Os temporais que vão se tornando comuns no Brasil, todos os anos, levam transtornos e perdas para cidades de diferentes portes, da megalópole paulistana aos municípios ribeirinhos do interior nordestino. Na enxurrada de consequências depois do aguaceiro, buscam-se razões para o sofrimento coletivo, além da força da natureza, inclemente e aparentemente mais poderosa com as mudanças climáticas em curso no planeta.
E na procura de explicações, são questionadas raízes: a ocupação desordenada do espaço urbano e natural, a omissão do poder público com a vulnerabilidade dos habitantes à beira de tragédias, a insensibilidade da sociedade em geral a respeito de um problema recorrente e antigo, que se repete agora com maior frequência, mas que conta décadas de ocorrências semelhantes, em lugares expostos tanto a intempéries quanto ao descaso.
Os mortos em São Sebastião, em São Paulo, há poucos dias, ou em Pernambuco, no ano passado, foram vítimas de riscos anunciados que não são levados a sério no país do improviso e do retardo, do desleixo e da inconsequência.
Para cada tragédia anunciada que se transformou em realidade nas áreas de risco espalhadas pelo país nas últimas décadas, há milhares de imagens, palavras e promessas registradas – antes pela imprensa, hoje pela imprensa e nas redes sociais. Não dá para dizer, depois do que acontece, que ninguém sabia de nada.
Os que mais sabem são os moradores, empurrados para as franjas do território pela conjunção da falta de opção com a de oferta de alternativas onde viver. Os governantes não desconhecem, mas muitos fecham os olhos para a realidade feia e dura, torcendo para que a profecia não caia do céu em seus mandatos.
Como o JC mostrou em reportagem esta semana, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) calcula em mais de 8 milhões a população em áreas de risco de enxurradas e deslizamento em todo o território nacional.
De janeiro de 2013 a abril do ano passado, o prejuízo estimado com os desastres ultrapassa R$ 67 bilhões. Esse é o valor material. No plano imaterial, o sofrimento acumulado que atravessa gerações não tem como ser medido, nas vidas perdidas, nas feridas e mutilações no corpo e na alma de quem sobrevive, ou simplesmente passa noites em claro sempre que nuvens se formam acima dos telhados.
Os cidadãos largados em áreas de alto risco somam 2,5 milhões, em 825 municípios. O que esses prefeitos estão fazendo ou planejam efetuar, e seus antecessores deixaram de fazer, a respeito das áreas potenciais de desastres climáticos?
A pergunta vale para o cenário pernambucano, onde o Recife aparece com mais de 13% da população em risco, ou nada menos que 207 mil pessoas. Quase o mesmo número de Jaboatão dos Guararapes, onde há 188 mil, e o problema é proporcionalmente maior, já que o contingente representa quase 30% da população. A dimensão de uma questão envolvendo centenas de milhares de habitantes indica o tamanho do passivo habitacional, após décadas de pouco interesse em mudar a situação.
A informação mapeada pode ser o prenúncio da solução, se amparar decisões políticas de reordenamento do uso do solo e do espaço urbano, levando em conta variáveis de risco ambiental e humano. Decisões que precisam ser efetivas e urgentes, porque a próxima chuva não vai esperar.
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