Pandemia

Pessoas em situação de rua no Recife relatam dificuldades diante do novo coronavírus

Cerca de 1600 pessoas têm pouco ou nenhum acesso à água limpa, sabão e álcool em gel, essenciais para o combate à covid-19

Renata Monteiro
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Renata Monteiro
Publicado em 23/03/2020 às 17:08 | Atualizado em 23/03/2020 às 17:12
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Prefeitura restringiu o acesso das pessoas ao Restaurante Josué de Castro, mas na área externa do equipamento, usuários não respeitam distância mínima sugerida por autoridades médicas, de pelo menos 1 metro entre uma pessoa e outra - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Há vários dias, autoridades da saúde, governadores, prefeitos e cidadãos preocupados com a propagação do coronavírus ao redor mundo têm repetido: não saiam de casa. A orientação visa dificultar a proliferação do agente causador da covid-19, mas esquece que mais de 100 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil, segundo o mais recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) sobre essa fatia da população, feito em 2016.

No Recife, conforme dados da prefeitura, cerca de 1600 pessoas encontram-se nessa condição, sendo que 200 delas têm abrigo em casas de acolhida municipais. Alguns ainda possuem residência, mas passam os dias nas ruas da capital pernambucana em busca de trabalho ou doações. Outros, não têm onde dormir. Nas calçadas da área central da cidade, não é difícil encontrar idosos, adultos e crianças - muitos deles doentes - sem acesso à água limpa, sabão ou álcool em gel, itens essenciais para se evitar o contágio do coronavírus.

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“O governo manda a gente ficar em casa, mas se eu fizer isso, vou comer o que? As paredes?”, questionou Aldaléia Batista de Oliveira, de 63 anos. Idosa, a mulher ainda não está aposentada e diz que, apesar de ter medo de contrair a nova doença, tem que deixar diariamente a sua casa, no bairro da Joana Bezerra, para buscar o que comer no Centro do Recife. “Dizem que devemos lavar as mãos, ficar em isolamento, mas é difícil pra gente fazer isso. No posto de saúde eles não dão álcool em gel. Minha neta, que tem 10 anos e mora comigo, não está indo para a escola e agora tenho que vir com ela todo dia”, afirmou, nesta segunda-feira (23), ao deixar o Restaurante Popular Josué de Castro, situado na Rua Floriano Peixoto, perto da Estação Central do Metrô.

À espera de um transplante de rim e realizando hemodiálise três vezes por semana na Santa Casa de Misericórdia, a moradora de rua Ana Cláudia Dias Costa, 40, disse temer ser infectada pelo novo coronavírus e lamentou não ter mais recursos para se proteger. “Eu tenho conhecimento do que preciso fazer para não me contaminar e que faço parte de um grupo de risco. O problema é que não tenho casa para me isolar nem dinheiro para comprar álcool em gel. Na minha opinião, o governo deveria fornecer esses materiais para pessoas que vivem como eu”, relatou a mulher.

Resposta

Algumas pessoas em situação de rua entrevistadas pelo JC nesta segunda afirmaram que têm acesso a máscaras e álcool em gel, mas dizem que os itens foram fornecidos por membros de ONGs que costumam doar roupas e alimentos para eles, não pelas gestões municipal e estadual. Os entrevistados também disseram não ter recebido nenhuma orientação oficial para evitar contaminações.

Através de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Política Sobre Drogas e Direitos Humanos (SDSJPDDH) informou que a administração municipal está elaborando um plano de ação para criar estratégias de como lidar com a covid-19 entre pessoas em situação de rua. Entre as medidas previstas pela pasta estão a “destinação de 20 vagas para isolamento domiciliar no abrigo emergencial” para o grupo, nos casos encaminhados pelo serviço de saúde, “e a capacitação sobre a Covid-19 para os profissionais dos equipamentos voltados às pessoas em situação de rua”.

A secretaria informou, também, que o restaurante popular Josué de Castro “passou a servir as refeições em quentinhas para evitar aglomeração no ambiente interno do equipamento". Do lado externo, porém, o JC flagrou os usuários da unidade aglomerados enquanto aguardavam a entrega dos alimentos. O restaurante Naíde Teodósio, que fica no bairro de Santo Amaro, não está funcionando.

“No Abrigo Noturno Irmã Dulce, a principal medida tomada foi organizar as camas de forma que haja um espaçamento maior entre os usuários durante à noite, para manter o distanciamento físico necessário. Como os dormitórios contam com ares-condicionados, os usuários que tossirem ou espirrarem com mais frequência serão acolhidos em espaços mais arejados e com ventiladores. Caso sejam percebidos sintomas de gripe mais graves, será realizado o devido encaminhamento para a unidade de saúde”, diz outro trecho da nota.

Procurado, o Palácio do Campo das Princesas afirmou que também estuda uma linha de atuação para auxiliar pessoas em situação de rua durante a pandemia do novo coronavírus e estima que anunciará medidas nesse sentido dentro dos próximos dias.

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