Quem mandou a Polícia Militar atirar contra manifestantes em protesto contra Bolsonaro no Recife?
Confira o que se sabe até o momento sobre a ação que deixou dois homens parcialmente cegos
Quem deu a ordem para que policiais militares agissem de forma truculenta contra manifestantes que caminhavam de forma pacífica no Recife, no último sábado, em ato contra o presidente Jair Bolsonaro, em favor de mais vacinas contra covid-19 e de um auxílio emergencial de R$ 600? Até esta quarta-feira, 2 de maio de 2021, - quatro dias após o ocorrido - essa pergunta ainda não foi respondida.
O que se sabe, até o momento, é que policiais foram afastados, há inquéritos em andamento e dois homens, Daniel Campelo da Silva, de 51 anos, e Jonas Correia de França, de 29 anos, que sequer participavam do ato, ficaram parcialmente cegos após balas de borracha, disparadas por PMs, atingirem seus olhos.
Aqui, o JC traz o passo a passo do ocorrido e o que já foi explicado pelo Governo de Pernambuco:
Protesto
No sábado, dia 29 de maio de 2021, protestos organizados por movimentos sociais e forças sindicais em todo Brasil pediam o impeachment de Bolsonaro, vacinas e um auxílio emergencial de R$ 600.
No Recife, a manifestação, que contrariava regras sanitárias contra covid-19 por promover aglomerações, saiu da Praça do Derby, na área central da cidade com destino à Praça da Independência.
Os manifestantes usavam máscaras, seguiram em fila tentando promover distanciamento e caminharam pela Avenida Conde da Boa Vista com faixas e cartazes de "fora Bolsonaro", "vacina já", entre outros.
O Choque
Próximo ao fim do percurso, quando o protesto chegou à Ponte Duarte Coelho, os manifestantes se depararam com uma barreira montada por policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco. Eles estavam, inicialmente, em frente à estação BRT, próximo à Agência central dos Correios, impedindo, assim, a passagem para a Praça onde se encerraria o ato.
Alguns manifestantes tentaram seguir, porém esse destacamento do Choque começou a avançar pela pontem em direção aos manifestantes e com a desculpa de que precisava dispersar o ato, que segundo o próprio governador Paulo Câmara estava ocorrendo de forma pacífica, usaram bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta.
Os manifestantes correram de volta para a Rua da Aurora e o policiamento continuou com a ação violenta, seguindo com as bombas e os tiros. Cabe destacar que a Rádio Patrulha também participou da ação.
Vereadora
No momento da ação policial, a vereadora do Recife Liana Circe, do PT, que participava do ato, se dirigiu aos policiais com sua carteira de vereadora apontando que a ação não era correta. Um dos PMs que estava próximo a vereadora seguiu para a viatura, ela o seguiu até a porta do veículo e ele, sem nenhuma justificativa plausível, até o momento, usou spray de pimenta contra a política, que caiu no chão.
Em seguida, Liana prestou queixa queixa na Polícia Civil de Pernambuco por agressão praticada pela Polícia Militar e foi recebida pelo governador Paulo Câmara na segunda-feira (31). Ele se solidarizou com a vereadora e ratificou a determinação de investigação rigorosa do caso.
Daniel e Jonas
Durante a ação da polícia, dois homens que não participavam do protesto foram feridos com balas de borracha nos olhos. Daniel Campelo da Silva, de 51 anos, e Jonas Correia de França, de 29 anos perderam parcialmente a visão e cobram Justiça. No caso de Daniel, inclusive, quando o homem caiu no chão, a polícia atirou contra pessoas que tentaram prestar socorro. O Estado disse que prestará assistência e que haverá indenização aos feridos.
Repúdio
Não demorou para que as imagens de truculência ganhassem as redes sociais. Portais de todo o País começaram a noticiar e logo surgiram notas de repúdio, como da Câmara do Recife, presidida por Romerinho Jatobá (PSB).
A Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) também se pronunciou sobre a ação da Polícia Militar. A entidade pediu "apuração rigorosa" do Governo do Estado e punição aos responsáveis pela "atuação da Polícia Militar". "Imagens reportam uma repressão absolutamente desproporcional por parte da PMPE, com uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta, contra grupos que realizavam o ato na área central da cidade".
Pronunciamento
No mesmo dia, à tarde, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), se pronunciou sobre a ação repressiva e afirmou repudiar todo ato de violência, de qualquer ordem ou origem, e que determinou a apuração de responsabilidades sobre o ocorrido. A Corregedoria da Secretaria de Defesa Social instaurou procedimento para investigar os fatos e o oficial comandante da operação, além dos envolvidos na agressão à vereadora Liana Cirne, devem permanecer afastados enquanto durar a investigação.
Porém, em nenhum momento, o governador explicou quem deu a ordem para ação. Por isso, surgiu a questão que vem sendo feita e refeita aos agentes responsáveis pela segurança pública do Estado: quem deu a ordem? Mas ninguém consegue responder de forma objetiva.
Afastamento
Logo no sábado, o governador afastou o comandante da operação e quatro policiais militares envolvidos na ação. Nesta quarta-feira (2), Paulo informou que esse número já chega a 7 afastados, sendo três oficiais e quatro praças. Ninguém teve o nome revelado.
Apuração
Na segunda-feira (31), dois dias após a ação, a Chefia de Polícia Civil designou os delegados Breno Maia e Kelly Luna como responsáveis pelos inquéritos instaurados em relação às agressões. Em paralelo, a Corregedoria da SDS está conduzindo um procedimento administrativo em desfavor dos PMs, como trouxe o repórter Raphael Guerra deste JC.
Alepe
O secretário Antônio de Pádua, da Defesa Social, tentou explicar o ocorrido a deputados estaduais em encontro na Assembleia Legislativa de Pernambuco, nessa terça-feira (1º). Ele saiu do encontro sem falar com a imprensa, mas os deputados explicaram o que ocorreu no encontro.
O presidente da Alepe, Eriberto Medeiros, colocou que o secretário disse que a ordem não partiu nem dele nem do governador Paulo Câmara. Ele não disse quem deu a ordem, mas chegou a falar em "livre arbítrio" do comandante da operação no local.
O deputado Antônio Coelho informou que na reunião o secretário explicou que o Batalhão de Choque vai a todas as manifestações com grande quantidade de público, mas que nem sempre precisa atuar. De acordo com o parlamentar, o Choque já justificou que agiu porque os manifestantes teriam "depredado patrimônio e atirado pedras contra os policiais".
Há imagens de manifestantes jogando pedras nos policiais que vêm sendo compartilhadas nos últimos dias por aqueles que defendem a atuação da PM, mas até o momento não há prova que essas pedras foram arremessadas antes da polícia começar sua ação. Segundo Antônio Coelho, isso está sendo apurado.
Monitoramento
Um dos pontos questionados é sobre o monitoramento no momento da ação policial. A Secretaria de Defesa Social conta com câmeras espalhadas pela cidade e, no momento do protesto, o secretário da pasta, Antônio de Pádua, estava reunido com a cúpula da PM e da SDS, verificando imagens do Estado. Segundo secretários estaduais que se reuniram com Pádua, nessa terça-feira (1º), ele disse que estava fazendo o monitoramento das praias e possíveis aglomerações, visto que o sábado foi o primeiro dia do fim de semana com medidas mais rígidas de proteção à covid-19.
Na entrevista de hoje, Paulo Câmara disse que o secretário verificou a confusão da Ponte Duarte Coelho e que pediu que fosse encerrada a operação, o que não ocorreu ou ocorreu com atraso, suficiente para que pessoas fossem feridas. "Estávamos no primeiro sábado de restrições mais severas na questão da pandemia, acompanhando todo o Estado. Acontecia monitoramento, como sempre ocorre em eventos como esse, com integrantes da Polícia Militar, da Polícia Civil, da cúpula da Secretaria de Defesa Social, que estavam atuando nessa questão e os fatos que originaram essa ação, não saíram desse centro pelo que informou o secretário. Isso faz parte da investigação e tão logo ele tomou conhecimento da gravidade das ações ele ordenou imediata interrupção", afirmou o governador.
A queda
O governo estadual promoveu mudança no comando da Polícia Militar após o ocorrido. O coronel Vanildo Maranhão pediu exoneração do cargo três dias após a ação violenta. Ele foi substituído pelo coronel José Roberto Santana, que ocupava o cargo de diretor de Planejamento Operacional da PM. Ele teve um encontro com o governador Paulo Câmara nesta quarta-feira (2). O gestor lhe pediu que de orientações à tropa para que cenas como a de sábado não se repitam e pediu, ainda, que os responsáveis pelos disparos sejam identificados.
Reunião com familiares
A Procuradoria Geral do Estado se reuniu, nesta quarta-feira (2), com familiares dos dois homens que perderam parcialmente a visão. A reunião foi convocada pelo procurador geral do estado, Ernani Médicis.
Os familiares do adesivador Daniel Campelo, de 51 anos, chegaram acompanhados de três advogados. O filho dele, o vigilante Júlio Campelo, sabe que dinheiro nenhum vai trazer a visão do pai de volta, mas explica que uma ajuda financeira pode contribuir, já que o pai era o grande provedor da família.
Já a esposa do arrumador Jonas Correia de França, de 29 anos, esteve acompanhada do irmão dele e da cunhada. Ela preferiu se pronunciar após a reunião. Segundo o defensor público, que representa Jonas, a assistência médica adequada, que não vem sendo prestada, foi prioridade tratada na reunião.
Indenização
A reunião é para iniciar o processo de indenização das vítimas. A reunião foi de portas fechadas na sala do conselho, apenas imagem foram autorizadas. O secretario de Justiça e Direitos Humanos Pedro Eurico e o secretário executivo também participaram da intermediação. Pensão Segundo o advogado Marcelus Ugiette, que representa a família de Daniel, é preciso ter cautela nesse momento e ouvir a proposta do governo.
Investigação
Paulo Câmara ainda explicou haver uma grande rede de comando na PM, então é preciso saber qual a informação passada a quem deu a ordem. Ele reforçou que as respostas serão dadas de maneira célere e falou em punição a quem provocou tal fato. "Novos afastamentos ocorrerão a depender das investigações e não vamos admitir, essa não é a polícia militar que nós queremos, que acreditamos, uma Polícia Militar com quase 200 anos de serviços prestados e não podemos deixar de cumprir a lei, mas não podemos deixar ocorrer mais fatos como esse", disse. "Vamos agir com rigor dentro da forma legal e podem ocorrer demissões caso chegue tal extremo", concluiu o governador.
"É importante verificar quem atirou no Jonas e no Daniel, quem impediu o socorro às vítimas e as investigações vão apontar isso. Precisamos do contexto que essas ordens foram dadas, as informações que elas tinham para dar ordens como essa, até agora não foi apresentado uma justificativa plausível e isso não podemos admitir", completou.