O aumento da população em condições indignas de moradia – se é que se pode chamar de moradia onde vivem – não é um problema específico da capital pernambucana. A maioria dos centros urbanos brasileiros enfrenta a questão. No entanto, há décadas os recifenses buscam atenção do poder público municipal, sem resposta. Ou sem respostas de ação, recebendo do prefeito da vez as promessas de sempre, que nunca são cumpridas. O déficit habitacional na capital e na Região Metropolitana é a ponta do iceberg de uma situação mais ampla, em que se juntam a miséria, o uso de drogas, a violência, a infância desassistida e o desamparo generalizado de pessoas que não têm para onde ir, nem o que fazer.
Prestes a entrar no terceiro ano de mandato – portanto, com a metade do caminho percorrida – o prefeito João Campos dá início ao processo de criação de um novo Plano de Assistência Social. Uma comissão será constituída para acompanhar a feitura do plano, organizar encontros e agendar reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). O primeiro encontro ocorrerá em janeiro, com reuniões mensais até dezembro. O novo plano substituirá o atualmente vigente, e deverá valer entre 2025 e 2028. É considerado instrumento estratégico de planejamento para implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
As siglas expressam a prevalência da burocracia sobre a miséria real. A subcidadania é escancarada no Recife há anos, nas calçadas do Centro e nas palafitas à beira do rio, sem que o poder público faça mais do que montar siglas e planos, sem efetiva consequência. O que se espera é que a demanda, muito atrasada, ganhe a prioridade que merece, a partir da formulação do novo plano – mas que não seja necessário aguardar três anos para que a população mais vulnerável da capital venha a ser tratada com
respeito. Por que a Prefeitura não atende, desde já, os pedidos de cursos profissionalizantes e ações de prevenção à violência, pelos cidadãos em situação de rua? Inserir tais medidas no papel para implementação daqui a 3 anos, além de extrapolar o mandato da atual gestão, representa uma judiação da visão burocrática, na direção da permanência da opressão à população.
Criado em 1995, o CMAS não tem conseguido transformar a deliberação política em resultados práticos para as pessoas em situação de rua – um contingente de pelo menos 1,6 mil, na contagem de 2019. Vale somar a essa população os habitantes das palafitas e das áreas de risco, bem como de bairros apinhados de casebres sem a infraestrutura devida. Não se retira a importância do Conselho para o chamado controle social das políticas públicas. Mas se as políticas públicas ficam na promessa, na conversa e no projeto, os gestores municipais se eximem da responsabilidade pelo destino coletivo de famílias inteiras, ou indivíduos marginalizados, que continuam invisíveis enquanto a burocracia se perpetua. E nada acontece, de fato, para mudar a aviltante condição dos sobreviventes das ruas.
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