"Essa dor só vai passar quando eu morrer", diz pai que perdeu a filha na tragédia das chuvas em Pernambuco
Dois meses após a maior tragédia das chuvas de que já se teve notícia em Pernambuco, famílias tentam reconstruir suas vidas. Reginaldo e Eliana assistiram a partida, de uma só vez, de 11 pessoas da família, inclusive a filha mais velha, Thaís. Formada em engenharia, ela sonhava em tirar os pais das áreas de risco de Jardim Monte Verde, mas não deu tempo
Eram 6h40 da manhã quando Reginaldo acordou naquele sábado, 28 de maio de 2022. Apesar de estar de folga, não conseguiu ficar na cama. Chovia muito em Jardim Monte Verde. Foi até a cozinha, preparou um café, pegou umas bolachas e começou a comer. Sentindo a falta do marido na cama, Eliana foi se juntar a ele. Thaís, a filha mais velha do casal, ainda dormia.
Mal haviam trocado algumas palavras quando ouviram o estrondo. - O que foi isso? "Não deu tempo de responder. O barulho parecia um trovão. Nessa hora, veio tudo em cima da gente: árvore, barro, tijolo, móveis, paredes da casa. Um peso grande sobre nossos corpos", lembra Reginaldo Ramos Feitosa, de 55 anos, morador da comunidade, localizada entre o Recife e Jaboatão dos Guararapes.
Em menos de 10 minutos, o deslizamento de uma barreira destruiu 32 anos de uma vida abrigada sob o teto daquela casinha branca. Não sobraram móveis, utensílios, roupas, documentos nem fotos. Apenas as lembranças de três décadas compartilhadas pela família naquela casa que, inesperadamente, deixou de existir.
Como estavam na cozinha, na parte mais frontal da casa, o casal sofreu um impacto menor. Ficaram presos pelos entulhos até a cintura, mas foram rapidamente retirados pelos vizinhos. Já os quartos foram mais atingidos pelo desmoronamento da barreira e Thaís estava lá. Reginaldo ainda tentou se aproximar da área onde a filha estaria soterrada, mas veio um segundo deslizamento de terra e, depois, um terceiro.
“Foram três desabamentos com intervalos de 10 minutos de um para o outro. A área ficou perigosa e tivemos que sair. Eu vivi 32 invernos em Jardim Monte Verde e nunca tinha visto nada parecido. Teve um deslizamento de barreira com morte em 2009, mas não foi grave assim. Agora perdi 11 pessoas da família, inclusive minha filha, que tinha realizado recentemente o sonho de se formar em engenharia”, conta.
Como “a verdadeira dor é indizível”, Reginaldo sente dificuldade em expressar como se sentiu diante daquele episódio traumático. Thaís foi soterrada por uma avalanche de pedra e lama no sábado (28) e seu corpo só foi encontrado pelos cães farejadores do Corpo de Bombeiros, na segunda-feira (30), no final da tarde.
Durante aqueles três dias, Reginaldo acompanhou tudo. Com um capacete de obra usado pela filha, ele ajudou a indicar a provável localização onde Thaís poderia estar soterrada. Quando o corpo foi encontrado, coube a ele a dor do reconhecimento. Mesmo esmagado pela tristeza, esse pai ainda teve que brigar para garantir que a filha fosse enterrada junto com os outros parentes, no Cemitério de Santo Amaro, porque queriam que o corpo fosse levado para Jaboatão.
Thaís queria tirar os pais de Jardim Monte Verde
Na terça-feira (26) passada, Thaís Regina Ramos Feitosa completaria 32 anos. "Sei que o tempo ajuda a amenizar o sofrimento, mas essa dor só vai passar quando eu morrer", sentencia Reginaldo. Na época do acidente tinha feito 15 dias que ela havia conseguido seu primeiro emprego em uma construtora. Em seu Instagram ela fazia posts sobre o amor pela profissão: “Não é sobre construir apenas, e sim sobre realizar sonhos!”
Engenheira civil, entendia o significado de viver em uma região de risco, como Jardim Monte Verde. Ela dizia ao pai que com a oportunidade de estar trabalhando em sua área teria condições de tirar a família dali. “Infelizmente, não deu tempo”, lamenta Reginaldo, dizendo que Thaís era tudo na vida da sua mulher.
“Ela está sofrendo muito e vem sendo acompanhada por psicólogo e psiquiatra para ajudar a atravessar esse momento”, afirma. Além de Thaís, o casal é pai de Sandy, de 18 anos. Casada, no dia da tragédia, ela estava em casa com o marido.
Até aquela altura das suas vidas, Reginaldo e Eliana desconheciam drama semelhante. Parecia que a família estava em uma guerra e havia sido deflagrada uma ‘matança coletiva’. No dia do enterro foi preciso revezar os caixões para que as pessoas fossem sendo valadas aos poucos. O Cemitério de Santo Amaro não dispiunha de tantas salas disposíveis para realizar 11 velórios simultaneamente.
Os enterros também começaram e terminaram tarde para dar tempo de velar e sepultar tanta gente. Quando as pessoas foram enterradas, um corredor de coroas de flores foi formado diante dos túmulos.
A maior tragédia das chuvas de que se tem notícia em Pernambuco vai deixar uma ferida aberta na comunidade de Monte Verde, na família de Reginaldo e Eliana e na nossa memória.
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