo Federal pelo marqueteiro Sidônio Palmeira expõe uma das maiores fragilidades desta terceira fase de Lula como presidente da República. Sob a suposta premissa de que o governo não consegue expressar suas ações, fica a certeza de que a comunicação não é entendida em sua dimensão estratégica, mas somente no reduzido papel de uma simples prestação de serviço interno.

Três décadas atrás, em 1995, Néstor García Canclini falava de como a política troca sua necessidade de negociar com a sociedade pelo puro consumo de imagens. "Apenas se fotografa e se consome essas imagens", pois "não querer se parecer com um político é uma característica comum nas lideranças latino-americanas". É, portanto, uma tendência antiga e ampla essa expectativa de um gestor público de que as pessoas o tratem como algum tipo de celebridade midiática.

O papel central de Ricardo Stuckert, que recebeu um cargo acessório ao presidente, à parte da Secom, diz muito sobre isso. A produção de imagens como as que geraram o meme vampiresco após alteração digital do encontro entre Fernanda Torres e Chico Buarque com Lula expõem a inocência de que o excesso de publicações em redes sociais vai dar conta do debate público e da participação estruturada da sociedade na tomada de decisões sensíveis. Não vai.

Isso tem levado a uma tendência preocupante. Nos últimos anos, assistimos à expansão da criação de canais como o CanalGov e o Conecta Recife, financiados por gestões federais e municipais, mas que deslocam o interesse público — premissa fundamental da comunicação pública — pela publicidade apresentada sob um filtro de conteúdo jornalístico. Enquanto isso, a Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP) definha sem recursos e sem um projeto.

A comunicação, para ser de fato efetiva, precisa ser conduzida como elemento estruturante de um projeto de governo. Isso significa que ela precisa não apenas estar na mesa onde as decisões são tomadas, mas também ter a autoridade, em igualdade com outros setores, de tomar determinadas decisões. Afinal, é um pressuposto básico de qualquer estudo de gestão de crise: cabe à comunicação apenas informar uma tomada de decisão.

Subfinanciada e sem um projeto estruturado, a RNCP, por sua vez, se esforça para demonstrar a Secom exemplos de sucesso em outros países ocidentais, em especial da América Latina, de que boa parte da construção de uma narrativa nacional pode e deve ser feita a partir de uma comunicação pública forte, que ignora o debate público. No entanto, a orientação expressa que vem de Brasília é que se procure emendas parlamentares para a subsistência das emissoras. Parte desta rede, hoje, depende exclusivamente do já sofrido orçamento da Educação, tendo em vista que são TVs e Rádios Universitárias.

Sem uma rede forte e a dificuldade de compreender qual seu papel, a comunicação na gestão pública caminha para seguir como uma prestação de serviço interno, reduzida ao marketing, com a única cobrança de fazer o gestor aparecer e se engajar com seguidores que possam não perceber a ausência de um projeto político. Um setor inteiro do serviço público focado em acalentar a vaidade sobrecarregada de quem se torna figura pública.

Bruno Nogueira, doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, professor no Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco

 

Tags

Autor