A tentativa frustrada de golpe, seguida pela prisão do presidente da República que quis aproveitar o cargo para aumentar o próprio poder, traz do Peru uma lição para a democracia em todo o mundo. O resguardo das instituições é o seguro do processo democrático. Daí a necessidade de se prezar tanto pela vigência das regras constitucionais, em cada país, quanto pela legitimidade da representação política e dos demais atores institucionais, como a Justiça. O desgaste das instituições deixa a democracia por um fio, pendurada sobre o abismo de desventuras autoritárias, muitas vezes, impulsionadas por populismos que encantam os eleitores pelo ilusionismo de um discurso apolítico – sendo essencialmente político em seu mal disfarçado viés totalitário.
Como escreveu ontem no JC o colunista Igor Maciel, “descredibilizar a classe política ou o poder em vigor é o artifício principal daqueles que tentam alcançar ou manter o controle de um país, porque é um atalho imprescindível para atropelar leis”. Quando se dissemina a ideia nefasta de que todos são corruptos, ou matreiramente, que todos “os outros” são ladrões ou corruptores de valores tradicionais, tem-se o caminho pavimentado para a demonização da democracia. O exemplo peruano serve para ilustrar
que a estratégia é a mesma, à esquerda ou à direita, bastando a personalista populista para vislumbrar o poder pelo poder, de preferência sem intrusões do Congresso ou do Judiciário. O controle dessas instituições é o sonho dourado dos que assumem o poder pelo voto, e não pretendem deixar tão cedo.
A queda de Pedro Castillo não se dissocia do desgaste da democracia peruana, há décadas atacada pelo populismo da pecha anti-política que não quer colocar nada democrático em seu lugar. O mesmo tipo de campanha que já vimos no Brasil, ora pela esquerda, em governos anteriores do PT, e mais recentemente pelo populista de direita, nas últimas semanas no Planalto, cujos seguidores ainda alimentam explícito desejo de golpe – alegando, não por acaso, conspiração da Justiça e do Congresso para evitar a reeleição de Bolsonaro. Se a prisão de presidentes e ex-presidentes não é incomum na América Latina, como vemos neste momento na Argentina, vale refletir sobre o cuidado imprescindível com as instituições, reforçando o valor da democracia e das leis a serem cumpridas por todos os cidadãos.
E o que faz com que os populistas ganhem espaço, no Peru, na Argentina, no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa, é a desvalorização da política como espaço para a união de propósitos e convergência de ações para o interesse coletivo. Quando se usa a política para desagregar, separar e criar inimigos, a intenção é corroer a democracia, para que as instituições não atrapalhem o projeto obscurantista. O que é próprio da democracia – a controvérsia, o diálogo e o consenso pelo bem comum – não pode ser biombo para a implosão das instituições, das leis que asseguram as liberdades e os direitos da população.
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