Cadeirada na democracia

Violência praticada em debate para a prefeitura de São Paulo mostra como a intolerância e a dificuldade para o diálogo empobrecem a política

Publicado em 17/09/2024 às 0:00

Antes mesmo de a cadeira voar em direção ao candidato oponente, desde os primeiros encontros entre os postulantes, a disputa pela prefeitura de São Paulo vem se caracterizando, este ano, como um momento lamentável para a democracia brasileira. De personagens que se aproveitam do vácuo de lideranças ponderadas, abusando da retórica do antissistema – como Milei, na Argentina – até figuras tradicionais da cena paulistana, que não resistiram à tentação do quanto pior, melhor, e partiram para a agressão verbal dos concorrentes, ao invés de focar nos inúmeros problemas da maior cidade da América Latina. São Paulo é uma das mais ricas, populosas e desiguais metrópoles do planeta, e não faltam questões urgentes a serem tratadas com seriedade pelas candidaturas disponíveis ao eleitorado.
O episódio tosco entre José Luiz Datena e Pablo Marçal, na TV Cultura, já é uma vergonha nacional, cujo significado e desdobramentos extrapolam o âmbito do município. Quando uma cidade com a história política e o peso de São Paulo ostenta esse baixo nível na campanha eleitoral, a mensagem para os brasileiros de todas as cidades é uma só: a democracia está desmoralizada. Aqueles que duelam por ofensas e chegam às vias de fato com cadeiradas, podem ser os mesmos que, mais tarde, governam e legislam representando o povo. Um caso como esse é capaz, não de mobilizar votos em torno de um ou de outro dos envolvidos, mas provavelmente, o efeito mais provável é o afastamento ainda maior do cidadão da escolha das urnas. A separação entre a demanda social e literal briga política só favorece a discursos que fazem de conta que estão de fora do jogo, e se aproveitam das regras para alcançar o poder, com o intuito de exercer o poder pelo poder, muitas vezes realizando um desejo autoritário.
Em relação aos debates eleitorais, a atitude explosiva de Datena não é incoerente com uma lógica de agressões mútuas que domina a busca por holofotes e protagonismo. Para a maioria das candidaturas majoritárias, a impressão transmitida aos eleitores é que deve ser mais importante bater e expor um adversário selecionado, a contar a própria história realçando a relação da trajetória com o objetivo pretendido, ou mesmo exibir propostas e compará-las com as propostas dos demais, tendo a realidade como base a ser debatida. Talvez, quando o bate-boca for substituído por um bate-papo entre pessoas civilizadas e interessadas no bem comum, a política tenha restituída a sua capacidade de atrair mais participantes, inclusive para melhorar o nível do exercício do poder, que anda tão defasado quanto transparece nas campanhas.
Além da injustificável brutalidade, fruto do destempero e do descontrole, no rescaldo de brigas de palavras com as quais os brasileiros têm se acostumado – não com alegria, apesar da disseminação nas mídias sociais – a violência na política também é bizarramente explorada como elemento de ativação de votos pela vitimização dos agredidos. Já vimos esse filme, dentro e fora do país. E sabemos que da violência advém apenas mais violência, com acréscimo de intolerância, e não, soluções para os problemas nacionais ou municipais.

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