O presidente da República tenta dar um autogolpe em seu país, propondo o fechamento do Congresso. A tentativa não dá certo, e o presidente é preso, assumindo em seu lugar a vice-presidente, de acordo com a norma institucional.
Ao invés de se arrefecerem os ânimos, a crise continua, com manifestações populares que levam à repressão violenta do governo e já somam cerca 50 mortos e centenas de presos e feridos em pouco mais de um mês. E o que querem os manifestantes? O fechamento do Congresso e a destituição da atual presidente, exigindo a antecipação de eleições.
Eis o resumo, simplificado, da situação no Peru – um retrato do descontentamento com a democracia que não se restringe àquele país, mas é visível em outras nações americanas, dos Estados Unidos ao Brasil.
O caos político e social afetou o turismo peruano, pela suspensão das operações do Aeroporto de Cusco, por onde passam os visitantes para Machu Picchu. A medida foi tomada por prevenção contra ataques dos que querem a renúncia da presidente Dina Boluarte. O mesmo terminal aéreo foi fechado por quase uma semana, em dezembro, quando as manifestações tiveram início.
Os protestos ocorrem em outras cidades, incluindo a capital, Lima, elevando a temperatura de instabilidade nacional e fazendo com que governadores e associações profissionais juntem-se ao coro pela renúncia da atual presidente. No entanto, observadores internacionais afirmam que isso não seria suficiente para encerrar a crise, apenas adiando os problemas estruturais para o próximo governo.
Além do fechamento do Congresso e da saída da chefe de Estado, os manifestantes pedem uma nova Constituição, que seria escrita por uma assembleia constituinte. Os protestos são acompanhados de perto e com preocupação em toda a América. Uma missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se encontra no Peru.
A Casa Branca solicitou moderação a todos os lados envolvidos, a fim de evitar novos confrontos e mais mortes. Desde que o presidente Pedro Castillo, da esquerda peruana, foi deposto e preso quando quis fechar o Congresso e intervir na Justiça – ou seja, dar um autogolpe – a espiral do descontrole avança sobre as instituições democráticas, de modo intenso e cada vez mais imprevisível.
As ameaças à democracia nas Américas refletem uma onda de desconfiança e insatisfação que percorre diversos países, há alguns anos. Os manifestantes demonstram desconexão com as instituições, por mais que as regras democráticas sejam respeitadas.
Trata-se de fenômeno que vem se repetindo e merece a atenção dos líderes nacionais em todo o mundo. Em entrevista publicada hoje no JC, o filósofo e professor da UFPE, Filipe Campello, chama a atenção para a oportunidade de mudança no modelo contemporâneo representado pela democracia liberal. Mas o caminho da destruição proposta por movimentos golpistas deve ser retificado pelo aperfeiçoamento das
instituições, e não, sua aniquilação.
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