POR MONA LISA DOURADO, DA COLUNA TURISMO DE VALOR
Com o aeroporto fechado desde o dia 21 de março, quase sem dinheiro circulando e longe do glamour estampado em redes sociais de gente famosa, Fernando de Noronha expõe neste período de pandemia as dificuldades do distanciamento social para quem já vive isolado pela geografia. No arquipélago, que já contabiliza 24 casos de covid-19 confirmados, as praias estão interditadas, quem tem parentes em outros lugares foi embora e os 3.500 moradores que ficaram se recolheram às suas residências. Na quinta-feira (16), o governo de Pernambuco endureceu as medidas, decretando quarentena entre 20 e 30 de abril, quando só será possível sair de casa para aquisição de itens essenciais e atendimento médico.
A 545 km do Recife e protegida por uma rigorosa legislação ambiental, a ilha tem no turismo a única atividade econômica viável, da qual dependem 95% da população.
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Em tempos "normais", a receita gira em torno de R$ 42 milhões - sendo R$ 36 milhões vindos da Taxa de Preservação Ambiental e R$ 6 milhões, do Imposto sobre Serviços (ISS). Agora, à parte o comércio essencial de mercadinhos, quitandas e farmácias, resta quase nada.
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É quando vem à tona a falta de quase tudo: faltam abastecimento de água e saneamento apropriados, falta segurança alimentar independente do que chega do continente, faltam moradias com condições dignas para boa parte dos ilhéus. Falta o turismo de um dos destinos mais famosos do Estado proporcionar mais qualidade de vida e desenvolvimento socioeconômico para quem faz com que ele aconteça desde a base da cadeia produtiva.
Que o diga a recepcionista Benilza do Nascimento, 40 anos. Ela está na ilha desde 1996, quando chegou para trabalhar como camareira. Em 2012, casou-se com um nativo, o motorista José João do Nascimento, que dirige um táxi arrendado. Até hoje, ambos ainda não conseguiram casa própria. Vivem em um quarto alugado no bairro de Floresta Velha, cujo aluguel custa R$ 1.700 por mês. "Essa é minha maior preocupação no momento. Como vou conseguir pagar, porque antes a gente fazia outras atividades para conseguir dinheiro extra", angustia-se Benilza, que teve o contrato de trabalho suspenso. "Meu salário será o que o governo vai pagar, o valor do seguro-desemprego, muito pouco", ressalta, dizendo-se ainda privilegiada por ter renda fixa. "Muita gente está mesmo sem nada, porque é difícil ter reserva financeira quando você trabalha para sobreviver", vaticina.
Uma das infectadas pelo novo coronavírus na ilha, a vendedora Jandcleia Silva, 25, também revela insegurança quanto ao futuro. "Preocupa, porque não sabemos o que vai acontecer. É viver um dia atrás do outro", diz Jandcleia, que divide a casa onde mora, na Vila do Trinta, com o marido, o condutor de turismo Kelves Silva, 28, além de outros sete adultos e duas crianças da família, todos postos em quarentena. Ela acredita que pegou o novo coronavírus através do contato com turistas na loja onde trabalha, no aeroporto. Os primeiros sintomas - "como uma gripe muito forte, com enxaqueca e vômito" - começaram no dia 24 de março e agora Jandcleia espera o resultado do exame para saber se está curada. "Não me desesperei, porque tínhamos alguma provisão de comida e recebemos apoio, mas o problema é daqui pra frente. A loja colocou os empregados de férias, mas meu marido e os outros parentes estão sem renda", conta.
SOLIDARIEDADE REACENDE ESPERANÇA EM NORONHA
Tanto Benilza quanto Jandcleia destacam que a corrente de solidariedade formada em Fernando de Noronha são o principal alento nestes tempos difíceis.
Em cerca de 10 mercados da ilha, montaram-se mesas solidárias, nas quais as pessoas depositam o que têm em excesso e retiram o que precisam. "Quem pesca está compartilhando os peixes, quem planta divide as hortaliças, o Núcleo de empresários do trade doou alimentos e materiais de limpeza, fazemos 'vaquinha' para remédios e a Casa Neuronha comprou dois mil garrafões de água", resume Pedrinho Noronha, como é conhecido o concierge autônomo nativo da ilha e um dos responsáveis por mapear quem necessita de ajuda. Estima-se que haja 900 famílias na ilha nessa condição.
Na terça-feira (14), a Administração de Fernando de Noronha também iniciou a distribuição de 525 das duas mil cestas básicas adquiridas pelo Estado. "Cada cesta tem 30 quilos, com 46 itens, que servem a uma família de cinco pessoas por 40 dias", diz o administrador, Guilherme Rocha. Entre os produtos, estão macarrão, arroz, feijão, bolachas, mortadelas, água mineral, carne, leite e café. Na próxima semana, será fornecido, ainda, um vale-gás e água mineral no valor de R$ 200.
SEGURANÇA ALIMENTAR
A pandemia e a consequente falta de renda acabaram por acelerar outro projeto que prevê a segurança alimentar dos ilhéus de forma sustentável. Trata-se de uma parceria com o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) para estimular a agricultura familiar. Três técnicos desembarcaram no arquipélago no último sábado (11) para iniciar os trabalhos da cooperação técnica firmada em dezembro. O objetivo é que os moradores produzam os próprios alimentos com um custo mais baixo, reduzindo o risco de desabastecimento.
Inicialmente, os profissionais do IPA vão analisar as possibilidades de cultivo para elaborar um plano de ação. Na fase seguinte, será feita a distribuição de sementes e mudas. Guilherme Rocha conta que a administração vai investir R$ 15 mil para comprar uma parte dos insumos "com mais celeridade nessa primeira etapa". Em paralelo, está previsto o cadastro dos interessados através da Assistência Social do arquipélago. "Lançamos na segunda (13) e pretendemos dar uma publicidade maior nisso. Vamos disparar por SMS para todos os moradores da ilha", revela. Segundo o administrador, mesmo quem não tiver espaço para plantio, poderá usar áreas públicas, como a da Associação Noronha Terra.
E OS NEGÓCIOS?
Para a presidente do Conselho de Turismo (Contur) de Noronha e proprietária de uma pousada na ilha, Dora Martins, todas as medidas são relevantes, mas ainda insuficientes para atenuar os prejuízos trazidos pela pandemia. Segundo Dora, a maioria dos trabalhadores da ilha é autônoma ou informal. A administração não soube informar quantos profissionais têm carteira assinada em Noronha. Já as pousadas e hotéis tiveram que arcar com perdas decorrentes de cancelamentos e da paralisação da atividade.
Para quem trabalha, o auxílio de R$ 600 minimiza, mas é pouco. Os pequenos empresários também precisam de linhas de crédito com juros baixos, que não está fácil de conseguir, e da liberação do ISSDora Martins
Ela lembra que os pleitos já foram levados ao governo de Pernambuco, mas permanecem sem resposta.
Via nota encaminhada pela assessoria de Imprensa, o secretário estadual de Turismo, Rodrigo Novaes, afirma à Coluna que a solicitação foi encaminhada ao secretário da Fazenda. "Aguardamos as medidas que podem ser tomadas, dentro da realidade atual do Estado."
Presidente da Associação de Condutores de Visitantes em Noronha e dono de uma pousada que costumava contar com 85% de ocupação, Ailton Flor acredita que o cenário de agora demonstra a necessidade de maior planejamento na ilha. "Precisamos seguir um plano diretor que nos respalde em situações de crise", sugere.
OPORTUNIDADE DE MUDAR
Há quem defenda que o momento será propício a mudanças ainda mais profundas em Fernando de Noronha.
Vivemos em um pedaço de terra no meio do mar em que infelizmente não há serviços básicos adequados para quantidade de pessoas, muitas irregulares, que não trabalham nem são ilhéus. O abastecimento e o sistema sanitário não comportamFabiana Falcão de Sanctis, diretora comercial do Dolphin Hotel Noronha
Com a necessidade de evacuar a ilha, Fabiana destaca que a pandemia fez o controle migratório funcionar como há muito tempo não se via. "Esperamos que continue depois também. Se não controlarmos a quantidade de pessoas ao mesmo tempo na ilha, corremos o risco de nos tornar qualquer outro destino, com capacidade maior do que comporta e danos à natureza, que é o nosso maior bem", sentencia.
Independentemente do modelo adotado na ilha, na conjuntura atual, o turismo não poderá dar resposta para as demandas que se apresentam. É o que pondera o professor do Departamento de Hotelaria e Turismo e do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da UFPE, Itamar Cordeiro. "O covid-19 afetou a atividade em todo o mundo. Destinos de turismo de base comunitária estão sofrendo tanto quanto destinos de massa. Só resta ao governo estadual e federal viabilizarem os meios para apoiar economicamente os pequenos empreendedores (como guias, bugueiros, pousadeiros, pequenos negócios de alimentação, barqueiros, empresas de mergulho, etc.) para que eles possam atravessar esse momento delicado", analisa.
O administrador da ilha, Guilherme Rocha, admite que é imperativa "uma infraestrutura adequada à disposição dos moradores". "Não podemos ter um modelo onde reina a informalidade e que afeta a oferta de água, energia e esgotamento sanitário. Esse turismo assoberbado que vinha sendo praticado termina prejudicando os próprios ilhéus. Está na hora de refletir e de corrigir isso, com uma fiscalização maior da informalidade, de irregularidades e um controle migratório mais rigoroso", diz, sem detalhar como as melhorias serão implementadas.
Em 2019, o número total de visitantes em Fernando de Noronha foi de 106.130, dos quais 9.162 foram estrangeiros (9,06%), em sua maioria (47%) vindos da Europa e América do Sul (32%). Entre os 95.918 (90,38%) de turistas nacionais, 45% vêm do Sudeste e 34% do Nordeste. Já o tempo de permanência média costuma ser de cinco dias. Os dados são do governo do Estado, contabilizados a partir do Controle Migratório do Aeroporto Governador Carlos Wilson Campos.
COVID-19 EM NORONHA
De acordo com boletim do governo do Estado, Fernando de Noronha tem 24 casos confirmados de coronavírus, com um paciente recuperado e nenhum em estado grave. Os outros 23 ainda infectados são 15 homens e 8 mulheres, com idades entre 25 e 59 anos. Todos permanecem em isolamento domiciliar.
Por causa da dificuldade de acesso e da limitação de recursos de saúde existentes no arquipélago, o governo do Estado decidiu decretar quarentena em Noronha e enviará uma equipe com seis sanitaristas, com o apoio do Ministério da Saúde, para um estudo epidemiológico completo na ilha.
Moradora de Noronha há dois anos e meio, a jornalista Karla Oliveira, que trabalha como atendente no aeroporto, acredita que a população de Noronha já vinha cumprindo o distanciamento social de maneira exemplar. "Nunca vi a ilha tão vazia. A maioria só sai para supermercado e farmácia", atesta Karla, que passou a trabalhar apenas uma vez por semana, quando chega o único voo da Azul ainda em operação na ilha para atividades essenciais.
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Como medida preventiva, também esta sendo montado um hospital de campanha na Escola Arquipélago, com seis leitos para atender possíveis casos de covid-19 que necessitem de isolamento. Atualmente, são 12 leitos no hospital local, com duas salas vermelhas (semi-intensivas). Conforme o protocolo, em casos graves é acionada a transferência por UTI aérea para o continente. "Um avião fica de prontidão para Noronha", informa Guilherme Rocha. Na última remoção, de uma paciente com princípio de infarto na terça-feira (14), diz ele, a solicitação foi feita às 10h e o avião chegou às 15h.
Segundo Dora Martins, desde a semana passada, o Contur promove uma campanha para que o Estado teste a população inteira da ilha para identificar e controlar os casos de contaminação pelo novo coronavírus.
A proibição do acesso às praias continua, mas as atividades de pesca artesanal e profissional estão liberadas.
Desde o domingo (5/4), está proibido também o desembarque de moradores no aeroporto por um período de 15 dias.
Continuam suspensas, ainda, as atividades turísticas e passeios de barco no Porto de Santo Antônio, que segue um rigoroso protocolo de vigilância de saúde na chegada dos barcos de cabotagem, para a investigação epidemiológica dos tripulantes.
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Para quem trabalha, o auxílio de R$ 600 minimiza, mas é pouco. Os pequenos empresários também precisam de linhas de crédito com juros baixos, que não está fácil de conseguir, e da liberaç&atil
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Vivemos em um pedaço de terra no meio do mar em que infelizmente não há serviços básicos adequados para quantidade de pessoas, muitas irregulares, que não trabalham nem são ilhéus. O abastecimento e
Fabiana Falcão de Sanctis, diretora comercial do Dolphin Hotel Noronha
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