DESABAMENTO EM OLINDA

Mais um prédio é demolido em Olinda após mortes por desabamento

Conjunto de 110 edifícios estão condenados desde os anos 2000, mas demolições só foram iniciadas após tragédia em um deles, o Edifício Leme

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 04/05/2023 às 9:53 | Atualizado em 04/05/2023 às 17:13
JAILTON JR./JC IMAGEM
Estrutura do Edifício Marquês Felipe, em Olinda, ameaça cair - FOTO: JAILTON JR./JC IMAGEM

Mais um prédio condenado começará a ser demolido em Olinda, nesta quinta-feira (4) - o Edifício Marquês de Felipe, localizado na Rua Professor Olímpio Magalhães, em Jardim Atlântico. A ação acontece após o desabamento parcial de parte de um edifícios condenados da cidade deixar seis mortos na última semana.

O serviço será feito pela Caixa Seguradora, responsável pelo imóvel, em cumprimento a uma ordem judicial, resultante de processo da Prefeitura de Olinda, para que assuma a devida responsabilidade sobre a construção. A Defesa Civil dará apoio no local.

Assim como o Edifício Leme, cuja parte caiu na última quinta-feira (27), o Marquês também estava condenado desde os anos 2000; mas ambos nunca haviam sido derrubados e, então, foram invadidos por famílias em vulnerabilidade social. 

“A solução, necessariamente, passa pela demolição de edificações como essa, completamente precárias e com risco à integridade física e à vida das pessoas. Como administrativamente o município não consegue ordenar os responsáveis a promoverem a demolição, isso está sendo feito através da via judicial”, disse o procurador-geral de Olinda, Rafael Carneiro Leão.

Outros 50 prédios, segundo a Prefeitura de Olinda, precisam ser demolidos com urgência. O serviço precisa ser feito pela seguradora, que informou estar "atuando de forma proativa, mas dentro dos limites dos processos judiciais, para, onde for apontado por laudos técnicos risco de desabamento e ocupação irregular, possa ser emitida uma ordem judicial para desocupação e demolição desses imóveis".

Ela enviou um advogado para acompanhar o serviço e deixou seguranças para evitar uma nova ocupação até que a demolição seja concluída.

"Sempre que recebe uma determinação da autoridade pública competente, a seguradora cumpre nos estritos termos dessa decisão. Ou, dependendo da situação (em que pode não ser a parte responsável), recorre ao Judiciário para que a parte legítima possa atuar de forma efetiva", alegou a seguradora.

Ao todo, Olinda tem 110 prédios condenados que precisam ser demolidos. O gerente de integração e excelência do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE), Ivan Carlos Cunha, explicou que cada um tem o risco apontado por um motivo diferente, mas que sempre vem de falhas construtivas, mau uso ou de falta de manutenção.

"Quem está na edificação precisa estar atento aos sinais que a edificação dá, como uma janela que emperra ou rachadura que começa a crescer, e chamar um profissional para apontar o nível de risco", orientou o especialista.

O órgão vem, através do Fórum de Manutenção Predial, prestando assistência ao poder público sobre como as inspeções e manutenções de edificações devem ser feitas, e deve propor, ainda no próximo mês, uma atualização da lei estadual de nº 13.032, que trata da manutenção predial.

CONSTRUÇÃO EM PÉSSIMO ESTADO

A reportagem do JC visitou o prédio na última sexta-feira (28) e constatou o péssimo estado do imóvel e o abandono de seus moradores. Nele, não havia sequer grades bloqueando a entrada, e as janelas do imóveis e as antigas varandas foram fechadas por tapumes improvisados e tijolos. Nesse espaço, moram sete famílias com quatro crianças.

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Catadores Jucilene Conceição, 50, e Gilvan Pereira, 27, viviam nas ruas de Olinda antes de ocupar o prédio condenado - JAILTON JR./JC IMAGEM

A catadora Jucilene Conceição, de 50 anos, era uma das residentes. Apesar do estado insalubre do prédio, ela tentava esconder as ruínas com arte - ao desenhar corações coloridos nos corredores do apartamento que ocupa. 

Antes de entrar no prédio, ela morou nas ruas durante quatro anos. “Aqui, fico mais à vontade, porque é perigoso ficar na rua. Mas dá medo de morar aqui. Quando chove, a água escorre pelo telhado”, relatou.

“A casa agora é sua” - dizia a camiseta que, por acaso, o marido de Jucilene, o também catador Gilvan Pereira, de 27 anos, estava usando na manhã desta sexta-feira (28). Mas ele jamais teve uma. Onde estava, não tinha água encanada, o que o fazia transportar baldes dia e noite para realizar atividades básicas, como cozinhar e tomar banho.

Parte do revestimento de gesso do banheiro da vizinha, Janaina da Silva, 42, desabou há algumas semanas. Por sorte, ninguém estava nele. A cozinha está completamente infiltrada: desde o teto, até as paredes. Também é difícil manter a limpeza, com ratos subindo pelas escadas. “A gente quer um auxílio para sair daqui”, pediu.

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Parte do teto do banheiro de Janaina da Silva, 42, desabou - JAILTON JR./JC IMAGEM
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Janaina da Silva, 42, é uma das ocupantes de edifícios condenados em Olinda - JAILTON JR./JC IMAGEM

São pessoas sem uma renda fixa, que vivem da reciclagem e que não tem para onde ir. Mesmo assim, não têm recebido qualquer solução habitacional do poder público para que não voltem a morar em locais de risco. 

“A gente sabia [que podia desabar], mas não temos condições de pagar aluguel, não encontramos ajuda de ninguém, então invadimos aqui. Agora que vamos precisar de ajuda. Não tenho para onde ir, vou ter que arrumar um canto para botar as minhas coisas”, disse a catadora Roseli Bernardo.

 

FALTA DE SOLUÇÃO HABITACIONAL

A Prefeitura de Olinda afirmou que uma equipe da assistência social irá ao local para "atender as famílias ocupantes".

Contudo, os ex-moradores do Leme, de um dos blocos do Conjunto Habitacional Juscelino Kubitschek, que foi desocupado nessa quarta (3), e do Marquês estão saindo dos locais sem garantia de ao menos um auxílio-moradia para ajudá-los a recomeçar a vida.

A situação é denunciada em protesto marcado também para esta quinta pelo Movimento Nacional de Luta Por Moradia (MNLM)Organização E Luta dos Movimentos Populares de Pernambuco (OLMP), em conjunto com famílias que moram de forma precária em diversos prédios de Olinda.

O coordenador do MNLM, Paulo André, salienta que acompanha há mais de três anos a luta das famílias em prédios sob risco de desabamentos e que não compactua com ocupações nessas áreas. Contudo, "as famílias estão medo de serem despejadas, sem nenhum apoio da gestão".

"Os moradores foram desprezados pelos poderes públicos municipais e estaduais, como também pelas empresas seguradoras vinculadas à Caixa Econômica Federal, responsáveis pela segurança interna e externa dos prédios, de coibir ocupações irregulares, efetuar pagamento da posse de seguro e demolição dos prédios", disse.

"Estamos vivendo, um verdadeiro caos, por conta de ausência de política habitacional, falta de decisão política da prefeitura de Olinda e do governo do Estado, além da omissão das empresas seguradoras dos prédios com risco de desabamentos” , ressaltou Carla Eduarda, Dirigente Nacional do MNLM.

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