Proliferação de fake news criou uma rede de fanatismo que espalha o negacionismo político e ameaça a democracia brasileira

JC
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Publicado em 11/01/2023 às 23:09

A tecnologia da comunicação abriu a possibilidade de levar a informação para mais longe, em tempo real, a cada segundo, desprezando fronteiras e integrando pontos de vista diversos sobre qualquer assunto. Mas também oferece o mesmo caminho para a desinformação, com a disseminação de mentiras grotescas que desafiam a ciência, o bom senso e até a polidez que se espera no trato social. Daí as redes sociais terem se tornado, em larga medida, nos últimos anos, condutos antissociais de transporte do ódio,
da intolerância e de radicalismos de toda espécie.

Trata-se de fenômeno global, como efeito da globalização dos meios de comunicação, que pôde ser percebido agudamente na pandemia de Covid-19, com a produção maciça de inverdades científicas e teorias conspiratórias, transmitidas à velocidade do coronavírus. Além disso, o uso maléfico das redes ganhou relevância política, destacando-se no destino de eleições em alguns países, como na vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. A interferência da informação inverídica na política, no entanto, não se restringe às campanhas eleitorais.

As bolhas cada vez maiores, geradas pela alimentação intensa dos produtores de fake news, são aproveitadas para atacar os sistemas democráticos, descredenciando as instituições e apontando soluções totalitárias como alternativas ao exercício do poder com feições moldadas pelas mensagens compartilhadas – de ódio e intolerância.

Apesar da mobilização imediata das instituições nacionais, após a invasão bárbara aos Três Poderes em Brasília, no último domingo, resistem os temores de que o fanatismo turbinado pelas mentiras em rede pode prosseguir minando a base institucional da democracia. Não é à toa que uma das primeiras reclamações dos invasores detidos pelos ataques aos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal foi sobre a qualidade do sinal de wi-fi no ginásio em que se encontram detidos.

Faz parte da realimentação da bolha do radicalismo, não apenas compartilhar as fake news recebidas, mas também, vociferar testemunhos do próprio fanatismo que não desiste da crença no que é falso. Ou, num grau elevado de insanidade, não se importar com a falsidade comprovada, pois a crença já se lança acima da verdade.

Como o colunista de Economia do JC chamou a atenção, ontem, “a divulgação de fake news virou uma ameaça àdemocraciacomo ferramenta política de ação que a sociedade e a própria classe política e oEstadobrasileiro ainda não sabem como enfrentar”. No mundo contemporâneo, talvez ninguém ainda saiba. O desafio é global e ameaça os valores primordiais da democracia, sobretudo a liberdade conquistada a partir da observação de direitos universais estipulados em leis. Assim, o fanatismo se fia num salvacionismo com raiz na política e destino, ilusoriamente, apolítico, na perspectiva de um golpe sem horizontes, nem qualquer respaldo institucional. “O que chama a atenção dessaconstrução mentalé a convicção que milhares de pessoas tem hoje no Brasil de que é possível derrubar o governo pela força sem se dar conta do delírio de uma aventura como essa e que os colocou na condição de terroristas, inclusive à luz doDireito Internacional”, pondera Fernando Castilho.

Para defender a democracia e impedir aventuras autoritárias fundadas por laços e chavões virtuais, os atores institucionais devem permanecer coesos. Mas também será necessário desmobilizar o exército de fanáticos das fileiras de fake news – com apoio da verdadeira política, dos instrumentos da democracia e do mesmo conhecimento tecnológico que proporcionou emergir a cultura fake, onde incautos peões da mentira se arvoram em negar a política para forjar a ocupação de espaços de poder.

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