Paulo Rubem Santiago: a inflação e a popularidade dos governantes
Agora, a alta no preço dos alimentos fez cair a aprovação do governo Lula, que pediu para a população não comprar produtos caros

Em 16 de março de 1990 um desastrado confisco monetário proposto para reduzir a inflação jogou a popularidade de Collor de Melo no fundo do poço.
Quatro anos depois, um plano diferente, mas com o mesmo objetivo, o Plano Real, garantiu a eleição (1994) e a reeleição (1998) de Fernando Henrique Cardoso.
Agora, a alta no preço dos alimentos fez cair a aprovação do governo Lula, que pediu para a população não comprar produtos caros.
Inflação e a política monetária
Ao final de 2024 e já em 2025, com ínfima parcela da inflação acima do índice planejado, o Banco Central segue aumentando a taxa básica de juros, tentando trazê-la de volta ao teto de seu regime de metas.
Ora, longe de apelos genéricos e das análises dogmáticas que sustentam medidas anti-inflacionárias para lá de equivocadas à serviço de grupos financeiros, a inflação já nos havia sido bem explicada por Ignácio Rangel (1963), que se declarou surpreendido com a superficialidade com que monetaristas e estruturalistas tratavam a moeda, esclarecendo seus determinantes internos e externos, conflitos de interesses, produção, consumo, câmbio e dívida pública.
Paul Singer (1980), com o didático “Guia da Inflação para o Povo”, e Lauro Campos(2016), ex-Senador e Professor da UnB, autor de “A crise da ideologia keynesiana”, também deram contribuições importantes nessa direção.
Necessidade de alternativas
Por isso, visando a estabilidade monetária e o bem-estar da população há muito que fazer antes de se recorrer às altas taxas de juros como único remédio disponível.
Nesse sentido, o governo acaba de anunciar redução de tarifas de importação para alguns produtos, mas ao observarmos no IBGE os números do IPCA, índice oficial que mede a inflação, percebemos os interesses ocultos na sua produção e no seu controle com a elevação da taxa de juros.
Crise alimentar
Os nove itens de preços de bens e serviços considerados no referido índice podem ser agrupados nos preços administrados, com regras próprias de correção anual (IPTU, IPVA, aluguéis, energia, internet, água, combustíveis, planos de saúde, mensalidades escolares etc.), naqueles sujeitos aos choques de oferta (por ação de oligopólios, aumento das exportações, pragas na agricultura, enchentes, secas ou gargalos de logística) e nos preços “livres”, sensíveis ao aumento do poder aquisitivo dos consumidores. Esses preços se entrelaçam alterando os índices de inflação.
Por isso, nos preços administrados, insensíveis à alta dos juros, deve-se exigir transparência nas planilhas das empresas (custos e lucros) e desindexação da inflação passada, o que não tem a ver com o congelamento de preços, de triste memória no país.
A queda na oferta de alimentos provocada por secas ou enchentes nas regiões produtoras é também insensível à alta dos juros, que não altera as condições climáticas.
Exportações
Entre 2019 e 2020, segundo o IPEA (Carta de Conjuntura No.49, Nota 09, 4º. trimestre de 2020), o Brasil exportou 9,17 bilhões de dólares em carne bovina, suína e de frango, reduzindo a oferta no mercado interno.
Ora, subir os juros não trará de volta os navios que levam os produtos ao exterior, regularizando a oferta. Exige-se então do Estado a formação de estoques reguladores e de cotas de exportação, evitando-se a ineficiente alta dos juros, que favorece a apropriação improdutiva da renda pública pelo capital.
Não podemos, portanto, ficar reféns das decisões do Banco Central, que leva ao mercado financeiro e trás de lá muitos de seus dirigentes, numa relação nada republicana.
Como apontou Fábio Erber (2011), “parte-se do princípio epistemológico de que a economia é ontologicamente política’.
Por isso, o poder executivo deve conduzir a política monetária submetido a controle democrático, inclusive, dada a complexidade da formação dos preços no país, revendo metas inflacionárias inexequíveis, pois facilitam a alta ineficiente dos juros não atingindo as causas reais da inflação na maioria dos preços de bens e serviços, nem aumentando sua oferta à população.
Paulo Rubem Santiago é professor da UFPE e Doutor em Educação, além de Ex-Deputado Federal (2003-2014)