Resíduos sólidos

Último do Grande Recife, lixão de Camaragibe é fechado após quase 30 anos de funcionamento

Com o fim do despejo irregular, as cerca de 190 toneladas de resíduos produzidas pelo município diariamente agora seguem para a Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Igarassu

Mayra Cavalcanti
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Mayra Cavalcanti
Publicado em 30/09/2020 às 6:05 | Atualizado em 01/10/2020 às 12:25
FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Antigo lixão de Camaragibe, o último da Região Metropolitana, fechado em setembro de 2020 - FOTO: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Foram quase 30 anos de uma história que deveria ter sido encerrada em 2014, marcada por agressões ao meio ambiente e descumprimento das leis. Com 12,4 hectares, o terreno localizado no bairro de Céu Azul, em Camaragibe, encerra nesta quinta-feira (1º) sua atuação como o último lixão da Região Metropolitana do Recife (RMR). Com o fim do despejo irregular, as cerca de 190 toneladas de resíduos produzidas pelo município diariamente agora seguem para a Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Igarassu, também na RMR. Se a notícia há muito era aguardada por moradores da localidade e pelos órgãos de fiscalização e de proteção ao meio ambiente, é temida na mesma proporção pelos cerca de 90 catadores que do espaço tiram seu sustento.

O Lixão Céu Azul recebe todos os resíduos sólidos produzido em Camaragibe desde 1991. Em 2006, chegou a ser transformado em aterro controlado, que é um espaço intermediário entre um lixão e um aterro sanitário, sem a presença dos catadores. No ano seguinte, o local voltou a ser considerado um lixão, contando com o retorno dos catadores em 2013. Por causa do funcionamento irregular, o município chegou a acumular diversas multas ambientais, expedidas pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), algumas que chegavam a R$ 100 mil. “Fechar esse lixão, em função do que ele traz de pontos negativos para o meio ambiente, para as questões sociais, jurídicas e de atendimento às leis e normas é uma das tomadas de decisão mais importantes”, relata a secretária de Infraestrutura e Serviços Públicos de Camaragibe, Eryka Luna.

Segundo ela, desde agosto de 2019 o município montou um plano de trabalho para realizar o fechamento do lixão. Este planejamento possui, até o momento, quatro etapas, e chegou a ser disponibilizado para órgãos como o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a CPRH. A primeira fase do plano era a contratação de uma CTR, processo que se deu por meio de uma licitação. Em um segundo momento, a cidade precisou desenvolver a dinâmica para levar o lixo até o local, já que a central fica a mais de 50 quilômetros de distância. O método escolhido foi o de transbordo, quando os próprios caminhões de lixo do município descarregam seus resíduos em um veículo maior, com capacidade de 50 a 60 toneladas por viagem, e este leva o lixo até a CTR de Igarassu. Camaragibe possui nove caminhões de lixo tradicionais e dois caminhões maiores.

“A terceira etapa é fundamental, que é gerar sustentabilidade aos catadores. Então nós fizemos o cadastro deles para definir o perfil, com informações como nome, idade e se são alfabetizados. Com isto, alguns foram inscritos no EJA, outros ainda tinham que fazer os documentos, como identidade e CPF”, afirma a secretária. Ela conta que 17 empregos diretos foram disponibilizados para os catadores, além de estar nos trâmites finais a abertura de uma associação de catadores. O aluguel do espaço, que ficará no bairro de Primavera, já foi feito. “Faltam trâmites burocráticos, como o registro no cartório. Mas já conversamos com compradores e, apesar de Camaragibe não ter coleta seletiva, em Aldeia os grandes condomínios fazem. Então, já estamos negociando para que esse lixo vá para a associação”, acrescenta.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Após anos de promessas, a Prefeitura de Camaragibe finalmente irá fechar o lixão municipal da cidade. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Após anos de promessas, a Prefeitura de Camaragibe finalmente irá fechar o lixão municipal da cidade. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Após anos de promessas, a Prefeitura de Camaragibe finalmente irá fechar o lixão municipal da cidade. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Após anos de promessas, a Prefeitura de Camaragibe finalmente irá fechar o lixão municipal da cidade. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Após anos de promessas, a Prefeitura de Camaragibe finalmente irá fechar o lixão municipal da cidade. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Sobre o quarto passo, que é a remediação do lixão, Eryka comenta que todo o lixo começará a ser coberto e que, pelos próximos seis meses, será possível ver máquinas trabalhando dentro do local. “A remediação não soluciona 100% o problema, porque o chorume já está indo para o solo, mas diminui os impactos. O projeto é de que consigamos destinar este líquido a uma célula (tipo uma piscina), para que ele seja posteriormente tratado. O lixo será coberto e vai se decompor, mas ao cobri-lo, evita-se que tenham animais como ratos e urubus”. Sobre o futuro do terreno, a secretária afirma que ainda não foi traçado um plano, porém a área onde funciona o lixão é de preservação ambiental, então está descartada a possibilidade de destiná-la para a construção de imóveis, por exemplo.

A notícia do fechamento do lixão trouxe alívio para quem mora no entorno do local. Uma delas é a dona de casa Suely Tavares, de 45 anos, que reside há sete anos no bairro. “É um mau cheiro enorme, às vezes a gente não come. E quando tem queimada, piora. Eu tenho rinite alérgica e asma, ontem (domingo) tudo estava coberto de fumaça, não conseguimos dormir. Não vejo a hora de ser fechado, a poluição está afetando a comunidade”, declara. O aposentado Edvaldo Pessoa, de 66 anos, concorda com Suely. “Este lixão está incomodando muita gente. Eu não tinha doença nenhuma, mas do ano passado para cá estou ficando cansado. Moro aqui desde 2016 e sempre acontecem estas queimadas. Fora a ‘catinga’ horrível. Quando dá o vento forte, a gente fica com um embrulhamento no estômago”, diz.

Para quem se sustenta por meio dos resíduos sólidos encontrados no lixão, o futuro assusta e preocupa. O catador Carlos Almeida, de 35 anos, trabalha há mais de 10 anos no espaço. Ele conta que a prefeitura ainda não entrou em contato com ele, mas que chegou a ser cadastrado. “Eu tenho seis filhos. Amanhã, eles vão comer o que? Agora vou ter que procurar o que fazer por aí”. A catadora Enilda Maria da Conceição, de 52 anos, diz que já perdeu as contas de quanto tempo sustenta sua família com o que retira do lixão. “Agora não sei o que vai ser. A gente espera pela prefeitura, para ver o que ela vai fazer pelos catadores. Para mim é errado fechar o lixão, é de onde eu e meus filhos tiramos o pão”, conta.

A catadora e presidente da Associação dos Catadores de Bondade de Deus, Luzinete Teixeira, de 57 anos, confirmou que a prefeitura está prestando auxílio aos catadores. De acordo com ela, existem cerca de 90 catadores no lixão, e eles são de Camaragibe, São Lourenço da Mata, Olinda e Jaboatão dos Guararapes. “Com o fechamento do lixão, é como se eu tivesse perdendo uma mãe. Foi daqui que eu criei meus filhos, tem gente que depende daqui para tudo. A gente sabe que é uma lei que não foi a prefeitura que fez, mas é difícil aceitar, porque cheguei aqui sem nada. Com o que tirei daqui construí a minha casa e a dos meus filhos”, comenta a mulher, que está no Lixão Céu Aberto há 28 anos.

Resíduos sólidos na Região Metropolitana do Recife

Pela lei nº 12.305 de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), as cidades brasileiras tinham até o dia 2 de agosto de 2014 para começar a destinar o seu lixo para aterros sanitários. Desde a data, diversos municípios pernambucanos vinham sendo cobrados sobre o encerramento dos lixões. Dados divulgados pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) mostram que houve uma queda destes espaços nos últimos seis anos. De acordo com o órgão, em 2014, 84,2% das cidades destinavam seus resíduos sólidos aos lixões ou aterros controlados. Em janeiro de 2020, 104 cidades pernambucanas já destinavam seus resíduos sólidos para aterros sanitários. O número indica, no entanto, que 80 municípios ainda fazem o descarte do lixo a céu aberto. Com o novo marco legal do saneamento básico, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho, o prazo para o fim dos lixões será em 2024.

Segundo a gerente de Programas e Estudos Ambientais da secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado, Ana Gama, o fechamento do lixão de Camaragibe representa um marco, já que era a única cidade da RMR que ainda possuía este tipo de equipamento. Ana explica que os municípios têm evoluído do ponto de vista do descarte dos resíduos sólidos, mas que ainda há o que melhorar, tanto para se adequar à PNRS, quanto ao Plano Metropolitano traçado em 2009 e revisado em 2018. A gerente destaca que, em 2007-2008, o Grande Recife tinha 11 lixões e três aterros controlados, realidade que foi mudando à medida que os municípios foram modificando seus descartes do lixo. Atualmente, são duas CTRs, sendo uma em Igarassu e outra em Jaboatão dos Guararapes, além de um aterro sanitário municipal, em Ipojuca.

A questão que ainda representa um desafio para as cidades é a coleta seletiva. “O que o Grande Recife precisa avançar seriam os aterros receberem apenas os rejeitos, aquilo que não é economicamente viável. Precisamos avançar na coleta seletiva, porque isso faz até com que a vida útil do aterro aumente”, declara. Segundo Ana, em 2008 a região possuía 16 cooperativas de catadores, número que subiu para 27 em 2020. “Com todo o esforço, temos apenas cerca de 3,5% do que é coletado sendo reciclado. É muito pouco. Além do poder público, a conscientização da comunidade também é necessária, porque ela que vai fazer essa separação. Em termo de aterro, estamos bem. Mas na coleta seletiva, não”, relata. De acordo com ela, as cidades mais avançadas na questão são Jaboatão dos Guararapes, Recife, Abreu e Lima e Olinda.

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