deslizamento de terra

Pandemia atrasa investigações e deixa incertezas para sobreviventes de tragédia que matou sete em Dois Unidos, no Recife

Foram feitas duas reuniões entre as vítimas e o secretário Sileno Guedes, até que a crise da covid-19 interrompeu as negociações

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 05/06/2020 às 12:06 | Atualizado em 05/06/2020 às 12:10
Foto: JC Imagem/ Alexandre Gondim
FOTO: Foto: JC Imagem/ Alexandre Gondim

Os sobreviventes do deslizamento de terra que matou sete pessoas na véspera do Natal, no bairro de Dois Unidos, Zona Norte do Recife, precisam enfrentar ao mesmo tempo o trauma, a luta por justiça e o luto pelos familiares.

Como agravante, a chegada da pandemia do coronavírus à Pernambuco trouxe mais obstáculos à equação. A crise suspendeu as negociações do Governo do Estado com as famílias e atrasou as investigações do caso, alongando a espera e a insegurança financeira das vítimas.

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As onze pessoas atingidas pela tragédia vinham em tratativa com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) para discutir possíveis reparações. À época, em fevereiro, já se falava na viabilização de nova moradia, pelos imóveis que foram destruídos e desalojaram parte das vítimas.

Foram feitas duas reuniões entre as vítimas e o secretário Sileno Guedes, até que a crise da covid-19 interrompeu os acordos. O Governo chegou a liberar uma ajuda de custo de dois salários mínimos por três meses - valor e duração limites para o ‘benefício’ -, mas a última parcela foi paga em maio. 

CORTESIA
Sobreviventes em reunião com o secretário Sileno Guedes - CORTESIA

Esse auxílio, frisou a pasta, também não é um recurso de reparação, "mas um benefício da política de assistência social que foi concedido em virtude da situação de vulnerabilidade em que os sobreviventes se encontravam no momento do ocorrido."

O motorista de aplicativo Erivaldo Barbosa, 41, um dos sobreviventes, contou que haveria uma terceira reunião, mas, desde então, não conseguiram marcá-la. “Antes da pandemia enquanto a gente estava recebendo a ajuda de custo, o secretário havia mandado a gente aguardar sobre as casas. Até hoje a gente fica aguardando”, relatou.

Tio de Emanuel Henrique de França, morto aos 25 anos, Erivaldo é um dos que moram em frente aos escombros das duas casas que foram destruídas. O deslizamento também atingiu o imóvel da sogra, que, agora, está morando em um quarto na residência de Alexsandra, mãe de Emanuel. Com o auxílio do Governo, a família espera erguer um novo piso sobre a casa de Erivaldo para que todos morem juntos confortavelmente.

O líder comunitário Antônio Filho, que participou dos encontros junto com os moradores, disse que não conseguiram nenhum contato desde que teve início a pandemia no Estado.
“A gente está esperando normalizar para ter alguma audiência com o secretário. Vamos esperar até dia 1º de julho, para levar todo esse pessoal para ele dizer o que vai acontecer, o que vai ser feito. Eles têm que tomar uma decisão”, cobrou.

E como conciliar a instabilidade da crise com as perdas que sofreram no incidente? Cristina Gomes da Silva, de 43 anos, era cabeleireira, mas não consegue mais exercer a profissão porque perdeu o movimento do braço esquerdo no impacto. A pandemia implicou também no rendimento dos filhos, que tiveram a jornada reduzida e não podem mais ajudar a mãe financeiramente. “Para mim está sendo muito difícil, não vou negar, já que agora não vou ter a quem recorrer. Não sei como vai ser daqui para a frente, agora que acabou a ajuda de custo”, lamentou.

Mais do que isso, a tragédia lhe tirou a irmã, a sobrinha e duas amigas. Cristina mudou-se para a casa da irmã, Lucimar Alves da Silva, 50, nove meses antes. “a gente fazia tudo junto, era como se fosse carne e unha. É muito difícil tudo isso pra mim lembrar de tudo isso, apesar de que é uma lembrança constante. Tem dias que não consigo dormir, ou que acordo assustada pensando que estou debaixo da terra. Ou acordo chamando o nome dela”, relatou. Ela está morando no bairro do Janga, em Paulista, com o esposo Luiz Tadeu Costa, 56, desde então.

A SDSCJ informou que a secretaria executiva de Assistência Social irá encaminhar uma solicitação de análise técnica às equipes municipais de Assistência Social para averiguar a possibilidade de conceder outro benefício socioassistencial e outras formas de garantia de proteção social.

Mais de 5 meses depois, investigações não foram concluídas

A demora pela conclusão do laudo da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e do inquérito policial também é grande.

A Compesa apura o vazamento do cano-mestre que os moradores apontam como causa do deslizamento da barreira. Eles destacam que não chovia no dia da tragédia, e que é possível ver a tubulação rompida na encosta da barreira.

Um laudo preliminar da Compesa, divulgado no início de fevereiro, diz que a causa da tragédia foram “ligações clandestinas ao longo da tubulação rompida e a presença significativa de água no solo”. A versão é contestada pelos sobreviventes.

“A barreira está aberta lá, se estivesse alguma infiltração anormal, estaria aparecendo. Desde que eles desligaram o cano deles, no dia da tragédia, não circula nenhuma agua dentro da barreira”, afirmou Erivaldo. “A gente conversou com muitos profissionais da área, que confirmaram que aquele tipo de tubulação, de 100 mm, não é para passar na barreira, apenas mangueiras. O cano mestre é para passar na rua principal”, defendeu.

Ainda assim, eles precisam do laudo concluído para poder entrar na Justiça. Procurada, a Companhia disse que a covid-19 atrasou as diligências, e que “os trabalhos não puderam ser concluídos no prazo estipulado inicialmente, mas (o processo) segue em andamento”. “A etapa de ensaios de campo e o recolhimento das amostras do terreno foi concluída. Estão em andamento os ensaios em laboratório e a análise dos resultados das sondagens”, falou em nota.

No início dessa semana, uma comitiva da Compesa foi até o local. A empresa explicou que tem sistematicamente realizado “visitas às áreas de morros da Região Metropolitana do Recife para realização de vistorias e análises técnicas”. “Os estudos estão subsidiando o Grupo de Trabalho dos Morros, instituído na Companhia com o objetivo de estudar o abastecimento nestas localidades. O Grupo é formado por profissionais de diversas áreas da Compesa e atua em paralelo às empresas contratadas para apurarem as causas do acidente em Dois Unidos.”

A Delegacia do Vasco da Gama também conduz uma investigação própria. O laudo pericial do Instituto de Criminalística foi entregue desde março à Polícia Civil de Pernambuco (PCPE). Em nota, a corporação disse que só se pronunciará quando o inquérito for concluído.

Leia, na íntegra, a nota da SDSCJ

"A Secretaria estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude informa que na época do deslizamento foi feita a concessão de um benefício eventual, previsto em lei, no valor de dois salários mínimos. A quantia foi paga durante três meses. O órgão ressalta que o auxílio não é caracterizado como um recurso de reparação, mas um benefício da política de assistência social que foi concedido em virtude da situação de vulnerabilidade em que os sobreviventes se encontravam no momento do ocorrido.

Para observar a situação atual dessas pessoas, a Secretaria Executiva de Assistência Social vai encaminhar uma solicitação de análise técnica no âmbito desta política às equipes municipais de Assistência Social, de onde residem as vítimas e/ou seus familiares, para averiguação da possibilidade de conceder outro benefício socioassistencial, uma vez que já foi encaminhado o valor máximo definido por lei a nível estadual, bem como outras formas de garantia de proteção social."

Leia, na íntegra, a nota da Compesa

"A Compesa esclarece que, sistematicamente, suas equipes têm realizado visitas às áreas de morros da Região Metropolitana do Recife para realização de vistorias e análises técnicas. Os estudos estão subsidiando o Grupo de Trabalho dos Morros, instituído na Companhia com o objetivo de estudar o abastecimento nestas localidades. O Grupo é formado por profissionais de diversas áreas da Compesa e atua em paralelo às empresas contratadas para apurarem as causas do acidente em Dois Unidos.

Reforçando o que já foi divulgado, o relatório preliminar indicou ligações clandestinas ao longo da tubulação rompida e a presença significativa de água no solo. A etapa de ensaios de campo e o recolhimento das amostras do terreno foi concluída. Estão em andamento os ensaios em laboratório e a análise dos resultados das sondagens. Devido à pandemia da COVID 19, houve atraso no processo e os trabalhos não puderam ser concluídos no prazo estipulado inicialmente, mas segue em andamento."

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