"É um mito falar que Recife tem 60m² de áreas verdes por habitante", rebate especialista
Pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE) pontua que maior parte do "verde" da cidade não é acessível à toda população
No ano passado, a Prefeitura do Recife ostentou o título de ser a 2ª capital com mais áreas verdes urbanas do País, segundo ranking divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente. Contudo, a falta de acesso da maior parte da população a espaços arborizados torna falacioso o dado de que há 60 m² por habitante na cidade - é o que defende pesquisador de Pernambuco sobre o assunto.
“É um mito que Recife tenha tantos hectares por habitante. Estatisticamente, não é errado. Mas é falacioso dizer que todas as pessoas estão próximas, de fato, a essas áreas e que as utilizam. Elas existem, mas não são acessíveis”, pontuou o professor Anselmo Bezerra no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE).
“Temos áreas verdes consideráveis na cidade, mas parte dela está concentrada em determinados territórios - como na Várzea, à Oeste, no Sítio dos Pintos ou na Guabiraba, na Zona Norte, ou manguezais da Zona Sul”, continuou o especialista em gestão ambiental, sustentabilidade urbana e geografia do IFPE.
Isso porque a capital pernambucana possui 25 Unidades de Conservação da Natureza (UCNs), que somam mais de 7 mil hectares. Contudo - ao contrário do Jardim Botânico do Recife, no Curado, na Zona Oeste - a maior parte não é acessível à população. Assim, existem, mas não se integram à dinâmica urbana da cidade.
“Temos uma escassez de equipamentos públicos acessíveis com vegetação nas áreas menos nobres da cidade, com população de menor renda, de predominância de raça preta e parda, que é um pouco do retrato da desigualdade da cidade”, pontuou o pesquisador.
É essencial pontuar que áreas verdes não estão somente ligadas ao lazer nas cidades, mas à qualidade de vida. Um estudo do Instituto de Saúde Global Barcelona (ISGlobal) publicado neste ano pela revista médica Lancet indicou que dobrar a área verde de cidades reduziria as mortes por calor extremo em mais de um terço.
É justamente a arborização que diminui o efeito chamado de "ilha de calor urbana" - provocado pela substituição da vegetação natural por asfalto e concreto, como comumente ocorre nas cidades.
Já um trabalho da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) demonstrou como os moradores de áreas próximas aos parques, praças ou reservas naturais tinham menos pretensão a desenvolver estresse, ansiedade e depressão. Ainda, que o benefício crescia entre indivíduos de baixa renda.
INACESSIBILIDADE AO VERDE
No entanto, essa não é uma realidade acessível para todos no Recife. Um estudo de Anselmo junto ao também professor do IFPE, Carlos Eduardo Menezes Silva, analisou nove parques do Recife. A pesquisa mostrou que oito deles ficavam em áreas de alto índice de desenvolvimento humano (IDH) e onde residiam mais pessoas brancas. Nas periferias, faltavam espaços do tipo.
A advogada e mestre em desenvolvimento urbano, Juliane Lima, interessou-se pela temática ao trabalhar em um projeto de esporte e lazer da Prefeitura. Pela própria experiência, viu a dificuldade que comunidades do Arruda e do Alto Santa Terezinha tinham em encontrar espaços para fazer as atividades.
“A ideia era realizá-las nas praças, mas não tinha. A gente fazia no quintal de uma, na casa ou no terraço da outra. Dificultava porque nem sempre tinham casas disponíveis”, disse ela. “Comecei a perceber que lutavam para ter qualidade de vida, isso não era oferecido pelo Estado, e a me perguntar: se aqui não tem parque, onde tem parque?”.
Ela elencou que essa dinâmica faz parte do chamado racismo ambiental. O conceito, criado na década de 80 nos Estados Unidos, manifesta-se na carência da infraestrutura oferecida às zonas mais pobres e negras da cidade.
“Dificulta-se o acesso e prejudica a qualidade de vida. As pessoas deixam de praticar atividades físicas que fazem bem para a mente e para o corpo. Faz com que reduzam a perspectiva de vida, ficam mais propensas a ter doenças. O acesso ao brincar para as crianças é super importante para desenvolvimento físico e intelectual e as consequências dessa falta são o ócio e a marginalidade”, colocou.
Um exemplo é o Parque do Jiquiá, uma área de 32,4 hectares na Zona Oeste do Recife que definha. Seu único atrativo, a Torre do Zeppelin - primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul - não ganha o destaque que deveria ter pela sua relevância histórica. Além da sede do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), há somente lixo espalhado.
Ao redor, a população sente a falta desse espaço. "Aqui é rejeitado. Infelizmente, aqui o povo é de classe baixa. O estado não procura ajudar a população. Quando preciso levar minha filha para brincar, tenho que levar na praça de outro bairro", disse o pedreiro Antônio Carlos Ferreira, de 59 anos.
O QUE DIZ A PREFEITURA DO RECIFE
Por nota, a Prefeitura do Recife negou que privilegie áreas nobres, afirmando que a cidade possui um total de 660 áreas verdes, entre praças, parques e refúgios distribuídas por todas as Regiões Político-Administrativas da cidade.
"Apenas nos últimos dois anos, a Prefeitura requalificou 90 praças em toda a cidade, e já entregou duas de um total de 11 Praças da Infância e ganhará mais uma no próximo final de semana, no bairro de San Martin. Além do Parque Eduardo Campos, recém-anunciado, a cidade ainda ganhará um parque Alagável às margens do Tejipió, entre os bairros de Areias e Ipsep e mais um parque linear às margens do rio Pina, área atualmente ocupada por moradias vulneráveis da ZEIS Encanta Moça/ Pina".