O sequestro do orçamento público
32 anos depois da CPI dos Anões do Orçamento, agora é o STF quem se levanta contra os indícios de atuação do crime organizado no orçamento público.

No centro do embate esteve a execução do orçamento da União para 2025, em particular a liberação do pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares, indicações de verbas federais para os estados e municípios das bases eleitorais dos membros do parlamento brasileiro. Pelo STF, há meses, o Ministro Flávio Dino havia proibido tal liberação sem a identificação dos proponentes, dos programas a serem beneficiados, bem como das contas bancárias para as quais deveriam ser transferidos tais valores. Fora desses critérios de transparência e rastreamento haviam se destacado as emendas "Pix", por meio das quais senadores e deputados federais, padrinhos ocultos dessas indicações, conseguiam promover a transferência de rcursos diretamente aos prefeitos e governadores.
As práticas contestadas pelo STF, reunidas inicialmente pelo Deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, em torno do "orçamento secreto", assinadas ao final de 2024 por 16 líderes, inclusive o Líder do governo, José Guimarães (PT-CE), caracterizam uma estratégia de apropriação privada dos fundos públicos sem qualquer relação com planos, programas e metas voltadas ao desenvolvimento de políticas públicas essenciais ao bem-estar da maioria da sociedade, embora tais emendas fossem oficalmente destinadas, em muitos casos, à saúde e à educação. Essa prática já havia sido investigada pelo menos duas vezes. Em 1993, pela CPI dos Anões do Orçamento, e em 2006, pela CPI das Sanguessugas, da qual fui membro titular e sub-relator das fraudes em licitações.
Nas duas ocasiões o objeto das investigações fora a manipulação do orçamento público de forma irregular à serviço de parlamentares, gestores públicos, entidades fantasmas e empresários envolvidos em práticas de corrupção. Trinta e um anos depois da CPI dos Anões do Orçamento, agora é o STF quem se levanta contra os indícios de atuação do crime organizado na execução do orçamento público. Como das vezes anteriores, o governo federal se omitiu de garantir mecanismos transparentes para a execução orçamentária, quando deveria ter inserido na lei anual das diretrizes orçamentárias (LDO) as exigências ora requeridas pelo Ministro Flávio Dino para o pagamento das referidas emendas.
A situação, portanto, é gravíssima. Não basta o sequestro do orçamento público desde 2000 para financiar a acumulação improdutiva do capital, por meio do pagamento de juros e amortizações da dívida pública sem qualquer auditoria ou teto para tais gastos, turbinados pelas decisões do Banco Central sobre os juros. O que temos agora é a apropriação também privada do orçamento, com indícios de crime organizado (emendas sem identificação de autores, dinheiro jogado pela janela, transportado em jatinhos para Brasília, como destacou o Ministro Flávio Dino), via emendas parlamentares que subtraem da sociedade a possibilidade de ter nos impostos e contribuições sociais que paga ao Estado brasileiro os meios adequados e transparentes para garantir a promoção de políticas de bem-estar social, emprego, educação, a favor do SUS e do desenvolvimento econômico. Basta.
Paulo Rubem Santiago, professor da UFPE, doutor em Educação. ex-deputado federal (2003-2014).