Isabel Pereira custou a conseguir dormir esta noite. Aliás, vem sendo difícil fechar os olhos várias noites desde que comprou a casa onde mora com os quatro filhos em Águas Compridas, Olinda, no Grande Recife. No primeiro dia útil do ano, esta segunda-feira (3), bastou a chuva começar a cair para derrubar, pouco a pouco, pedaços da barreira que está sobre seu teto. Enquanto parte da população enfrenta transtornos como congestionamento e quedas de árvores nestes dias, há quem tema pela própria vida. E o medo de deslizamentos, quase exclusividade do inverno, deve acontecer até no verão. Isso porque, de acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), é prevista precipitação para todo o mês no litoral do Estado.
“Não descartamos que essas chuvas venham a acontecer com mais frequência. Temos essas condições oceânicas favoráveis a isso, e o mínimo de gatilho pode gerar esse tipo de chuva constantemente em janeiro na área litorânea”, explicou o meteorologista Thiago do Vale, da Apac, que informou a situação climática à Defesa Civil. Segundo o especialista, há “muita umidade vinda do oceano”, que quando chega ao continente provoca “pancadas de chuva intensas”. Um balanço divulgado às 14h pelo órgão apontou maior acúmulo de precipitação em pontos das cidades de Igarassu, Rio Formoso e Paulista nesta segunda.
Caso a previsão se cumpra, Isabel permanecerá de vigia contra um desastre na barreira, que até mesmo a prevenção emergencial, uma lona, está rasgada e precisando ser renovada. “Essa noite choveu muito, fiquei muito assustada. Fico aqui morrendo, com o coração na mão, sem saber o que fazer. Infelizmente a casa é minha e não tenho como ir para outro lugar, sou a única que trabalha na família. Aqui nos sentimos abandonados. Quando ligo para a Defesa Civil, respondem que é verão. Só vêm trocar a lona quando todo mundo se mobiliza para cobrar”, contou, assustada.
Em julho de 2019, uma idosa de 78 anos, que morava na casa atrás da de Isabel, morreu ao ser engolida pela lama. Mesmo assim, moradores apontam que desde então nada foi feito no local para evitar novos casos. Na mesma tempestade, o aposentado Valdemar Pereira da Silva, 76, precisou abandonar correndo o lugar onde viveu por 18 anos ao ver a terra invadir tudo. Hoje, mora em uma residência ruas depois da barreira, onde paga um aluguel de R$ 400 sem qualquer ajuda do poder público. A casa anterior permanece vazia; não se pode alugar, nem vender. “Fiquei traumatizado com o que aconteceu. Não quero mais morar aqui”, disse.
Por outro lado, a Prefeitura de Olinda aponta a realização de série de ações preventivas às chuvas até fevereiro de 2022, como reposição de lona, retirada da vegetação e realização de obras em áreas de risco, como construção de muros e implantação de tela argamassada em Aguazinha. No Alto da Bondade, promete uma escadaria, novo sistema de drenagem e um muro de arrimo. Ainda, afirmou que a Secretaria de Serviços Públicos trabalham na desobstrução de sistema de drenagem de vias como Estrada do Passarinho, em Passarinho; Avenida da Integração, Ilha de Santana, Córrego do Nozinho, Águas Compridas; e Rua Redenção, em Jardim Brasil.
Mas o problema não está restrito à cidade de Olinda. As áreas de risco representam grande parte das moradias na Região Metropolitana do Recife. Na capital, 67% da área total corresponde a morros. No Cabo, são 85 áreas de risco. Em Jaboatão, 16.585 pontos. Somente no Cabo, entretanto, foram registradas ocorrências de deslizamento de barreira, sem feridos, nesta segunda, em em Novo Horizonte, Charneca, rua 19, Bela Vista e Madre Iva, além de queda de árvores na Praça Dona Zefinha, em Ponte dos Carvalhos. Recife e Camaragibe informaram que nenhuma ocorrência grave foi registrada.
Além dessas, a Defesa Civil de Pernambuco registrou ocorrências, como alagamentos e quedas de árvores, em Igarassu, Jaboatão dos Guararapes e Rio Formoso nesta madrugada, felizmente todas sem danos materiais ou humanos.
Prefeituras alegam ações preventivas
O Cabo alegou que equipes técnicas estão em campo para realizar o atendimento às ocorrências recebidas e também para intensificar o monitoramento das áreas de risco, realizando vistorias de avaliação de risco, providenciando a reposição de lonas plásticas e removendo entulhos gerados pelos deslizamentos, além de desenvolver trabalho de “monitoramento e vistorias constante das áreas de risco do município”, e “um trabalho de prevenção através do Projeto Defesa Civil nas Escolas e Comunidades levando informação aos moradores das áreas de risco”.
O Recife disse fazer um “trabalho contínuo de monitoramento de aproximadamente 15 mil pontos em áreas de morro durante todo o ano”, e que a Ação Inverno, cujo investimento no último ano foi de R$ 96 milhões, realiza “obras de contenção definitiva de encostas, obras do programa Parceria, colocação de lonas, orientações porta a porta, limpeza de canais, limpeza dos sistemas de drenagem, entre outras atividades”. Já Camaragibe informou estar “de prontidão 24h monitorando os locais de risco da cidade”.
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