A morte a morte do presidene JK
Há fatos novos na história para que o Governo Lula reabra um processo tão antigo? Ou isso seria um factóide criado pelo Ministro Sidônio ?
O Governo do Presidente Lula, por sugestão da Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, durante a ditadura militar, vai analisar novas evidências que teriam surgido a respeito da morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek, que nunca foi totalmente esclarecida – ou cuja versão sempre deixou dúvidas sobre a ocorrência.
Adversários do Presidente Lula dizem que se trata mais de um factóide, para desviar a atenção dos brasileiros sobre sua gestão, cuja aprovação segue ladeira abaixo, com numero muito ruins para quem pensa numa reeleição. Inclusive em Pernambuco, onde ele sempre foi bem avaliado.
Pode ser. Mas, é preciso deixar claro que a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos é uma instituição séria, independente, apolítica, que se pauta pelos fatos e pelas evidências em busca da verdade. E que continue assim, sem “ressignificacão” urdida nos desvãos dos Palácios. Muitos dos que acompanham a história republicana do nosso País apontam Juscelino Kubitscheck como um dos maiores estadistas que o Brasil já conheceu.
Mineiro de Diamantina, nascido em 1902, foi criado pela mãe viúva, pois perdeu o pai ainda muito cedo. Foi interno num Seminário, porque era uma forma de estudar sem maiores custos. Voluntarioso, chegou à Universidade, formou-se em Medicina, ingressou na Polícia Militar mineira, saiu como Oficial superior para começar sua vida política. Elegeu-se governador Mineiro, um Estado onde pululavam cobras criadas: Benedito Valadares, Tancredo Neves, Aureliano Chaves, Magalhaes Pinto Pedro Aleixo e tantos outros que fizeram história após o fim do Estado Novo.
JK tomou gosto pela coisa, até ocupar a Presidência da República de 1956 a 1961. Seu lema? Fazer em cinco anos o Brasil avançar cinquenta. Dá pra ver que o homem não era modesto. E, como legado maior, JK construiu Brasília, ganhando a antipatia do grosso da burocracia oficial, instalada sobre o sol da praia e o calor das noites nos bares e boates do Rio de Janeiro, a antiga capital da República.
Brasília tornou-se um dos maiores símbolos da arquitetura moderna do mundo, graças à genialidade de Oscar Niemayer e Lúcio Costa. O poeta e engenheiro pernambucano Joaquim Cardoso foi responsável pelo calculo estrutural dos prédios e palácios mais revolucionários e arrojados da nova capital.
JK trouxe para o Pais a indústria automobilista, construiu estradas no meio de florestas virgens e desconhecidas, mexeu e remexeu em toda a infraestutura antiga e acomodada, – embora tenha começado daí o enterro do transporte ferroviário, que existia desde o Barão de Mauá. Mas isso já é outra história.
Trabalhei alguns anos na Editora Bloch, no Rio de Janeiro. A sede da empresa era um edifício majestoso, também projetado por Oscar Niemayer, localizado na Praia do Flamengo, na Rua do Russel, 804, entre os hotéis Glória e Novo Mundo, que já não existem. Pois bem, no último andar do Edifício da Manchete o dono da empresa, Adolf Bloch, instalou um pequeno escritório para o ex-presidente, mandou selecionar e contratar uma secretária para auxiliá-lo e lá Juscelino escreveu suas memórias, com destaque para a construção de Brasília.
Muitas vezes o ex-presidente entrou no elevador com repórteres, fotógrafos e funcionários burocratas da empresa, sempre sorridente e bem humorado – cumprimentava a todos e subia para seu refúgio. Não tinha segurança, não tinha medo, não aparentava mágoa pelas injustiças e humilhações sofridas nos governos militares, que nos primeiros dias ele chegou a apoiar. E sua amizade com Adolfo Bloch era aquela do irmão que ele não teve.
Enquanto manteve alguma esperança de que O Brasil reencontrasse a democracia e visse o fim de um regime que prendia torturava e matava (o filme “Ele ainda está aí”, reaviva memórias), JK sonhou. E aceitou o convite para fazer parte de um movimento chamado “Frente Ampla”, imaginado exatamente pelo ex-governador Carlos Lacerda, o maior, mais cruel e mais injusto de todos os seus adversários políticos.
Mas, acontece que Lacerda também foi cassado pelos militares. E esperneava ao seu estilo. A Frente Ampla ´queria a volta dos militares aos quarteis, fez algum barulho e nada mais. Naqueles anos as década de 70 as ditaduras militares pululavam na América. Além do Brasil, davam exemplo de terror e crueldade, o Chile, a Argentina e o Uruguai. Não se sabe, até hoje, o número real de mortos e desaparecidos nesse período nefasto. Sabe-se que foram milhares.
Os militares dos quatro países, em surdina, criaram uma instituição sem regras e sem limites, denominada “Operação Condor”, para perseguir, prender, torturar e matar os adversários políticos das ditaduras. E no Brasil morreram de forma suspeita ou mal explicada o ex-presidente João Goulart, o ex-governador Carlos Lacerda e o ex-presidente JK. Suspeitas recaíram sobre a Operação Condor.
Teria aí acabado e história e começado o mito? Juscelino foi assassinado? Há fatos novos na história para que o Governo Lula reabra um processo tão antigo? Ou isso seria um factóide criado pelo Ministro Sidônio para apresentar alguma coisa positiva num momento tão angustiante para o Presidente?
Ou seria alguma ideia “ressignificante” da primeira-dama, Janja da Silva? Que, segundo especulações, tem mais influencia sobre o Chefe da Nação do que muitos Ministros que poucas vezes entraram no Palácio da Alvorada?
Bom, naquele fatídico dia de agosto de 1976 (sempre agosto), JK encontrava-se em São Paulo, hospedado justamente da “Casa da Manchete”, numa área nobre de São Paulo, também projeto de Oscar Niemayer. Consta que estava depressivo. Tinha um relacionamento extraconjugal e vivia o drama de oficia-lo ou não. E confessou isso a Adolfo Bloch, seu anfitrião na capital paulista.
O ex-presidente deixou São Paulo, seguiu de carro para Minas Gerais (antes, pretendia ir para sua fazenda em Luiziana, Goiás), e, no percurso, o seu motorista, Geraldo Ribeiro, envolveu-se num acidente de trânsito entre um ônibus e uma carreta, ambos morreram, as especulações, surgiram e nunca mais pararam: acidente ou assassinato?
Em 2014 a Comissão Nacional da Verdade concluiu que foi acidente. Investigações paralelas, mais de uma vez, questionaram isso. O motorista teria sido assassinado com um tiro disparado de longa distância. O carro teria sido sabotado. O motorista do ônibus seria cúmplice Com quem está a verdade?
Essa decisão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede novas investigações. E pode nada trazer de novo. È muito difícil, quase impossível, reconstituir um fato nebuloso que ocorreu há quase 50 anos. Mas, não é proibido tentar. Num espaço de tempo muito curto , o Brasil sepultou Joao Goulart, Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda. Todos sob mortes suspeitas. Três brasileiros que lutaram e enfrentaram a ditadura.
Três nomes de posições políticas diversas, mas que estão perpetuados na história da República Brasileira. Na verdade, os três viveram muitas vidas. E como escreveu Oscar Wilde, “quem vive muitas vidas morre muitas mortes”.
Ivanildo Sampaio, jornalista