“Aqui, quem decide como a gente vive é a chuva.” O desabafo é da professora Damiana Cabral, de 51 anos. Há 13, ela vive no bairro do Fragoso, em Olinda, Região Metropolitana do Recife (RMR) e conhece de perto o drama de ficar ilhada e perder tudo ou quase tudo a cada inverno. Os alagamentos na região são frequentes sempre que o Canal do Fragoso, que corta diferentes bairros do município, enche e transborda. A esperança de moradores do entorno, como Damiana, está nas obras de requalificação do canal, que se estendem há mais de sete anos e ainda estão longe de acabar.
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As intervenções iniciaram em 2013 e tinham previsão inicial de conclusão para 2016. Quatro anos depois, o local ainda é um canteiro de obras. O Canal do Fragoso faz parte de um projeto maior, a Via Metropolitana Norte, que tem quatro etapas de serviço e custo de R$ 451,8 milhões, entre verbas federais e estaduais. A primeira fase, que compreende o revestimento de 2,3 quilômetros de canal e a construção de oito pontes, foi entregue pela Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab) em março e atende o trecho das proximidades da PE-15 até o Maxxi Atacado. A expectativa da pasta é de que o trabalho seja concluído até 2022, quase dez anos depois do início da intervenção.
A lista de pendências ainda é longa. De acordo com a Cehab, a pasta está trabalhando na segunda fase da Via Metropolitana Norte, que consiste na pavimentação de duas faixas de rolamento na lateral do Canal do Fragoso, da altura da Avenida Coronel João de Melo Morais até a Rua Bom Jardim, em Jardim Fragoso. Também está em andamento a terceira etapa do projeto, que consiste na construção de duas alças de acesso, da PE-15 até as vias laterais do canal do Fragoso. Técnicos da Cehab estão realizando o levantamento dos imóveis a serem desapropriados para que essa parte das obras possa ser executada. A previsão é que em setembro, após o período de chuvas, seja iniciada a construção das alças de acesso na rodovia da PE-15.
A Cehab informou ainda que no último dia 15 foi lançado o edital para licitação da quarta e última fase da Via Metropolitana Norte. Esse trecho prevê o revestimento dos 2,1 quilômetros restantes do canal do Fragoso, que vão do Maxxi Atacado até a ponte do Janga, no município vizinho de Paulista. Também integra essa fase a pavimentação do trecho ao lado do canal, que vai da rua Bom Jardim até a ponte do Janga. A previsão da companhia é de as intervenções iniciem em setembro.
O projeto completo tem trechos de responsabilidade do Estado e do município. À Cehab cabe o revestimento de 4,6 quilômetros de canal, aumentando a estrutura para 45 metros de largura e 4,5 metros de profundidade, além da construção de oito pontes e 5,3 quilômetros de vias de rolamento, com 10 metros de largura, da PE-15 à Ponte do Janga. Na parte do Estado ainda está a construção das alças de acesso à PE-15 e a desapropriação de 1,8 mil imóveis.
Já a Prefeitura de Olinda é responsável pela construção de um quilômetro de canal e uma lagoa de contenção. De acordo com a Cehab, a lagoa deveria ter sido entregue em março, junto com a primeira fase do Canal do Fragoso, o que não aconteceu. Secretário-executivo de Obras de Olinda, Roberto Rocha informou que a construção da lagoa, que ficará próxima ao Terminal Integrado da PE-15, deverá estar licitada e com empresa contratada para execução das obras até o final de agosto. O secretário explicou que o trecho do canal que é de responsabilidade da prefeitura vai da Avenida Chico Science, nos Bultrins, até a Rua Professor Marcolino Botelho, em Casa Caiada. “Desses 1000 metros, 200 foram feitos na gestão anterior e do início do ano para cá, mais 200 metros foram terminados. Faltam 600 metros, que passam pelos bairros do Bultrins, Fragoso, Bairro Novo e Casa Caiada.”
Para essa nova etapa, que a secretaria espera estar pronta até dezembro, houve um aporte de R$ 5 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) no último dia 9 de julho. A verba financiará o projeto de aumento de até 12 metros de largura e três metros de profundidade do canal, além da construção de uma nova pista para os veículos e de uma ciclovia às margens do Bultrins-Fragoso. “Essa obra resolverá de uma vez por todas os alagamentos nesses quatro bairros”, garante o secretário.
Gerente de Estudos e Auditorias Temáticas do Núcleo de Engenharia do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Alfredo Montezuma não é tão confiante nesse resultado. “É uma ilusão pensar que não haverá mais alagamentos. As obras, quando estiverem completas, irão melhorar muito a situação, mas quando houver chuva e maré alta combinadas, vai alagar.” Segundo ele, isso acontece porque foram aterradas alagadas ou alagadiças (que enchem de acordo com o regime de marés) para a construção de moradias. “Isso vai impermeabilizando os trechos e dificulta o escoamento e absorção de água”, justifica.
Auditoria Especial
O TCE acompanha as obras desde 2016, através de uma Auditoria Especial. Segundo Montezuma, o acompanhamento iniciou após as fortes chuvas que caíram naquele ano e alagaram diversas localidades, principalmente Jardim Fragoso. Para ele, a obra é complexa e tem grandes desafios a serem enfrentados, como o envolvimento de diversos órgãos estaduais e municipais, além das desapropriações, apontadas como a causa do atraso das intervenções. “É uma obra grande, que termina cortando um tecido urbano bastante adensado. No primeiro trecho, que foi entregue agora, quatro imóveis travaram a obra. Foram casos que acabaram parando no Judiciário. Isso atrapalha bastante”, pontua.
Além disso, o tribunal encontrou deficiências no projeto, que estava desatualizado devido ao tempo transcorrido entre os primeiros levantamentos, em 2010, e a entrega da obra, em 2020. Outra questão é que a obra deveria ter iniciado pelo final, ou seja, o trecho que termina no Janga. Além disso, o Estado também teria enfrentado problemas orçamentários para tocar as obras. “O TCE tem emitido vários alertas, cobrado bastante da Cehab, mas é uma questão complexa”, afirma Alfredo Montezuma. Para ele, é possível que as intervenções ainda não sejam concluídas em 2022. “O governo contingenciou quase todos os recursos para o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus e isso também afeta a obra. Mas meu receio maior é em relação às desapropriações, já que o processo não está totalmente sob o controle dos órgãos”, aponta.
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