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Os freios e contrapesos estão enferrujados?

Os freios e contrapesos das sociedades, de seus militares e das nações parceiras serão suficientes para conter excessos de líderes ousados?

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 11/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 13/01/2025 às 10:01

Nesta semana, em 6 de janeiro, o senhor Donald Trump foi pacificamente certificado como o 47º presidente dos Estados Unidos da América pelo Congresso daquele país. Curiosamente, a sessão foi presidida pela senhora Kamala Harris, candidata derrotada no próprio pleito.

A cena contrasta fortemente com o fatídico 6 de janeiro de 2021, quando o Capitólio foi invadido e depredado por vândalos que lembravam os hunos liderados por Átila.

A aparente normalidade não nos traz tranquilidade. O cenário internacional segue permeado por incertezas sobre os rumos da maior potência econômica e militar do mundo - pelo menos por enquanto.

Infelizmente, muitas pessoas não estão levando esse momento com a seriedade necessária.

Trump, conhecido por sua presença polêmica nas redes sociais, publicou frases como: "Retomaremos o Canal do Panamá", "O Golfo do México passará a ser chamado Golfo da América" e "A Groenlândia nos pertence".

Na campanha por descolamento da realidade, Trump ainda compartilhou no twitter (não consigo chamar essa rede de "X") um mapa com o território canadense anexado aos Estados Unidos. Amanhã, quem sabe, poderá circular uma imagem semelhante com a Amazônia incorporada.

O temor de que declarações aparentemente inofensivas possam escalar não é infundado.

As reações variam. Alguns minimizam as declarações, considerando-as excentricidades de um político pouco convencional. Outros, mais analíticos, veem-nas como mera retórica, destinada a energizar sua base de eleitores no segundo mandato. Já os radicais, inflamados, as interpretam como sinal verde para seus próprios objetivos políticos.

Como cidadãos preocupados com a paz e o bem-estar social, devemos refletir sobre o impacto desse cenário global na soberania de nosso país.

Adotar uma postura passiva do tipo "deixa a coisa como está, para ver como é que fica" é a atitude menos apropriada diante da gravidade da ocasião.

As disputas por soberania sempre tiveram o potencial nefasto de desencadear conflitos, alguns resolvidos nas entrelinhas dos tratados, outros por meio de guerras de proporções imensuráveis.

Em um artigo recente publicado na revista Foreign Affairs, intitulado The Return of Total War (dezembro de 2024), a pesquisadora Mara Karlin apresenta uma análise detalhada da evolução dos conceitos sobre guerra e o estado atual em que se encontra.

A ideia de "guerra total", amplamente explorada por Clausewitz, cujo ápice ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, foi progressivamente adaptada aos novos desafios interestatais.

O General Sir Rupert Smith, em seu livro A Utilidade da Força - A Arte da Guerra no Mundo Moderno (Edições 70, 2008), chegou a prever o fim da guerra como a conhecíamos.

Ele levantou questões que de fato permanecem relevantes: Como combater inimigos sem uniforme? Como conquistar corações e mentes? Como gerenciar a opinião pública? Cada soldado seria também um político? Combate-se sob o escrutínio da imprensa ou para a imprensa?

Todavia, ficou claro que errou ao sepultar a guerra entre nações.

Voltando ao estudo de Mara Karlin, ela alerta que o ambiente de segurança global atual é o mais complexo desde o fim da Guerra Fria (por que não de toda a humanidade?).

Aprender com as guerras travadas por outros pode ser desafiador, mas é, em última análise, preferível a derramar o próprio sangue em lições tardias.

O Brasil, historicamente, tem evitado envolvimentos em conflitos de grande escala. No entanto, para manter-se afastado das escaramuças que surgem em diversas regiões do mundo, deve repensar suas posturas, priorizar recursos para a defesa, investir em capacidades assimétricas e adaptar seus conceitos operacionais.

Além disso, deve estar preparado para enfrentar por aqui cenários de guerra total, como os que devastam a Ucrânia e partes do Oriente Médio.

A principal lição para o Brasil, e para o mundo, deve ser clara: se queres a paz, prepara-te para a guerra.

Os freios e contrapesos das sociedades, de seus militares e das nações parceiras serão suficientes para conter excessos de líderes ousados?

Não parece sensato pagar para ver.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 

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