CIDADANIA

Trapeiros de Emaús: os 25 anos da associação que ressignifica o lixo e capacita jovens de comunidades do Recife

Aniversário da fundação da organização internacional na capital pernambucana acontece em meio a uma onda de estímulo ao consumo consciente e ao desafio de ampliar o projeto pioneiro

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Katarina Moraes

Publicado em 13/08/2021 às 17:14 | Atualizado em 13/08/2021 às 17:55
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Imagine que você comprou uma geladeira e usou durante anos, até que, um dia, ela pifou. O preço do conserto ficou alto, e é mais vantajoso adquirir uma nova. O que fazer, então, com o eletrodoméstico? Há 25 anos no Recife, a organização não governamental internacional Trapeiros de Emaús ressignifica e dá um destino sustentável a esse e outros “lixos”. De quebra, transforma a realidade de comunidades, uma vez que capacita gratuitamente jovens de baixa renda e emprega pessoas antes fora do mercado de trabalho. Comemorado na próxima segunda-feira (16), o aniversário da fundação da sede na capital pernambucana acontece em meio a uma onda de estímulo ao consumo consciente e ao desafio de ampliar o projeto pioneiro.

Apesar do exemplo, não são só os eletrodomésticos os alvos dos trapeiros. Roupas, móveis, materiais eletrônicos, brinquedos, sapatos, livros, entre outros objetos, podem ser entregues ao grupo. Ao ser contatada pela população, a equipe sai, todos os dias, com três caminhões recolhendo doações por todos os bairros da cidade. O material, então, é separado entre o que pode ser recuperado, e o que não. Sucatas são vendidas a ferros velhos ou depósitos, enquanto os objetos reciclados ou consertados ficam à venda por preços reduzidos no bazar que acontece todas as terças, quintas e sábados das 10h às 17h na sede da ONG, localizada na Rua Mamede Coelho, 53, Dois Unidos, Zona Norte do Recife.

Nascidos na França há 67 anos, a partir do sacerdote francês Abbé Pierre, os Trapeiros de Emaús estão presentes em 40 países espalhados pela Europa, Ásia, África e América, onde 400 diferentes grupos atuam. Só no Brasil, são dez. A história do movimento em Pernambuco começou quando o arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Helder Camara (1909-1999), em 1995, pediu para que o colega e ativista italiano Luis Tenderini tocasse o projeto na capital. “Por insistência dele e do fundador da Emaús, criei esse grupo no Recife. Antes de começar, passei alguns meses vivendo com uma comunidade na Argentina para ver como era a dinâmica de trabalho. Em agosto de 1996, demos início a essa atividade”, contou Tenderini.

A relevância do grupo foi tamanha que impulsionou até mesmo a Prefeitura do Recife, no final dos anos 90, à época comandada por Roberto Magalhães, a instituir o trabalho de coleta seletiva na cidade, inicialmente nos bairros da Torre, Madalena, Zona Oeste, e Casa Forte, Zona Norte. O material recolhido era entregue aos trapeiros, que, com o tempo, não deram mais conta de recebê-lo, uma vez que a gestão municipal ampliou o serviço para toda a cidade. Além disso, também recebeu reconhecimento do Ministério do Trabalho, da Câmara Municipal do Recife, e da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Mas, para Tenderini, o maior prêmio é o reconhecimento da sociedade “que doa o material e nos permite manter esse trabalho ativo”.

Ao todo, são 25 funcionários na Emaús. Um deles é Maria da Paz de Oliveira, que viu a instituição cruzar a própria vida em diferentes aspectos. Após a morte de seu marido, que trabalhava no local, ela, desempregada, precisou cuidar de 5 filhos sozinha. Então, Tenderini bateu em sua porta e a convidou para ser recicladora há 19 anos. Depois, ela passou para o setor de roupas e miudezas, onde está até agora. “O que tenho hoje devo primeiramente a Deus e depois à Emaús. Eu nunca tinha trabalhado, não sabia o que era correr atrás do pão para minha família até então. Eu gosto muito do que faço. Tenho uma companheira de trabalho divertida, a gente faz tudo em conjunto. Faço questão de dizer que comecei a trabalhar com reciclagem, porque foi daqui que tirei meu sustento”.

BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Associação dos Trapeiros de Emaús do Recife recicla e conserta produtos caseiros em geral para revendê-los por preço justo, para moradores da Linha do Tiro e Dois Unidos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Associação dos Trapeiros de Emaús do Recife recicla e conserta produtos caseiros em geral para revendê-los por preço justo, para moradores da Linha do Tiro e Dois Unidos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Associação dos Trapeiros de Emaús do Recife recicla e conserta produtos caseiros em geral para revendê-los por preço justo, para moradores da Linha do Tiro e Dois Unidos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Associação dos Trapeiros de Emaús do Recife recicla e conserta produtos caseiros em geral para revendê-los por preço justo, para moradores da Linha do Tiro e Dois Unidos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Associação dos Trapeiros de Emaús do Recife recicla e conserta produtos caseiros em geral para revendê-los por preço justo, para moradores da Linha do Tiro e Dois Unidos. - BOBBY FABSAK/JC IMAGEM
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Na Escola de Educação Profissional Luis Tenderini, também da ONG. dois de seus filhos fizeram cursos profissionalizantes que os inseriram no mercado de trabalho. A instituição de ensino é situada na rua paralela ao depósito da Emaús no Recife e capacita cerca de 200 jovens por ano com cursos de eletrônica, refrigeração, eletricidade e informática. Todo custo é bancado pela própria organização, e as aulas são lecionadas por ex-alunos. “Damos possibilidade aos jovens que fazem o curso de terem uma prática de trabalho para que saiam daqui e possam criar condições de uma vida digna, ao mesmo tempo que prestam serviço à sociedade. Alguns continuam trabalhando conosco, mas a maioria sai para o mercado de trabalho”, disse o fundador.

“A gente trabalha para viver, com certeza, mas também para realizar ações solidárias a quem mais precisa. O lema da organização internacional é servir em primeiro lugar os que mais necessitam. No Recife, escolhemos como categoria de pessoas que mais precisava de ajuda os jovens da periferia que não têm perspectiva de trabalho. Também há a possibilidade de contribuir para a melhoria do meio ambiente, que é outra dimensão fundamental, e contribuir com nosso pequeno trabalho para reduzir a poluição ambiental”, explicou Tenderini.

Os olhos do hoje economista Davi Carvalho já brilhavam na universidade para esse conceito, chamado de “economia circular”, que se importa com o meio ambiente desde o processo de criação de um produto, a partir da matéria prima usada, até o descarte dele. O interesse se somou à paixão que tem por livros desde que era criança, quando passou a organizar os títulos doados à Emaús em 2010 e encontrou um trabalho que chama de “gratificante, único e economicamente inovador”. “Trazer o objeto descartado de volta para o processo produtivo é desafiante, não é fácil. Tem uma estrutura logística complexa, mas, com a dedicação de todos, se torna possível”, afirmou.

Novos desafios

Sob valores de fraternidade, igualdade e de justiça, os Trapeiros de Emaús são capazes de recuperar cerca de três toneladas de materiais por mês, e mais uma tonelada só de papel reciclado, que é vendido para empresas parceiras. O consumo responsável presente nas diretrizes da comunidade há duas décadas e meia ganhou ainda mais atenção da sociedade em 2020, com a chegada da covid-19. Segundo pesquisa do Instituto Akatu em parceria com a consultoria GlobeScan, no último ano, a parcela de brasileiros cuja percepção de que “o que é bom para cada um nem sempre é bom para o meio ambiente” saltou de 69% para 81%.

Os desafios, agora, devem ser expandidos. Os Trapeiros de Emaús estudam a possibilidade de começar a reaproveitar material orgânico, restos de comida do Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa), e transformá-lo em substâncias como gás metano e biofertilizantes naturais. “É um projeto que pretendemos implantar dentro de alguns meses que vai dar um novo ânimo e uma nova dinâmica ao nosso trabalho no Recife. Vamos em busca do financiamento para realizar isso no nosso galpão”, revelou o fundador.

Quem tiver interesse em ajudar a instituição a continuar mudando vidas e ajudando o meio ambiente, pode fazer doações pelos telefones (81) 3451-2247, (81) 3451-5604 ou (81) 98797-5604, ou pelo site www.emausrecife.org. Já na próxima sexta-feira (20), livros e materiais de papelaria serão vendidos pelo www.livrariaemaus.com.br. Para mais informações sobre a Escola de Educação Profissional, acesse www.escolaluistenderini.com.

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