CHUVAS EM PERNAMBUCO

Chuva desta segunda foi a terceira maior da história para um mês de fevereiro em Pernambuco, diz Inmet

Meteorologista Flaviano Fernandes explicou que as chuvas se devem à junção de dois fenômenos climáticos

Imagem do autor
Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 06/02/2023 às 16:36 | Atualizado em 06/02/2023 às 18:46
Notícia
X

Em colaboração com Natália Ribeiro, da Rádio Jornal

Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) afirmou que a chuva desta segunda-feira (6) foi a terceira maior em Pernambuco no mês de fevereiro desde o início da série histórica, em 1961.

O órgão federal contabilizou que precipitou 122,4 mm em um dia - quase o esperado para todo o mês, que chove em média 127 mm.

Em entrevista à Rádio Jornal, o meteorologista Flaviano Fernandes explicou que as chuvas se devem à junção de dois fenômenos climáticos, o La Niña - resfriamento das águas do Oceano Pacífico - e o aquecimento das águas do Oceano Atlântico.

"Essa junção faz com que ocorram mais chuvas no litoral e na região semiárida", comentou.

Ele relembrou que o Recife é considerada uma das cidades brasileiras mais suscetíveis a consequências pelas mudanças climáticas - uma tendência mundial.

"O Recife é hoje considerado uma das principais cidades brasileiras a ter consequências das mudanças climáticas, porque está rodeado de morros, há muitas moradias em áreas inadequadas, o que faz com que, quando as chuvas chegam, ocasione deslizamentos de morros, alagamentos", disse.

"A tendência é que ocorra cada vez enchentes e secas prolongadas nos lugares mais secos mais devido às mudanças climáticas que o planeta está passando", alertou.

A expectativa, segundo Flaviano, é que as chuvas no Nordeste sejam de normal a acima do normal pelos próximos três meses e pede que a população acredite na meteorologia.

"Quando tem previsão, principalmente, de chuvas muito intensas, é preciso ficar atento, porque é muito raro errar. Podemos errar as fracas, mas as muito intensas sabemos com pelo menos um dia de antecedência que vai cair." 

DESLIZAMENTOU CAUSOU MORTE EM OLINDA

Quando a chuva começou a cair na madrugada desta segunda-feira (6), o rodoviário Dângelo Cordeiro já iniciou a operação padrão na casa onde vive, que fica em uma área de risco em Olinda. Abriu todas as portas e desocupou os quartos mais próximos à barreira, para, caso algo acontecesse, desse tempo de correr.

"Tentamos dormir numa área distante da barreira em casa, porque quando deslizar, não vamos ser tão afetados e vai dar tempo de nós sairmos", narrou ele sobre a ação de quem já sabe o que está por vir e que há anos se prepara para o pior.

Por volta das 7h45, no bairro onde mora, em Águas Compridas, a má expectativa se concretizou. O barro caiu sobre duas casas e matou Israel Campelo, 19 anos, soterrado. Outras cinco pessoas também foram engolidas pelo material, mas foram socorridas com vida - entre elas, três da família do jovem.

"Eu estava dentro de casa quando a barreira caiu de repente, foi rápido. A grade caiu em mim. Estava eu e meus filhos. Eu o chamei, mas ele ficou dormindo", contou a mãe de Israel, Judite Soares dos Santos, aos prantos. Ela teve a cabeça ferida pela queda da grade.

Círio Gomes/JC Imagem
Nervosa, dona Judite chora a morte do filho - Círio Gomes/JC Imagem

O socorro veio, inicialmente, através da população. O motorista Antônio Souza, 45, foi um dos primeiros a chegar no local. Ele contou que o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) chegou cerca de 50 minutos depois e a Defesa Civil de Olinda após duas horas.

"Fui assim que escutei o estrondo", afirmou ele, que disse ter visto cenas horríveis das vítimas machucadas. Apesar da casa onde vive não oferecer risco, de acordo com ele, o motorista já fica de prontidão sempre que a chuva inicia."

Segundo Dângelo, Israel trabalhava entregando água, gás de cozinha e açaí, ajudando a família financeiramente. "Era um rapaz muito esforçado", comentou. Segundo ele, a mãe da vítima já havia falado que iria sair do local, mas ainda não tinha conseguido dinheiro para fazer a mudança.

VÁRIOS DESLIZAMENTOS NA MESMA BARREIRA

O incidente não foi isolado - a mesma barreira que vitimou o jovem tem um histórico de acidentes e mortes recentes. O próprio Antônio foi vítima - já teve a cozinha destruída por parte do morro anos atrás. Mesmo assim, o alto nível de risco não foi resolvido no local e deixou, mais uma vez, pessoas soterradas.

A reportagem do JC identificou que, na mesma Rua Seis de Janeiro, no Bairro de Águas Compridas, uma casa foi destruída pelo barro em 14 de maio de 2021.

Em 30 de maio de 2016, Alexandra de Moraes, 36 anos, e João Victor de Moraes, de 7 anos, mãe e filho, além da sobrinha Bárbara de Moraes, 23 anos, morreram após serem vítimas da mesma barreira, que fica na Rua do Amanhecer, ao lado da Seis de Janeiro. Outras duas filhas de Alexandra, Débora e Adrielly, foram resgatadas com vida pelos vizinhos.

Moradora da região desde que nasceu, a empresária Thalita Nascimento, de 34 anos, relata que esta é uma "tragédia anunciada", que se repete todos os anos. "No inverno já é certo acontecer - anualmente, com morte. Desde que sou criança vejo isso. Quando acontecem essas chuvas, ainda fora de época, piora. Ano passado teve morte", contou.

Antônio diz que Águas Compridas é "esquecida pelo poder público" e que "já perdeu as contas de quantas vezes viu deslizamentos acontecerem. "Tem que ter uma fiscalização do poder público para retirar o pessoal", cobrou.

Círio Gomes/JC Imagem
Deslizamento de barreira na manhã de ontem em Águas Compridas, Olinda, deixou uma pessoa morta sob os escombros - Círio Gomes/JC Imagem
Círio Gomes/JC Imagem
Deslizamento de barreira em Águas Compridas, Olinda, não foi um fato isolado, já tendo acontecido outras vezes - Círio Gomes/JC Imagem
Círio Gomes/JC Imagem
Deslizamento de barreira em Águas Compridas, Olinda - Círio Gomes/JC Imagem
Círio Gomes/JC Imagem
Deslizamento de barreira em Águas Compridas, Olinda - Círio Gomes/JC Imagem

POPULAÇÃO DENUNCIA DESCASO

O que surpreendeu a Dângelo foi o caso ter acontecido em fevereiro, e não no inverno, com de costume. "Ninguém esperava isso ainda no verão. Foi uma porção de barro que se deslocou e passou por cima da casa, não ficou nada. Desmontou a casa como se fosse isopor. Foi aterrorizante. Tinham muitas pessoas desesperadas no local", disse.

Segundo Thalita, a única ação que vê sendo feita pelo poder público é a colocação de lonas plásticas para evitar as quedas de barreira. A medida emergencial, contudo, não evita os deslizamentos - a barreira que caiu nesta segunda, por exemplo, estava com o material.

"Tem lona, mas nesse local a lona não faz mais efeito. A resposta que dão é sempre essa, e já depois do acontecido", afirmou. Além dos deslizamentos, a comunidade também sofre com alagamentos - que já atingiram a família de Thalita. "Nunca tive vítimas fatais na família, mas já perderam tudo da casa."

SECRETÁRIO CRITICA MORADORES

Após a confirmação da morte, o posicionamento do secretário de Defesa Civil de Olinda, Irapoan Muniz, foi de que é "lamentável" que as pessoas estavam morando no local. "É lamentável. As pessoas resistem em sair dos morros", disse ele, durante entrevista na manhã desta segunda-feira (6).

Segundo Irapoan, as casas havia sido interditadas no último inverno na cidade, que deixou seis mortos, e que os moradores retornaram ao local. Ainda, alegou que a Defesa Civil monitorava o local - mesmo a matriarca da família tendo afirmado que já morava ali há 2 anos.

"Mais lamentável ainda é que desde o quadro invernoso do ano passado, as casas estavam interditadas. As pessoas que habitavam na época entraram em todos os auxílios sociais e venderam, alugaram. De lá até hoje, a prefeitura não parou de trabalhar. estamos com várias obras em processo final de licitação. Essa área vai ser contemplada com aplicação de geomanta neste mês", disse o secretário.

Ele não explicou as medidas da prefeitura para retirar as pessoas do local, já que se tratava de uma área de risco e que tinha sido interditada para moradia no ano passado.

Ao ser informado por uma repórter que a mulher fazia economias para conseguir sair da área de risco, e que ela não queria morar ali, o secretário alegou que "ainda bem que não foi ela que morreu" - ainda que ela tenha perdido um filho.

DÉFICIT HABITACIONAL EM PERNAMBUCO

A moradia em área de risco é um grave problema em Pernambuco e não depende apenas da vontade da população em deixar o local. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, havia mais de 2 mil delas nos municípios monitorados no Estado.

Isso coloca Pernambuco como o segundo com maiores quantidades e percentual de população vivendo nessas condições do Nordeste - atrás apenas da Bahia - com quase 830 mil moradores.

Somado ao alto déficit habitacional de Pernambuco, a população residente - em sua maioria, pobre - fica exposta a fenômenos meteorológicos, que têm sido cada vez mais extremos devido ao aumento da temperatura do planeta e à má urbanização desses locais.

A ONG Habitat pela Humanidade Brasil pede que ações sejam tomadas "com seriedade e urgência, respeitando os direitos à moradia e à cidade dos impactados", a fim de não ter "mais um período chuvoso contando mortes que poderiam ter sido evitadas".

"Em oito meses, muito pouco foi feito pelo poder público para mitigar os riscos da chuva. Famílias afetadas pelas chuvas do ano passado, diante da falta de resposta do poder público, retornaram para imóveis em risco e, mais uma vez, enfrentam o perigo causado pelos desastres naturais."

RESPOSTA DA PREFEITURA DE OLINDA

Em 2022, Pernambuco computou 133 vítimas em decorrência das chuvas - a maioria por deslizamentos de barreira. Só no Grande Recife, foram 129 pessoas que morreram soterradas ou afogadas. Do total, seis vítimas eram de Olinda. Uma morreu em Águas Compridas, duas no Córrego do Abacaxi, duas em Peixinhos e uma em Santa Tereza.

A Operação Inverno de Olinda seria divulgada em março de 2023, detalhando as ações que serão tomadas para evitar desastres.

Por nota, a Prefeitura de Olinda informou que cinco pontos da Rua 6 de janeiro terão aplicação de geomanta, cujo processo de licitação está seguindo o rito dos prazos legais e a previsão de término é no final deste mês. "Outras obras de contenção de encostas estão previstas para serem iniciadas ainda esta semana, com a construção de muros de arrimo", disse.

A gestão municipal alegou também que não foram registradas outras movimentações de barreira por conta das chuvas desta madrugada na cidade.

Por último, que a Defesa Civil de Olinda mantém 30 pessoas nas ruas fazendo monitoramento preventivo nos pontos mais críticos da cidade. Cerca de 50% da população de Olinda reside nos morros. Desde o ano passado, mais de 50 famílias foram removidas de áreas de risco na cidade.

Tags

Autor