Os moradores de Fernando de Noronha vão vivenciar a partir desta segunda-feira (20) até o dia 30 de abril uma quarentena para evitar a disseminação do novo coronavírus no arquipélago, que já registrou 26 casos da doença. A população está dividida entre os que acham a medida necessária e os que a consideram excessiva.
De acordo com o decreto nº 48.955, a circulação de pessoas nas vias públicas ficará vedada, e só será permitida a saída para a compra de comida, remédios e produtos de higiene, atendimento ou socorro médico, atividade de pesca (com, no máximo, três pessoas por embarcação), realização de serviços bancários ou embarque e desembarque no aeroporto, para pessoal autorizado.
Mesmo para tais atividades, será necessária uma autorização do administrador geral. Os moradores deverão preencher um formulário com o seu nome, número do documento de identificação, motivo da saída, data e hora. Eles receberão o link do formulário via SMS. Caso seja abordado pela autoridade policial quando estiver fora, o morador deve apresentar a autorização impressa ou no seu celular.
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Na última quinta-feira (16), quando o decreto foi assinado, o administrador de Noronha, Guilherme Rocha, afirmou que a quarentena será adotada pelo bem da comunidade "e para que se salve cada vez mais vidas". "A gente está fazendo algo sério e o decreto vem como corroboração do que vinha sendo dito aqui (isolamento)", afirmou na ocasião.
O conselheiro distrital Ailton Júnior é contrário ao decreto de quarentena, pois o considera uma violação de direitos. "Eu sou totalmente favorável ao isolamento, mas você ter que pedir permissão já passou do limite da democracia. Não só eu como a maioria da população está muito indignada com esse tipo de ação. Preencher um formulário para você ter que comprar um pão, um remédio, e ficar a bel prazer do administrador. Independentemente de ter coronavírus ou não, não se pode usar a doença como desculpa para arbitrariedade", ressaltou o conselheiro.
Segundo ele, de uma forma geral, o isolamento social está sendo cumprido. "Não deixa de ter um caso aqui, outro ali. A partir do momento que se ligava para a polícia, ela acabava a aglomeração. Ninguém estava fazendo festa na rua, andando aglomerado, ninguém consegue entender o porquê do governador tomar essa atitude", afirmou.
Ailton aponta ainda a dificuldade de comunicação, principalmente de internet, enfrentada pelos moradores da ilha, o que traria dificuldade para o preenchimento do formulário de autorização para circular pelo arquipélago. "Imagine uma pessoa que mora em um local que não tem sinal de internet. Como essa pessoa vai poder se comunicar, são várias coisas que não estão sendo levadas em consideração", argumentou, lembrando que ônibus e táxis também estão proibidos, o que obrigará muita gente "andar quilômetros para comprar um pão ou um remédio".
A quarentena, também chamada de "lockdown", vem sendo adotada em vários lugares do mundo, em países europeus, como Espanha e Itália, e até na América do Sul, caso da Argentina.
O presidente do Conselho de Saúde de Noronha e dono do receptivo Noronha Tour, Antônio Gomes, conhecido como "Nico", se mostra favorável à quarentena. "Eu não vejo isso como uma afronta ao meu direito de ir e vir. Se eles tivessem tomado essa medida em uma situação de normalidade, com certeza, eu ia sair na rua e protestar", afirmou Nico. Ele também disse esperar que o governo esteja preparado para analisar os pedidos de autorização com agilidade.
Nico acredita que essa medida extrema não seria tomada se todos tivessem cumprido o seu papel desde o início. "Muitos casos surgiram em uma festa, num churrasco, aí é imoral. Isso não é generalizado. Obviamente, tem uma grande parcela da população que colaborou, cumprindo direitinho, mas infelizmente o que vinha acontecendo eram os casos só aumentando", conta.
Atenção especial
Na semana passada, o secretário estadual de Saúde, André Longo, afirmou ao JC que Fernando de Noronha "requer uma atenção especial" devido à dificuldade de acesso e limitação de recursos de saúde.
O primeiro caso de coronavírus na ilha foi confirmado em 27 de março, o segundo no dia 31. Do dia 6 de abril para o dia 7, o número de casos dobrou de sete para 14.
Fernando de Noronha é o local que tem proporcionalmente mais casos em Pernambuco, já que são 26 para uma população de 3.061 pessoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerando o cálculo de casos por 100 mil habitantes, usado para medir a incidência da doença de acordo com a população, a taxa de Noronha é de 849,40. Atrás do arquipélago, está Recife, com uma taxa de 76,26 casos por 100 mil habitantes.
Moradora de Noronha há 25 anos, Ana Maria Miranda, sócia da Ecopousada Teju-Açu, não se opõe à quarentena, mas acha que a comunicação está sendo feita de forma errada. "Os números são altos desse jeito porque a testagem é feita muito massivamente", disse.
Como profissional que trabalha com turismo, ela se preocupa com a imagem do destino. "Se diz que Noronha é o lugar que tem mais casos percentuais no Brasil, mas não foi explicado que esse número é tão grande por causa da testagem mais ampla. Isso acaba com o turismo do lugar. Aí, junto com isso, vem a notícia de que, além de ter o maior número de casos, amanhã vai explodir o lockdown. Vai parecer que todo mundo está infectado em Noronha", avalia.
Curados
De acordo com a Secretaria de Saúde de Pernambuco, dos 26 casos confirmados, 12 pessoas já estão recuperadas da doença na ilha. As outras 14 pessoas infectadas estão em isolamento domiciliar e sendo monitoradas pela Vigilância Epidemiológica.
Apenas um dos pacientes teve que ser transferido para o continente. Ele foi atendido no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), mas já recebeu alta.
"Graças a Deus, Noronha não está tendo nenhum caso que precisa ir para oxigênio não, estão bem. Um ou outro teve uma febre", diz o presidente do Conselho Distrital, Milton Luna.
A entrada de pessoas - tanto turistas como moradores - está suspensa desde o último dia 5 de abril. Têm acesso à ilha apenas servidores públicos e profissionais de áreas essenciais (a exemplo de policiais, bombeiros e funcionários de vigilância em saúde), todos com autorização prévia.
As praias e estabelecimentos comerciais estão fechados, e atividades turísticas suspensas. Só permanecem funcionando mercados, mercadinhos, farmácias e lojas de materiais de construção.
Milton Luna lembra que a quarentena é uma situação nova para a população. "Mas a comunidade tem a consciência de que precisa se cuidar. Precisamos fazer um pouco de sacrifício para poder ter um amanhã bem melhor e liberar a ilha", afirmou.
Ele espera que, após os 10 dias de isolamento compulsório, as pessoas possam voltar a circular normalmente pela ilha. "Mas isso tudo só vai acontecer mediante a avaliação da questão da saúde", disse Milton. "Há um pedido muito grande nosso que se faça uma testagem em massa para testar todo mundo. Para que a ilha realmente seja um dos primeiros lugares a ficar livre de vez dessa doença no Brasil", completou.
Durante o período da quarentena, integrantes do Ministério da Saúde (MS) e da Secretaria Estadual de Saúde (SES) deverão fazer um estudo epidemiológico dos infectados. "Serão quatro pessoas, duas delas técnicas da Secretaria Nacional de Vigilância e dois técnicas sanitaristas da SES, para realizar uma análise mais rigorosa da propagação do vírus. Isso não é feito em lugar nenhum do Brasil", explicou Guilherme Rocha, na última quinta-feira (16).
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