A cidade-símbolo. A capital que concentra e espelha os principais problemas da cidade metrópole. Durante os últimos dois meses, a série Desafios Urbanos tratou do Recife, e de suas históricas mazelas e desigualdades, não como um território isolado. Mas como o epicentro de um tecido urbano conurbado, formado por outros 13 municípios, de problemas comuns, onde moram e circulam 4,1 milhões de cidadãos metropolitanos. Neste domingo (15), dia de decidir em que cidade queremos viver, pelo menos, nos próximos quatro anos, o JC encerra a série de reportagens, trazendo um olhar que, ao se voltar para a capital, projeta também o futuro de todo o seu entorno. Entre os muitos desafios tratados ao longo dos últimos domingos, escolhemos quatro áreas primordiais: habitação, mobilidade, saúde e educação. E publicamos hoje as propostas dos quatro principais candidatos à Prefeitura do Recife, melhor posicionados na pesquisa Ibope/JC/Rede Globo, para enfrentar cada um desses temas. É mais uma oportunidade para ampliar a discussão sobre as demandas da cidade antes do encontro decisivo com as urnas. Com a palavra final, o eleitor.
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Uma espera sem fim por morada digna
De um lado, uma conta cara demais e um conveniente jogo de empurra. Do outro, imagens que assombram o Recife e afrontam a dignidade há décadas. A sobrevivência de famílias que se amontoam em palafitas é a face mais cruel de uma chaga social que só faz crescer. O déficit habitacional no Recife é de 71 mil unidades, quase 40% de toda a demanda por moradia da Região Metropolitana.
Embora a maioria dos atuais candidatos afirme que vai acabar com as palafitas (promessa antiga, de diferentes gestões, diga-se de passagem) a tarefa não é nada fácil. Além de vontade política, é preciso dinheiro para financiar a produção de novas unidades habitacionais de interesse social.
Nesse ponto, o horizonte é de total incerteza, já que o principal programa de financiamento de moradia do País, o Minha Casa Minha Vida, foi substituído pelo Casa Verde Amarela, sem nenhuma perspectiva, por enquanto, de liberação de recursos para novos habitacionais.
O desafio de levar moradia e revitalização para o Centro do Recife é outra enferrujada promessa que, nessa campanha, volta à cena. Novamente aqui, será preciso combinar uma série de ações para garantir que prédios abandonados virem habitacionais de uso misto, abrigando residência e atividade comercial.
A torneira fechada em Brasília e a crise fiscal que recai sobre os cofres municipais exigirão dos novos gestores criatividade e estratégias para buscar novas fontes de financiamento. Sob o risco de, ao final dos próximos quatro anos, a conta ir, de novo, para o colo do governo federal, sem que as demandas históricas de moradia da população da capital tenham sido atendidas.
É a hora do ônibus, bike e caminhar
Não há como falar de mobilidade urbana no Recife sem enfrentar um dos principais gargalos do setor: a gestão precária do combalido, mas necessário, Grande Recife Consórcio, responsável pelo transporte público da Região Metropolitana e que impacta diretamente na vida de dois milhões de passageiros por dia. Embora as propostas dos candidatos apontem diferentes caminhos para melhorar a prestação do serviço, é unânime a avaliação dos erros e deficiências do consórcio, a começar pela falta de adesão dos próprios municípios da RMR. Mais de uma década após sua implantação, só duas cidades fazem parte do sistema: Recife e Olinda.
Mas falar de mobilidade vai muito além da melhoria urgente do transporte público. No Brasil e no mundo, o pós-pandemia ressaltou a importância de priorizar a mobilidade ativa, com investimento pesado em deslocamentos a pé e de bicicleta. Duas frentes em que a capital está longe de atender as demandas da população. A necessidade de qualificar e ampliar as calçadas, não só no centro expandido, mas nos bairros da cidade, é tarefa para o novo gestor. Já a malha cicloviária do Recife cresceu, sem integração e longe dos principais corredores de transporte da cidade. Para o trabalhador que, diariamente, se desloca em cima de uma bicicleta, o exercício de pedalar ainda é atividade de alto risco.
O desafio de melhorar a saúde básica
É missão primordial do município: qualificar e ampliar a rede de atenção básica de saúde. É lá, na ponta, no posto de saúde da família, espalhado pelos bairros, que o trabalho de prevenção é fundamental não só para salvar vidas como gerar economia. Quanto mais cedo a doença for descoberta, ou evitada, menos gastos nas unidades de alta complexidade na assistência médica. Para se ter uma ideia da relevância que a porta de entrada tem na estrutura do sistema, 80% das necessidades de saúde de um indivíduo podem ser resolvidas por equipes de saúde das unidades básicas.
Não bastasse o tamanho do desafio, a pandemia de covid-19 levou o Sistema Único de Saúde à exaustão. Exigiu um volume gigante de recursos e forçou a suspensão do atendimento de diversas especialidades médicas. Uma conta represada que será cobrada dos novos gestores. Zerar ou, numa hipótese mais realista, reduzir a fila de espera por exames, consultas e cirurgias é uma das maiores reivindicações do morador da capital. Já era antes da explosão do novo coronavírus e só piorou, no pós-covid.
Não é só em termos de quantidade, mas melhorar a complexidade da assistência oferecida na atenção primária também é exigência para a revisão do modelo de expansão qualificada das Upinhas (unidades municipais voltadas para o atendimento de pequenas urgências).
Se a demanda só fez aumentar em diferentes níveis, a disponibilidade de recursos seguiu caminho inverso. Considerando a expectativa de queda do Produto Interno Bruto (PIB), os repasses aos municípios, por parte do governo federal, vão desabar no próximo ano. Equilibrar as contas públicas é tarefa de casa obrigatória dos novos prefeitos, que têm o dever constitucional de garantir 15% dos gastos totais do municípios para a área de saúde.
Em busca do tempo perdido
Apesar da saúde ser a área diretamente associada à pandemia do novo coronavírus, é na educação que os impactos da covid-19 se fazem mais prolongados. Ainda sem data prevista de retomada das aulas presenciais no ensino fundamental e na educação infantil da rede pública municipal, os novos gestores terão pela frente a dura missão de recuperar o tempo perdido e garantir o aprendizado de estudantes que passaram praticamente o ano inteiro fisicamente longe da escola.
A suspensão das aulas por tanto tempo, mesmo com a oferta do ensino remoto, vai ter repercussão negativa no aprendizado. É alto o risco de aumento dos índices de evasão e abandono escolar. Trazer de volta os alunos e, sobretudo, mantê-los na sala de aula, vai exigir do novo prefeito um planejamento que contemple, ao mesmo tempo, a retomada de um ano letivo totalmente fragilizado e a adequação do calendário de 2021.
Aos novos desafios trazidos pela pandemia se somam velhos problemas. A insuficiente oferta de vagas em creches públicas e os gargalos no processo de alfabetização estão no topo das prioridades. Não à toa a promessa de ampliação de creches, seja na rede própria ou em parceria com a iniciativa privada, está presente no programa dos principais candidatos à disputa no Recife.
Como não poderia ser diferente, o entrave maior é enfrentar todas essas dificuldades com um orçamento ainda mais reduzido. A projeção é de que as redes estaduais e municipais percam entre R$ 13 bilhões e R$ 40 bilhões em tributos vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) este ano, a depender do tamanho da crise econômica. Justamente por se tratar de educação, a urgência das ações é ainda maior. Não diz respeito apenas ao presente. É do futuro das próximas gerações que estamos tratando.
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