Uma ponte sobre o Atlântico
A maior parceria econômica já anunciada na história da globalização envolve o Brasil como protagonista, com potencial de elevação do PIB
Vinte e cinco anos depois das primeiras conversações, os blocos de países do Mercosul e da União Europeia chegaram a um consenso histórico para a formalização de acordos comerciais e de investimentos, no maior patamar já visto, abrangendo os interesses de mais de 720 milhões de pessoas, que respondem por um Produto Interno Bruto (PIB) total de 22 trilhões de dólares. Mas o anúncio tão esperado, feito em Montevidéu, no Uruguai, ainda pode ser barrado na Europa, especialmente na França, na Itália, na Holanda e na Polônia. O espírito de cooperação que constrói uma ponte sobre o Atlântico pode ser contido pela onda protecionista que tem, entre os franceses, por exemplo, um eco tão forte quanto nos Estados Unidos de Donald Trump – ao menos do ponto de vista da proteção da economia doméstica.
O consenso geral entre os representantes das duas partes, do Mercosul e da União Europeia, é o primeiro passo para a assinatura de um acordo formal, que ainda precisará ser revisado. A resistência da França foi imediatamente renovada, após a divulgação da disposição da Comissão Europeia, órgão contra o qual o governo francês se manifesta, dizendo que não ratificará o acordo. Nos próximos meses, o trabalho diplomático terá que ser intenso, com a participação dos principais líderes dos dois blocos, a fim de garantir o consenso e estender o seu alcance para os países insatisfeitos com a configuração aprovada no Uruguai.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mostra-se convicta do valor de um acordo finalmente pactuado entre os dois blocos, chamando o que foi firmado em Montevidéu de algo “ambicioso e equilibrado”. Enquanto isso, sobretudo nas organizações de agricultores, mas também em outros setores, os protestos na Europa indicam desconfiança e desconforto de parcelas da população com o acordo com o Mercosul. A reação certamente será utilizada politicamente, como já vem sendo nesses anos de negociações. E não é improvável que os radicais se aproveitem do protecionismo para pedir votos e ganhar a simpatia dos europeus.
O desafio daqui por diante – na política e na economia – é espalhar a percepção da ambição e do equilíbrio para franceses, irlandeses, italianos, holandeses, alemães, de maneira a disseminar as conquistas coletivas para as nações dos dois blocos, diante de movimentos contraditórios da globalização: as guerras comerciais podem ganhar ainda mais peso a partir de janeiro, quando um protecionista declarado como Trump assumir a Casa Branca. A primeira consequência da ratificação do acordo pelos governos nacionais seria a reafirmação positiva da globalização, evidenciando a força da união dos povos em detrimento de discursos e práticas separatistas e restritivas. Pelo contrário, a não ratificação lança o planeta em mais do mesmo padrão isolacionista que dá passos atrás na economia globalizada.