Habitação é privilégio
Terceiro estado com mais favelas e comunidades urbanas no Brasil, há quase 500 mil domicílios em condições precárias de moradia em solo pernambucano
A desigualdade habitacional é um dos reflexos de problemas antigos que se perpetuam em Pernambuco. E solicitam soluções integradas e articuladas entre os diversos níveis de gestão pública, a fim de melhorar a qualidade de vida para os moradores de quase meio milhão de domicílios em todo o estado, o equivalente a 12% dos habitantes, mais de um milhão de pessoas. O assunto vem sendo objeto de conteúdos aprofundados pelo Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, em todos os nossos veículos, oferecendo à população uma base informativa e analítica para a formação de panorama abrangente sobre a questão.
Das 849 comunidades e favelas registradas, mais de um terço, 295, estão no Recife. Um drama conhecido para os recifenses, que convivem diariamente com os tormentos da habitação inadequada, e da falta de habitação, visível no grande contingente de indivíduos e famílias inteiras nas calçadas, sobrevivendo como podem. De acordo com o IBGE, Pernambuco só está atrás de São Paulo e do Rio de Janeiro na quantidade desse tipo de habitação – o que se põe como desafio em dobro, já que a comparação é com estados mais desenvolvidos, com populações maiores e melhores estruturas urbanas.
A classificação leva em consideração a insegurança jurídica dos moradores, a falta ou insuficiência na oferta de serviços públicos, e o risco ambiental em áreas ocupadas sem planejamento. Nas três maiores favelas em Pernambuco – localizadas no Cabo de Santo Agostinho, em Jaboatão dos Guararapes e no Recife – os serviços de saúde e de educação somados, por exemplo, não chegam a um terço dos estabelecimentos religiosos lá encontrados. Nada a opor à presença desses estabelecimentos, mas tudo a lamentar nas demandas mal atendidas de serviços essenciais para a população de baixa renda, que mais precisa de suporte em saúde e educação.
As comunidades urbanas e favelas no Brasil são feridas abertas pela omissão dos gestores públicos que não se importam com a baixa qualidade de vida para grandes porções da população, na maioria dos casos, amontoada pelo improviso em áreas impróprias para habitação. É a consequência do descaso e da ausência de políticas habitacionais que tratem o problema com a importância que merecem ter. Como as palafitas no Recife, cartões-postais da cidade que ninguém quer ver, mas está à vista de todos, inclusive e especialmente dos gestores públicos que preferem, quase sempre, outras prioridades para investir o dinheiro público. A palafita não é cult como um parque erguido com questionáveis intervenções na margem do rio – a palafita é a realidade aviltante de nossa desigualdade escancarada. Mas onde habitação é privilégio, o acúmulo de privilégios não espanta, faz parte da paisagem urbana como se os palafitantes fossem invisíveis.
A falta de políticas habitacionais ainda se alimenta da ideologia demagógica que impede o uso do solo disponível pelo cidadão, fechando os olhos e abdicando da ordenação nas áreas ocupadas sem planejamento. Basta um sobrevoo de drone nos morros da Região Metropolitana, para se enxergar o que a insensatez habitacional deixa construir. O Centro do Recife é outro lugar onde o vácuo da decisão política mostra o seu estrago. Enquanto isso, privilegiados mantém intactos os guetos da desigualdade pernambucana.