Antônio Carlos Sobral Sousa: 'Entenda relação entra o Natal e os picos de mortes no mundo'
Doenças isquêmicas, notadamente o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o acidente vascular encefálico (AVC), são a principal causa de morbimortalidade
As doenças isquêmicas, notadamente o infarto agudo do miocárdio (IAM), juntamente com o acidente vascular encefálico (AVC), popularmente conhecido como derrame, constituem a principal causa de morbimortalidade do mundo moderno.
Apesar de países de alta renda estarem registrando redução na prevalência do IAM, no Brasil ele continua ceifando parcela significativa da nossa população, inclusive de indivíduos jovens.
Este fato se justifica, sobretudo, pelo inadequado controle, dos fatores de risco (FR) da aterosclerose (entupimento por placas de gordura, de artérias de médios e grossos calibres), o principal substrato das doenças isquêmicas.
Tais fatores de risco, são tradicionalmente classificados em modificáveis, como o colesterol, a hipertensão arterial, o diabetes, o tabagismo, a obesidade, o sedentarismo, o estresse, dentre outros, e não modificáveis como, a história familiar, o gênero e a senescência.
Ruptura de placa de aterosclerose na artéria coronária
No entendimento atual, o IAM geralmente resulta da ruptura de uma placa de aterosclerose localizada na artéria coronária, com a consequente formação de um trombo que pode levar à obstrução total do vaso, impedindo, por conseguinte, que a região por ele nutrida receba sangue, causando morte celular (infarto).
Vale ressaltar, ainda, que as rupturas dessas placas são precipitadas, tanto pelas ações dos FR acima referidos, como por elementos estressores externos, a exemplo de infecções (gripe, covid-19, etc.) e situações que provocam grandes emoções, tais como, terremotos, guerras, furacões, eventos esportivos etc.
Picos de mortalidade no Natal e no Ano Novo
Curiosamente, têm sido demonstrados picos na mortalidade cardíaca no dia de Natal e no feriado de Ano Novo, no mundo ocidental e, durante os feriados islâmicos em países onde estes são amplamente comemorados.
Acredita-se, inclusive, que Sir Winston Churchill, destacado Primeiro Ministro inglês, sofrera um IAM, enquanto visitava a Casa Branca, durante o Natal de 1941.
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O estudo observacional SWEDEHEART, publicado no conceituado periódico científico British Medical Journal (DOI: 10.1136/bmj.k4811), que rastreou mais de 283 mil casos de ataque cardíaco entre 1998 e 2013, demostrou que a sua incidência é 37% maior do que o habitual no dia do Natal, e 20% maior do que o comum, durante a celebração de virada do ano.
Outra interessante investigação, publicada no N Engl J Med (DOI: 10.1056/NEJMoa0707427), evidenciou que o risco de IAM disparou na Alemanha, nos dias em que a seleção de futebol do país jogava na Copa do Mundo de 2006. Dados semelhantes aos também descritos em outros países, inclusive no Brasil.
Imagine só o estresse a que foram submetidos os corações dos botafoguenses no final da Taça Libertadores de 2024, sobretudo após a expulsão de um jogador do time da Estrela Solitária, no primeiro minuto de jogo!
Festas de fim de ano podem ser estressantes
Acredita-se que esse aumento nos problemas relacionados ao coração seja multifatorial, e os mecanismos exatos ainda precisam ser determinados.
Vale lembrar, todavia, que mesmo durante as festas de fim de ano, o coração não entra em férias e, portanto, embora esta época seja considerada uma das mais prazerosas do ano, ela pode ser estressante.
Para alguns, pode ser angustiante: ter que interagir com familiares indesejados; absorver pressões financeiras decorrentes da compra de presentes e de despesas extras com vestes novas, com entretenimentos e com decorações; e viajar em uma época de grande turbulência e aglomerações em aeroportos, rodoviárias etc.
Mesmo aqueles com doenças cognitivas, podem ser forçadas a um ambiente menos familiar e, portanto, estressante.
As mudanças na dieta e no consumo de álcool também devem ser consideradas mecanismos potenciais para o aumento da mortalidade cardíaca, observada nessas ocasiões.
Síndrome do coração de férias
A síndrome do coração de férias, refere-se ao aumento de um tipo de arritmia cardíaca, conhecida como fibrilação atrial, que está diretamente ligada a um aumento repentino no consumo de álcool e tem alto potencial para causar AVC isquêmico.
Não podemos desconsiderar, também, a possibilidade da redução do número de profissionais que atuam nos serviços de urgência bem como as suas qualificações, durantes as festas de final de ano.
Além disso, geralmente há uma relutância em procurar atendimento médico nessas ocasiões, retardando o diagnóstico e a necessária precocidade no tratamento do IAM.
Portanto, assim como uma boa revisão previne acidentes automobilísticos nas viagens de férias, manter os FR da aterosclerose controlados, previne IAM e derrame.
Ainda, diante da ocorrência de dor (sobretudo em peso, aperto ou queimação), na parte anterior do tórax, na face anterior do pescoço, na mandíbula, na região do estômago, nos membros superiores ou no dorso (região interescapular), ou de dispneia (falta de ar), associados ou não a sudorese, palidez cutânea e tontura, o indivíduo deve procurar, imediatamente, atendimento médico.
Vale ressaltar que, no tratamento do infarto, “tempo é músculo”!
Antônio Carlos Sobral Sousa, Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras, de Educação, Estanciana de Letras e Riachuelense de Letras, Ciências e Artes