Santa na penúria e, sobretudo, na alegria. No último ano, a aposentada Vilma Ferreira, de 67 anos, suplicou para que Nossa Senhora da Conceição a ajudasse. Na Festa do Morro 2022, voltou até a imagem da Imaculada com um coração agradecido - e não conteve as lágrimas ao constatar, na própria vida, o que diz o dogma católico: a graça da Virgem Maria é transbordante.
Durante um ano e quatro meses, Vilma ficou sem receber a aposentadoria, após ser dada como morta no lugar da irmã. Fez uma promessa que, se conseguisse resolver, doaria dez cestas básicas para a Igreja e foi atendida. “Ano passado vim aqui pedir a Deus que tudo voltasse ao normal e consegui, foi reativada. A juíza já deu causa ganha e vou receber tudo que perdi”, disse.
Essa é só uma das tantas histórias que sobem e descem o Morro da Conceição, na Zona Norte da capital pernambucana, com velas, fitilhos e flores dedicadas à padroeira afetiva do Recife, durante os 11 dias oficiais da 118ª festa, que tem como tema "Com a Imaculada Conceição do Morro, caminhar juntos: em Comunhão, Participação e Missão".
A Festa do Morro teve origem a partir da comemoração do cinquentenário do dogma da Imaculada Conceição, instituído pelo Papa Pio IX, em 1854. No dia 8 de dezembro de 1904, foi inaugurado o monumento com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, pelo então bispo de Olinda, Dom Luiz Raymundo da Silva Britto. A partir desse dia, o Morro da Boa Vista ou Morro dos Oiteiros passou a ser denominado definitivamente como o Morro da Conceição.
No Morro, Conceição é mais que religião. Ali, as pastorais sociais da igreja e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), opositoras à ditadura militar e lideradas pelo então Arcebispo Dom Helder Câmara junto a padres ligados à Teologia da Libertação, como Reginaldo Veloso, ajudaram a emancipar aquela comunidade e fazê-la lutar por direitos básicos. Todos os anos, com a chegada da festa, a comunidade inteira se enfeita e gira em torno dela - mesmo entre os não praticantes da religião.
Independente de como cada devoto escolhe pagar as promessas, de bengala, de joelhos ou se arrastando, uma multidão de azul celeste e branco, cores que representam a Virgem, vai de encontro ao Santuário - em uma das mais tradicionais representações de fé na cidade, que perpassa gerações e proporciona o encontro de diferentes classes sociais, culturas e raças.
Em 2021, o padre Pedro Luís dos Santos contou como a saudade de um ente querido que se foi pela pandemia da covid-19 foi a marca da festa, com o luto sendo acrescentado aos pedidos tradicionais. Neste ano, predomina o agradecimento. “Mudou. Ouço muitos agradecimentos de pessoas que não conseguiam engravidar e conseguiram ou apenas por estarem vivas.
A família de Wendrel Matheus, de apenas 10 meses, é uma dessas - foi aos pés da Santa após ter tido as preces ouvidas. Com três meses, o pequeno teve bronquiolite, uma inflamação aguda nos pulmões que o levou a ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A avó, Maria José Sales pediu a Nossa Senhora pela recuperação do neto. “Pedia para ficar bom e sair do hospital”, disse.
Uma semana e um dia depois, o bebê estava em casa. Os pais, Weslene Priscila, 20, e André Luiz, 20, tornaram-se devotos ao verem o milagre acontecer e fizeram questão de ir até a Festa. “Foi um aperreio, muito desespero e choro, mas graças a Deus ele o ajudou”, disseram os pais.
Nascida e criada no Morro, Maria das Graças Paiva, 75, sempre teve proximidade com a celebração e com a Santa. A herança de fé da família, entretanto, não a tornou uma devota, mas sim uma graça alcançada em 2014, quando viu os netos, que são irmãos, se resolverem após uma séria briga familiar.
“Me ajoelhei e implorei para ela. Hoje em dia, o que apanhou é crente, tem três filhos, e o outro é católico, e se falam normalmente. Ela é maravilhosa. A gente pede com fé e confiança e ela, junto ao filho, faz com muito amor”, afirmou. Hoje, pede apenas para “ser feliz”.
Desde a realização do pedido, serve na Igreja religiosamente, sobretudo na Festa do Morro. “É muito bom, fico muito feliz. Venho todo dia fazer a coleta das ofertas. Tenho artrose, mas tomo um remédio e subo as ladeiras. Se a dor atacar, tomo de novo; mas não deixo de vir.”
Ela é um dos 850 voluntários, pertencentes a movimentos religiosos ligados à Arquidiocese de Olinda e Recife, que foram capacitados para atender o público. Sem ganhar nada em troca, servem dia e noite na Igreja; seja tirando dúvidas, vendendo produtos e ajudando na organização do evento.
Essenciais para receber as cerca de 1,5 milhão de pessoas esperadas, segundo o padre Pedro Luis dos Santos, até 8 de dezembro, dia dedicado à Imaculada Conceição. “Esperamos uma grande participação, e já percebemos que haverá pela quantidade de gente que está aqui. Vamos ter muita oração, muito louvor, muita devoção, muita benção de Deus derramada na vida das pessoas.”
Benção que dona Tereza Batista, de 95 anos, faz questão de vir receber anualmente, mesmo hoje tendo dificuldades de mobilidade, dependendo de uma cadeira de rodas. “Minha mãe era devota de Conceição e quando me formei ela veio aqui mostrar o diploma a ela. Já alcancei muitas graças e promessas, mas a maior foi minha formatura em Pedagogia”, contou.
O amor pela Virgem Maria foi repassado para a filha, que comprou mais de 30 fitilhos, um com um pedido para cada membro da família e vizinhos. “Acostumei a acompanhar ela e sempre estou com ela aqui, então já me dediquei à Conceição. Consegui vários milagres. Hoje vim agradecer por estar viva e ter saúde, por ter passado por uma pandemia terrível”, revelou a aposentada Célia Batista, 63, cujo os pedidos estão reservados à intimidade que cultivou com a Mãe.
Programação da Festa do Morro 2022
O dia de Nossa Senhora da Conceição será marcado, neste ano, pela volta da procissão de encerramento. A imagem da Santa terá concentração a partir das 15h, com saída às 16h, da Prefeitura do Recife, no Cais do Apolo, em direção a Praça do Morro da Conceição, local onde será realizada a Solene Celebração de Encerramento do festejo.
O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, será o presidente da cerimônia, com previsão de início às 19h30.
Ainda, serão celebradas as tradicionais Santas Missas de hora em hora no palco montado na praça em frente à torre da Igreja, com início à 0h. As demais celebrações serão realizadas às 2h, 4h, 6h, 8h, 10h, 12h, 12h, 14h e 16h. Dentro do Santuário, a primeira Santa Missa vai ser celebrada à 1h, e as demais às 3h, 5h, 7h, 9h, 11h, 13h e 15h.
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