A declaração do presidente Lula que estampou a capa do JC de ontem, dada em sua visita à Argentina, resgata uma ação controversa de seus governos anteriores: o empréstimo de milhões de reais para obras e investimentos de infraestrutura em outros países. Do ponto de vista político, a disponibilidade de recursos financeiros em largo porte configura valiosa oferta do povo brasileiro, através de seu máximo representante, a outras nações. Em especial na América do Sul, um dos lugares mais pobres do planeta, em que a fome e a desnutrição avançaram nos últimos anos, com aceleração devido à pandemia – como na Venezuela, que abriga a maior parcela populacional relativa de desnutridos. Politicamente, trata-se de um gesto na direção da parceria, com esperadas contrapartidas, seja de apoio político, seja de caráter econômico, em benefício dos cidadãos brasileiros.
Como destaca o colunista de Economia, Fernando Castilho, o problema está na insistência do presidente da República em um modelo que trouxe bilhões em prejuízos, além do passivo da corrupção desvendado – e não, criado – pela operação Lava Jato. Os empréstimos do BNDES desde o fim do século passado a outros países ultrapassam a cifra de 10 bilhões de dólares, ou mais de R$ 50 bilhões. Com esse montante, foram realizadas 86 obras em 15 países, entre os quais, Angola, que já pagou o que devia. A Argentina, que já recebeu recursos do banco brasileiro antes, ainda deve uma parcela de R$ 29 milhões. A questão é por onde passa o dinheiro: a Odebrecht ficou com quase 8 bilhões de dólares, antes de se atolar na corrupção que veio à tona em gestões anteriores do PT.
“O equívoco do presidente está em querer reescrever a história depois de ela estar fortemente documentada. Instituições como o BNDES, com a capacidade de captação que possuem, podem e devem ser instrumentos de crescimento das nossas empresas no exterior. Isso é o que as grandes nações fazem. Isso é o que instituições multilaterais fazem. O erro está em se negar a reconhecer os equívocos do passado e não usar isso como experiência para fazer melhor no futuro”, defende Castilho, que chama a atenção para o uso correto do dinheiro emprestado, e do pagamento devido pelos países que o recebem.
Por outro lado, cabe a reflexão sobre as imensas e urgentes demandas internas no Brasil. E não apenas na perspectiva social, com milhões de pessoas famintas, e dezenas de milhões na miséria e na pobreza - a maioria, aliás, endividados. O país carece de infraestruturas locais e regionais aos montes. Na edição de ontem, também noticiamos, por exemplo, que a governadora Raquel Lyra está recorrendo ao Banco Mundial para captar R$ 600 milhões e levar água para os pernambucanos que não são atendidos pelo sistema atual. Assim como governos estrangeiros, estados e municípios brasileiros têm pouca margem para investir. Antes de cruzarem a fronteira, os bilhões do BNDES não teriam muito a fazer aqui?
Comentários