A lógica, a garrafinha de água e o velho da lancha
A lógica é o raciocínio pelo qual percebe-se que da relação entre duas premissas com um termo em comum, extrai-se uma conclusão, um silogismo...

Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Exemplo clássico da lógica aristotélica, essa disciplina compunha o Trivium, junto à gramática e à retórica. Era algo como o ensino fundamental na idade média, do qual seguia-se o Quadrivium - geometria, aritmética, astronomia e música. Em seguida, enfrentava-se a universidade: medicina, direito, filosofia e teologia. Esse era o sistema educacional Ratio Studiorum, fundado por Santo Inácio de Loyola, o qual educou vários pensadores via Companhia de Jesus, inclusive no Brasil.
A lógica é o raciocínio pelo qual percebe-se que da relação entre duas premissas com um termo em comum, extrai-se uma conclusão, formando um silogismo, que pode ser válido ou não. É o raciocínio por excelência. Seu estudo é complexo, mas era dominado por adolescentes, algo impensável no Brasil de hoje.
Estou inquieto. Em todo lugar, o que mais vejo são pessoas com uma garrafa de água - item obrigatório, tal qual o celular. Ao perguntar a um amigo o motivo dessa obsessão - pois não somos beduínos no deserto -, ele disse: preciso tomar 3 litros de água por dia. Não entendo; por quê? Para emagrecer. Retruco: não seria melhor comer menos em vez de beber água sem sede? Ficou chateado.
Curioso, fui às evidências e, para surpresa de ninguém, elas não existem. Não estando de ressaca, não sendo idoso debilitado ou tenra criança, basta beber água quando tiver sede. Montemos então um silogismo: o brasileiro crê que beber água sem sede favorece emagrecimento ou boa saúde; os estudos não corroboram essa premissa, logo, essa crença está errada. Outro: em quase todo lugar no Brasil há água potável disponível; posso beber água no Brasil com facilidade, logo, não preciso portar a maldita garrafinha.
Vamos agora ao dicionário. Falácia: enunciado ou raciocínio de teor falso, mas que se tenta passar por verdadeiro. Há diversos tipos de falácias; a que mais gosto é a da autoridade - algo como: ele tem milhões de seguidores; ele falou que tem que beber x ml de água por kg por dia, logo, vou comprar uma garrafa Stanley. Outro: Não tenho deficiência hormonal nem vitamínica; o profissional x falou que eu preciso repor hormônios e vitaminas, logo, terei mais saúde se assim o fizer. Um silogismo com uma premissa falsa é um não válido; os exemplos acima têm uma premissa falsa pela falácia da autoridade, logo, não são válidos.
Agora um terreno espinhoso. Refiro-me ao presidente, o qual apelidei carinhosamente de velho da lancha, pois alçado das águas abissais sem luz do oceano da corrupção - tal qual o peixe-diabo recentemente viralizado - para ser capitão da lancha que nem dele é.
Silogismo aceito pela maioria: o velho da lancha foi condenado em um processo por 12 magistrados em três instâncias; o processo foi anulado pois foi realizado em Curitiba, logo, o velho da lancha é inocente. Perceba que as duas premissas são verdadeiras, mas a conclusão não pode ser delas resultado. Mesmo que ele seja inocente, a conclusão não veio das premissas - não a provam. E não resisto: o PT e sua chapa governou o Brasil por 18 dos últimos 22 anos; o Brasil está em má situação há décadas, logo, a culpa é de quem governou o Brasil por quatro anos.
Para não me acusarem de tendencioso - que eu sou - outra confusão mental. A esquerda ganhou a eleição pelos votos do Nordeste; e a esquerda ganhou porque houve fraude; logo, as urnas não são confiáveis. Ora, uma premissa anula a outra. Não dá para falar em fraude e ao mesmo tempo valorizar os votos de onde quer que sejam. Silogismo não válido. Escolham uma premissa e a defendam.
Para concluir: tragam os jesuítas. Entreguem o MEC à Companhia de Jesus. Falando nisso, outro silogismo: Paulo Freire é reconhecido mundialmente como um grande educador; seu sistema nunca educou ninguém, logo, Paulo Freire deve ser o patrono da educação brasileira. Lógico.
Ermano Melo, oftalmologista