Apesar da diminuição no número de pessoas nas ruas em função da pandemia de Covid-19, o número de tiroteios na Região Metropolitana do Recife cresceu. É o que aponta o mais recente balanço da plataforma Fogo Cruzado ao qual a reportagem teve acesso com exclusividade. Segundo o levantamento, pelo menos 75 pessoas ficaram feridas, após serem atingidas por tiros de armas de fogo ao longo dos 30 dias de abril, na capital e cidades vizinhas. Este número representa mais que o dobro do que foi contabilizado no mesmo período do ano passado, quando 36 pessoas foram atingidas - um aumento de 108%. Além dos feridos, o levantamento aponta que 103 morreram vítimas de disparos de arma de fogo no Grande Recife no último mês. Entre mortos e feridos, o saldo é de 178 baleados.
No total, foram registrados 157 tiroteios ou disparos nas áreas e no período analisados - um aumento de 20,76% em relação a abril de 2019. Os dados apontam que, em média, a cada dia, 2,5 pessoas sobreviveram aos disparos, mas com ferimentos. Dos 75 casos registrados de sobreviventes, 69 eram homens, e as cidades que lideram o ranking de ocorrências são Recife, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes e Olinda.
Mas o que explica o aumento de tiroteios e baleados, uma vez que há menos pessoas nas ruas?
Para a porta-voz do Fogo Cruzado no Recife, Edna Jatobá, a resposta é: “um conjunto de fatores”. “De fato, para crimes como latrocínio (que é o roubo seguido de morte) ou alguns tipos de crimes de proximidade, quando, por exemplo, há desentendimentos em festas e alguém é baleado, o fluxo de pessoas interfere. No entanto, há de se observar que, em alguns casos, quando o crime é de vingança e/ou premeditado, quanto menos pessoas nas ruas, maiores as chances do crime ser consumado, sem que ninguém veja”, analisou Edna, que também é coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).
De acordo com a especialista, a violência nas periferias - muitas vezes, motivada pelo tráfico de drogas - é outra hipótese a ser analisada para explicar a manutenção do avanço de tiroteios na RMR. “A violência nas periferias é algo que já vem de antes da pandemia. É uma violência que atinge, principalmente, homens, jovens e negros. Sem falar que a criminalidade tem relação direta com a desigualdade e, neste período, observamos que as desigualdades ficam ainda mais evidenciadas”, observou.
Ainda conforme o balanço do Fogo Cruzado, houve aumento de quase 55% no número de adolescentes baleados em abril de 2020 (17, ante 11 em 2019). Um deles foi o ex-participante do programa The Voice Kids, Tuca Almeida, de 15 anos, que morreu após ser baleado em um tiroteio no bairro de Candeias no último dia 30.
No dia 09, um motorista de aplicativo foi baleado durante uma tentativa de assalto e, mesmo ferido, dirigiu até o hospital. O Fogo Cruzado também registrou quatro pessoas que foram atingidas por balas perdidas; 16 foram feridas dentro de residências; sete baleados dentro de presídios e dois agentes de segurança mortos.
Outro ponto preocupante que o balanço pode indicar é com relação ao tratamento dos feridos, em meio às estruturas hospitalares já praticamente sufocadas pelos pacientes com o novo Coronavírus. “Em geral, feridos por bala são levados para hospitais públicos, no entanto a saúde pública já está sobrecarregada pela pandemia. Isso pressiona ainda mais o sistema, especialmente porque, em casos mais graves, os baleados precisam do suporte de respiradores que também são disputados por pacientes com a Covid-19”, diz.
No último dia do mês de abril, o Estado de Pernambuco tinha 98% dos leitos de UTI reservados para pacientes com a Covid-19 ocupados, de acordo com o governo estadual. O percentual se manteve no balanço divulgado pela Secretaria de Saúde de Pernambuco nesta segunda-feira (4).
Como melhorar a situação?
“Nós precisamos de mais empenho do poder público. Veja como está sendo feito o acompanhamento da pandemia: são divulgados relatórios diários que observam o avanço da doença por regiões, faixas etárias e gênero. Desta forma, é possível saber onde agir. Na segurança pública, este tipo de trabalho focado e intensivo também é necessário”, sugeriu Edna, acrescentando que a estrutura das policiais também precisa ser reforçada. “É preciso melhorar as estruturas da Polícia Militar e da Polícia Civil. Os policiais precisam ter apoio para combater a violência. Uma boa opção seria reestruturar o sistema de metas e de bonificações que existia no Pacto pela Vida, por exemplo. Além disso, é necessário um trabalho integrado entre várias áreas, entre políticas de saúde, educação, lazer, assim como a parceria entre os governos e a sociedade civil”, finaliza.
Resposta
A reportagem do JC procurou a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco que respondeu que “desconhece esses dados, sua metodologia de coleta e, portanto, não comenta essas estatísticas” e prosseguiu dizendo que as forças de segurança “estão atuando para reduzir a criminalidade em todo o Estado” e que já identificou e prendeu “quase 500 homicidas somente este ano”. Ainda não se sabe quais os dados registrados oficialmente pelo governo estadual no mês de abril. Normalmente, a SDS divulga os números no 15º dia de cada mês.
Fogo Cruzado
Em abril, a plataforma Fogo Cruzado completou dois anos de atuação em Pernambuco. Segundo os responsáveis, o projeto contabiliza o número de ocorrências a partir de notificações enviadas pela população por meio do aplicativo Fogo Cruzado, disponível para aparelhos Android e iOS. O Fogo Cruzado afirma ainda que todas os registros são averiguados com base em informações checadas pela imprensa. A porta-voz no Recife, Edna Jatobá, também disse que a equipe está à disposição da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco para apresentar a metodologia usada pelo Fogo Cruzado.
Comentários