Áreas de lazer do Recife privilegiam população mais rica e branca, mostram dados
Oito parques da capital pernambucana analisados por pesquisadores estão localizados em áreas nobres. Ainda, levantamento mostra que a cidade tem 19 bairros sem nenhum parque ou praça
A desigualdade socioeconômica histórica do Recife também está expressa no acesso ao lazer. Dados mostram que parques e praças da capital pernambucana são mal distribuídos, estando mais presentes em áreas onde prevalece a população de alta renda e de raça branca. Já os locais que fogem à essa regra muitas vezes sofrem com a falta de manutenção e o abandono.
Uma pesquisa ainda não publicada do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), a qual o JC teve acesso com exclusividade, analisou nove parques urbanos do Recife: Dona Lindu; Santos Dumont; Lagoa do Araçá, na Zona Sul da cidade; Jaqueira, Trindade; Santana, Caiara e Macaxeira, na Zona Norte, e o 13 de Maio, no Centro.
Desses, oito estão concentrados justamente nas áreas com maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) da capital. A única exceção foi o Parque da Macaxeira, na Zona Norte, inaugurado em 2013 pelo governador Eduardo Campos (PSB).
Como o IDH é mais baixo em bairros predominantemente negros, consequentemente foi constatado que as pessoas pretas (75%), pardas (70%) e indígenas (67%) percorrem maiores distâncias para acessar os parques urbanos da cidade em comparação às pessoas autodeclaradas brancas (54%).
“Esses resultados corroboram com a maior parte dos estudos sobre justiça ambiental e socioespacial no que se refere ao acesso a parques urbanos em cidades situadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento”, explicaram os professores Anselmo Bezerra e Carlos Eduardo Menezes Silva, autores do estudo.
“Observa-se que as populações de maior renda e escolaridade estão mais próximas desses equipamentos coletivos de promoção do lazer e bem estar”, continuaram.
Os pesquisadores relatam que, inicialmente, tais espaços foram sendo construídos nas áreas mais povoadas na cidade - como o Parque 13 de Maio, na Boa Vista, o primeiro a ser inaugurado, em 1939, e se perpetuou a lógica de privilegiar espaços mais valorizados.
“Olhando para o processo histórico, as áreas que foram objeto inicial da promoção dos parques públicos acessíveis foram áreas formadas, consolidadas e melhor servidas por serviços públicos na cidade - asfalto, iluminação, transporte público. Esse modelo é de desigualdade de acesso”, pontuou Anselmo.
O estudo trouxe que, na maioria desses espaços, boa ou a maior parte dos frequentadores mora a mais de 1,6 mil metros dele. Ou seja: quem não vive nas proximidades não deixa de utilizá-los, mas precisa percorrer, por vezes, longas distâncias para ter acesso.
“Isso parece ressaltar a ausência de outras opções de espaços de lazer e prática esportiva distribuídas pela cidade. Dessa forma pessoas com menores condições socioeconômicas realizam deslocamento maiores para utilizar os parques urbanos como uma opção de lazer gratuita”, concluíram.
A arquiteta e urbanista Ana Rita Sá Carneiro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta que há, de fato, uma tendência do poder público atender à população de média e alta renda. Contudo, lembrou que hoje essa é uma lógica difícil de ser alterada, já que as periferias estão urbanizadas.
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“As áreas menos favorecidas, mais pobres, já têm um problema, que é a alta densidade de construção. Não tem áreas livres. Nos morros é mais difícil. A questão da geografia da cidade restringe muito”, disse.
Em relação a parques, a gestão João Campos (PSB) entregou, nos últimos três anos, somente o das Graças, no bairro homônimo, na Zona Norte da capital, localização privilegiada da cidade. Mas, até 2024, promete construir o Parque Público Eduardo Campos, no terreno do antigo Aeroclube, no Pina, que de fato atenderá à população mais pobre das redondezas.
SEM PARQUES, NEM PRAÇAS
A regra permanece quando as praças entram nas estatísticas. De acordo com dados da própria Prefeitura do Recife, 19 dos 94 bairros da cidade não possuem nenhum parque ou praça. Desses, apenas dois são considerados "nobres": Espinheiro, na Zona Norte, e a Ilha do Retiro, na Zona Oeste.
No primeiro caso, os moradores levam entre 15 e 25 minutos para chegar até as áreas verdes mais próximas. Já o segundo fica de frente a uma Unidade de Preservação (UP), mas sem atrativos para permanência na área arborizada.
Vale lembrar que há a possibilidade de acesso a equipamentos próximos em áreas de fronteira, mas essa estatística significa que 183,8 mil habitantes não possuem acesso a uma área de convivência no próprio bairro. O número de habitantes é do Censo de 2010, visto que ainda não foram divulgadas as particularidades por bairro do Censo de 2022.
A regra da falta é nos bairros pobres, com renda média de até R$ 2 mil. Um exemplo é Brasília Teimosa, na Zona Sul, que precisaria caminhar mais de 1h para chegar até o Parque Dona Lindu, em Boa Viagem. Em breve, esse percurso será encurtado para cerca de 40 minutos, quando o Parque Público Eduardo Campos for entregue no Pina - mas ainda não há previsão de espaços do tipo em Brasília.
“É muito distante, não dá para ir a pé com criança”, opinou o comunicador popular do bairro, Israel Uçá, de 46 anos. Ele conta que os pequenos ficam ociosos na comunidade, que tem somente um pequeno espaço público - não listado pela Prefeitura - na orla da Praia. “Pedimos uma reforma na praça em 2018, mas nunca foi feito nada”, disse.
Nos dez bairros mais rico do Recife, há uma média de 5,79% de área preenchida por esses equipamentos. Nos dez mais pobres, a porcentagem cai para 1,72%.
Quatro dos cinco bairros com maior percentual de área verde em relação à sua extensão tem moradores com um rendimento médio acima de R$ 6 mil, de acordo com o Censo de 2010. Em primeiro lugar, está o da Jaqueira, cujos moradores recebiam, em média R$ 11 mil - sendo o bairro mais rico do Recife.
Justamente no único bairro com o rendimento mais baixo (R$ 1,7 mil) entre esses cinco, o Jiquiá, na Zona Oeste na cidade, a população sofre com o descaso. Ele é o segundo bairro com o maior percentual - posição ganha por contar com o Parque do Zepelim, que mal é acessado pela população em seus arredores por não contar com qualquer atrativo além da própria torre.
O QUE DIZ A PREFEITURA DO RECIFE
Por nota, a Prefeitura do Recife negou que privilegie áreas nobres, afirmando que a cidade possui um total de 660 áreas verdes, entre praças, parques e refúgios distribuídas por todas as Regiões Político-Administrativas da cidade.
"Apenas nos últimos dois anos, a Prefeitura requalificou 90 praças em toda a cidade, e já entregou duas de um total de 11 Praças da Infância e ganhará mais uma no próximo final de semana, no bairro de San Martin. Além do Parque Eduardo Campos, recém-anunciado, a cidade ainda ganhará um parque Alagável às margens do Tejipió, entre os bairros de Areias e Ipsep e mais um parque linear às margens do rio Pina, área atualmente ocupada por moradias vulneráveis da ZEIS Encanta Moça/ Pina".
Ainda, enviou uma errata com 19 praças que não haviam sido incluídas pela própria Prefeitura do Recife na listagem solicitada pelo JC via Lei de Acesso à Informação para elaboração desta reportagem.