Editorial JC: Futuro sem horizonte
Quase dois terços dos pernambucanos com até 17 anos de idade sofrem alguma privação de direitos básicos, aponta relatório do Unicef sobre pobreza

No exame das múltiplas dimensões da pobreza que envolve crianças e adolescentes no Brasil, não podemos deixar de levar em consideração o prolongamento de condições estruturais históricas que vêm contribuindo, ao longo das últimas décadas, para a permanência das desigualdades sociais. O estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado há poucos dias, lança luz sobre a interdependência de fatores que causam e refletem a perenidade do problema, num círculo vicioso que parece difícil de sair.
Num país onde o desenvolvimento econômico é prejudicado pela mesma visão estreita que normaliza a corrupção e a impunidade para os corruptos – visão traduzida em desvirtuamento ético na política e na justiça, e se dissemina na sociedade como tacanho traço cultural – a falta de atendimento a direitos básicos desde a primeira infância, até a entrada na vida adulta, faz a pobreza ser passada de geração a geração, com raras e gratas exceções. Até porque muitos adolescentes brasileiros de baixa renda e precária qualidade de vida já se tornam pais e mães antes de completarem 18 anos.
É nesse contexto de tragédia nacional eternizada que os dados em relação a Pernambuco devem ser enquadrados. Quase dois terços – 64% - das crianças e adolescentes com até 17 anos de idade no estado sofrem algum tipo de privação de direitos básicos: passam fome, não recebem cuidados de saúde, não estudam como poderiam, não dispõem de moradia adequada, ou de água e saneamento.
Muitas ainda passam pela exploração do trabalho infantil, imersas na urgência familiar da baixa renda. E assim chegam à idade adulta, se sobreviverem ao ambiente de violência e criminalidade ao qual a maioria é submetida, mal preparadas para a vida do trabalho, sem terem cultivado os potenciais individuais ou qualquer semente de vocação, e com baixa capacidade de contribuição para a coletividade.
Os números do Unicef são relativos a 2023, e portanto refletem as dificuldades acumuladas, agravadas ou intocadas, em uma geração nascida no século 21. Mais de 30% das meninas e meninos nessa faixa etária em Pernambuco enfrentam problemas de pobreza monetária – o que compromete todo o resto, se os serviços públicos não dão conta, ou nem tentam suprir a desigualdade de renda.
O saneamento é o direito menos usufruído pelos jovens pernambucanos, segundo o relatório. Para os governantes, de todos os níveis, a demanda por políticas de inclusão, mais do que compensação, deveria ser prioridade das prioridades desde o primeiro dia de mandato até a entrega para o sucessor, se o poder fosse compreendido como poder de fazer o bem para quem mais precisa.
Em Pernambuco e no resto do Brasil, parte expressiva da infância e da juventude é vivida sem um presente decente, com um futuro sem horizonte para tanta gente que compromete o desenvolvimento, ano após ano, entra governo, sai governo, com pouca mudança da realidade.
Confira a charge do JC desta segunda-feira (20)
