Após meses de espera, os 60 quiosques da Orla de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, estão mais perto de ver cumprida a requalificação dos estabelecimentos. Isso porque a Prefeitura do Recife firmou um termo de cooperação com a Associação dos Barraqueiros de Coco do Recife (ABCR), publicado no Diário Oficial do município no último dia 23. O anúncio foi feito nessa terça-feira (4).
O acordo estabelece que a ACBR está encarregada de submeter o projeto e de captar investimentos por meio de parcerias privadas. Com isso, a reforma não terá custo para o município; será financiada por meio de patrocínio. À prefeitura, caberá aprovar a proposta enviada pelos quiosqueiros.
De acordo com Sérgio de Pinho, engenheiro da associação nomeado como coordenador técnico do projeto, o modelo de Parceria Público-Privada (PPP) foi pensado após sucessivas negativas da prefeitura dos projetos de revitalização enviados pelo grupo. “Todos foram rejeitados, porque não atendiam os requisitos da prefeitura”, contou. “A prefeitura não tinha recurso, e as próprios quiosqueiros e a associação foram buscar juntos de parceiras privadas forma de viabilizar o investimento”, reiterou.
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Uma vez que o atual projeto ainda está sob análise da prefeitura, ainda não há orçamento fixado para a reforma. Pelo mesmo motivo, também ainda não há um parceiro definido para execução do projeto. “Existem diversos possíveis parceiros. Varejo, bancos, telecomunicações, cervejarias são alguns segmentos que têm potencial. Mas a associação só poderá buscá-los quando a prefeitura fizer aprovação final do projeto”, falou Pinho.
A empresa que fechar negócio ficará responsável pela reconstrução dos quiosques, assim como realizar manutenção corretiva e preventiva ao longo dos próximos 10 anos. Em troca, poderá fazer merchandising e outras parcerias privadas diretamente com os proprietários.
Até chegar à assinatura do termo, foram treze meses de debates e assembleias entre a associação e quiosqueiros para se ter aprovação unânime da proposta entre eles.
O secretário municipal de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga, elogiou a solução da categoria. “Tem que ser aplaudida uma associação que se reúne, faz uma assembleia e consegue puxar a responsabilidade para que possa conjuntamente apresentar um projeto para a prefeitura e traz parceiros”, afirmou.
A expectativa é ter a recuperação concluída até o fim do ano. “O que era mais difícil era o formal, que já foi feito. Desde o dia 23, a gente selou o termo de acordo, e recentemente saiu novo decreto dando as condições que permite maior segurança para os que queiram investir na praia. Os quiosques estão em uma situação muito ruim, por falta de manutenção”, declarou Braga. “Tem problemas sérios de segurança, com ventos de areia, quando chove molha tudo, tem pouco conforto para o usuário. Merece agora uma revisão.”
O secretário disse que a análise será feita “com as devidas prudência”. “É a única orla que temos, e qualquer intervenção tem que ser feita com muito cuidado, como a gente tem tido”, falou.
Setores comemoram avanço
Os últimos meses foram marcados de queixas por parte dos donos de barracas. Durante os 119 dias que passaram fechados, no período mais duro da pandemia do coronavírus, os estabelecimentos foram alvos de saques e depredações. Uma realidade que não é nova para os permissionários. Na verdade, a má infraestrutura e a falta de segurança foram os motivos que levaram os quiosqueiros a elaborarem um projeto de requalificação baseado em parcerias público-privadas em primeiro lugar.
“Estávamos numa situação que não aguentava mais”, falou o proprietário Tomé Ferreira de Lima, de 71 anos, que há 52 anos trabalha no calçadão - um dos mais antigos do local. Conhecido como Zezinho do Coco, ele é dono da barraca número 22, localizada em frente ao prédio Acaiaca. Desde 2017, ele participa ativamente da elaboração de projetos e de negociações. Agora, ele comemora o sinal verde do município.
"Para mim, a satisfação é enorme. É um projeto que veio da gente para a prefeitura. É o primeiro do qual todos permissionários de quiosques participaram, viram e acompanharam", comentou.
Aldo de Oliveira, 41, dono da barraca número 4, trabalha há 25 anos no local. Ele considerou que a reforma já estava em tempo. "Ficou muito frágil com o tempo, está todo deteriorado. A lona já rasgou, o lamê está caindo e estamos tentando recuperar de novo. Com a pandemia, ficou fechado e sem poder fazer manutenção. Aí fica assim, todo quebrado", mencionou.
O setor de hotelaria também comemorou o avanço. Presidente da seccional pernambucana da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-PE), Eduardo Cavalcanti espera que este seja o primeiro passo para a recuperação da orla.
“Acho importante a requalificação dos quiosques. Isso era para estar pronto há muito tempo. Na verdade, se (a prefeitura) tivesse feito manutenção, nunca teria chegado nesse estado”, pontuou.
"Nós reclamamos disso há anos. Tivemos uma reunião com o prefeito antes de ser eleito. a campanha e pleiteamos a requalificação da orla, que é o maior cartão postal do Recife. E não são só os quiosques - as calçadas, os bancos, que estão com o ferro para fora, com risco de machucar alguém está tudo acabado", falou.
Quem frequenta a avenida também gostou da novidade. O jornalista Rafael Coelho, 55, costuma caminhar na orla todos os dias há seis anos. “Você vê que os quiosques estão deteriorados, principalmente nas coberturas, têm muita oxidação na parte de metal, além da questão da segurança”, relatou. “Acho (a proposta) interessante, se conseguir dar maior segurança às pessoas e ser mais diversificado”, opinou.
O personal trainer Raony Moura, 29, trabalha na praia e aprovou a medida. “A gente vê constantemente relatos de assalto e furtos aos quiosques, então percebe-se que a estrutura física não é tão segura. É bem simplório e vulnerável. Vejo que o projeto tem grande possibilidade de (o projeto) dar certo, havendo reformulação dos quiosques, espero que se torne mais atrativo não só para nós que somos daqui, mas para os turistas.”
Visual repercute
Depois de ter divulgado imagens do projeto, a prefeitura emitiu nota informando que as projeções são “apenas ilustrativas”. “A única aprovação feita até agora foi da viabilidade econômica, em que a Prefeitura não terá custos”, completou. O município garantiu que exigirá o cumprimento das características arquitetônicas, históricas e culturais da orla de Boa Viagem.
Sérgio de Pinho revelou que o próprio projeto atual já passou por ajustes. “A prefeitura indicou que alguns materiais fossem substituídos por materiais de maior qualidade, com durabilidade maior à corrosão. A gente substituiu. A proposta de sombreamento e a cadeiras foi recusada pela prefeitura e foi retirada”
Agora, o desenho passa pelo escrutínio da opinião pública. O visual das novas estruturas tem repercutido entre a sociedade civil.
A arquiteta e urbanista Isabella Alves relatou que, em conversa com outros colegas da profissão, alguns elementos chamaram a atenção do grupo. “Esse projeto foge completamente da nossa realidade, culturalmente falando. Ele não está valorizando nenhum aspecto da nossa cidade, até a proporção dele vai viabilizar a permeabilidade visual em relação à praia”, levantou.
“Não é só de beleza, mas de funcionalidade, de ser algo que agregue a população. Você vê pelo projeto que tem bancada alta e não atende cadeirantes ou pessoas com nanismo, por exemplo.”
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE) se posicionou, propondo-se a colaborar com o projeto. A entidade começou as tratativas com Secretaria de Planejamento Urbano nessa terça (4).
“Mesmo, conforme nos assegurou a Prefeitura do Recife, se tratando um projeto ainda em formatação, (...) reafirmamos que é preciso ampliar o debate na busca de soluções para as questões da cidade com a maior legitimidade possível. E isso somente é possível com o amplo diálogo com a sociedade, em prol do espaço em que vivemos e desejamos, da melhoria das nossas cidades, sempre oportunizando respostas que valorizem a arquitetura e urbanismo”, declarou.
O secretário João Braga disse que a pasta está estudando as críticas e está aberta a o diálogo. “A proposta (da associação) existe, já colocaram pra nós, mas é uma possibilidade e a gente pode rever o desenho”, comentou. “Se há críticas fortes ao projeto, elas precisam ser consideradas. É o estilo democrático.”
Em reunião nesta quarta, ficou definido que as entidades e profissionais de Arquitetura serão convocadas a partir desta quinta-feira (6) para fazerem propostas de projetos. Será formada uma comissão técnica para avaliá-los.
Capacitação
O projeto também inclui a capacitação dos quiosqueiros. Em parceria, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) vão capacitar os empreendedores com aulas de gestão, cozinha do mar, cozinha regional, boas práticas de manipulação de alimentos, preparo de doces e salgados e culinária japonesa.
A iniciativa é parte de um novo programa, chamado “Orla Massa”, que já conta com 2,5 mil inscritos. Os cursos são gratuitos, e financiados também por parcerias privadas.
De acordo com Sérgio de Pinho, a capacitação só terá início quando as obras começarem.
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