EDIFÍCIO HOLIDAY

UPE doa projetos de recuperação para o Edifício Holiday, que esbarra na falta de financiamento e diálogo

Grupo de Trabalho (GT) Holiday tenta reverter decisão judicial que marcou leilão do prédio para março deste ano. Ainda, busca financiamento para retirar projetos do papel

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Katarina Moraes

Publicado em 29/01/2024 às 18:23 | Atualizado em 30/01/2024 às 11:18
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Arquitetos e urbanistas, engenheiros, universidades, ex-moradores e entidades somam forças com o objetivo de devolver vida ao Edifício Holiday — símbolo modernista do Recife que teve o leilão marcado após quase 4 anos de interdição. Com projetos de recuperação estrutural em mãos, o grupo esbarra, agora, na falta de financiamento e de diálogo com a Justiça.

Os 476 apartamentos do imóvel, localizado em Boa Viagem, Zona Sul da cidade, foram esvaziados em 2019 pelo risco de incêndio no prédio devido à precariedade de suas instalações elétricas e falta de recursos para restaurá-las, já que ele enfrentava uma inadimplência mensal de mais de 60%. Como o Holiday é privado, seus moradores, maioria de baixa renda, foram expulsos de casa sem ajuda.

O fator social, junto à importância histórica do prédio, tocou professores e estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE), que ultrapassaram as barreiras acadêmicas e entregaram, gratuitamente, projetos completos de recuperação elétrica e estrutural para o prédio. A estimativa é que, se fosse contratado, o trabalho teria um custo acima de R$ 500 mil.

“Fizemos gratuitamente porque é um trabalho para uma comunidade que precisa. Acredito que a universidade tem que sair das 4 paredes. Sempre sonhei em fazer isso e fomos em frente”, disse o professor e engenheiro elétrico Antônio Gonçalves, que coordenou um projeto elétrico feito por nove estudantes do curso de extensão da instituição.

O especialista explicou que o trabalho contempla todas as alterações necessárias para colocar o prédio dentro das normas atuais de segurança — exceto a fiação interna de cada apartamento, que teria de ser custeada pelos moradores. “Ele enterra todo o sistema velho e faz um novo dentro das normas, adaptado para hoje”, disse ele.

Apesar de não ter sido a causa da interdição, a reforma estrutural também foi alvo de estudos pela UPE. O projeto estrutural do Holiday foi encabeçado pelo engenheiro civil Sérgio Priori e coordenado pelo também engenheiro Stênio Cuentro, que garantiu: “foi um trabalho de muita qualidade e que garante que o prédio está estável. Mas é um senhor de 67 anos de idade que precisa de cuidados”, afirmou.

Para formulá-lo, foram feitas inspeções das fundações do prédio, todos os andares e apartamentos foram visitados e amostras do concreto foram coletadas para análises de laboratório — que contou com o apoio da empresa Tecomat Engenharia. Segundo ele, o principal problema encontrado foi a oxidação de alguns pilares. “Isso se resolve. Para estabelecer um paralelo, seria como um sinal na nossa pele”.

FALTA DE FINANCIAMENTO E DE DIÁLOGO

Além dos professores, participam do grupo de trabalho chamado GT Holiday outros especialistas como arquitetos e urbanistas e advogados, e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE). Eles têm buscado proteger o edifício de ser derrubado ou leiloado e devolvê-los aos seus antigos moradores — muitos deles pessoas de baixa renda —, mas enfrentam a falta de financiamento.

O leilão foi marcado pela Justiça para março de 2024 pelo então juiz do caso, Luiz Gomes da Rocha Neto, que se aposentou neste mês enquanto estava sendo investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por autopropaganda. Hoje, ele é pré-candidato a prefeito de Camaragibe, no Grande Recife.

Pela falta de síndico no prédio, o juiz nomeou um interventor para que representasse os moradores. Contudo, jamais houve diálogo entre eles, segundo denunciou o grupo. “Há uns 2 anos tentamos entrar no processo para prestar assistência técnica aos moradores e o juiz negou”, afirmou Stênio. “O administrador nunca procurou a gente nem para conversar. O leilão foi uma decisão completamente unilateral. Não foi democraticamente debatida.”

Ao JC, o juiz Luiz Rocha afirmou que não conhece o GT Holiday e que ele não faz parte do processo, o que impede que ele participe da discussão processual. “Conversei com o CREA em busca de uma solução, como recebi outras instituições, fizemos uma audiência pública a respeito disso. Todos os caminhos foram percorridos em busca de uma solução que atendesse de uma maneira humana e justa uma indenização ou conciliação para recuperação do prédio”, disse.

Já a Neoenergia explicou ao JC que somente consegue analisar e dar aval para o projeto elétrico se o interventor abrir um processo na empresa pedindo por isso — o que não aconteceu. Hoje, o grupo busca, junto à Caixa Econômica Federal, alternativas para tirar as reformas do papel, mas ainda não houve um retorno nesse sentido.

Nesse domingo (28), a advogada Mônica Gusmão entrou com um agravo de instrumento no nome de seis moradores para reverter a decisão que determinou o leilão. A peça ainda será analisada.

De toda forma, já foi determinada a realização de perícia técnica para avaliação do valor dos imóveis — o que pode adiar a data da venda do prédio. "Desta perícia, ainda cabe aprovação dos honorários periciais por parte dos proprietários, bem como do preço valorado dos imóveis após a avaliação. Caso não haja tempo hábil para a realização de todas as etapas previstas, a data para a realização do leilão judicial, 28 de março de 2024, poderá ser remarcada", disse o Tribunal de Justiça, por nota.

O FUTURO DO HOLIDAY

Apesar dos pedidos já feitos, o Holiday nunca ganhou uma proteção patrimonial. Não há, hoje, processos abertos de tombamento para o imóvel na Prefeitura do Recife, na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) ou no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Isso significa que, caso o leilão ocorra, ele poderá ser descaracterizado ou até mesmo demolido pelo comprador. “Temos visto estratégias para inviabilizar esse retorno [aos moradores] de modo a garantir que o prédio seja disponibilizado para o mercado econômico para se tornar o que não fazemos ideia do que", relatou a arquiteta Maria Clara Seabra, que participa do GT Holiday.

Contudo, para o arquiteto e urbanista Luiz Amorim, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não basta mantê-lo de pé; mas prezar, para além do cimento, pelas pessoas que nele moravam. “Se o leilão é feito e os moradores recebem um valor para investir em moradia em outro local, o problema é resolvido? Onde será esse local?”, questionou.

“Hoje, funciona como uma denúncia clara dos conflitos de acesso à moradia. é um monumento que incomoda muita gente porque demonstra, efetivamente na cidade, que temos de tratar do acesso à moradia em termos mais ampliados do que o que o mercado imobiliário nos oferece”, disse.

Morador do prédio por 30 anos, Renato Gomes, de 48 anos, viu a vida virar ao avesso quando precisou deixar o prédio. “Minha saída foi horrível, porque saí do que era meu, não devendo nada e agora estou pagando R$ 350 aluguel de um quartinho pequeno só para colocar minhas coisas e dormindo na casa da minha irmã”, afirmou.

Ele é uma das vozes contrárias ao leilão entre os ex-moradores e que agora faz parte do enorme déficit habitacional de Pernambuco. “Eu quero a restauração, não quero leilão. Porque comprei para morar. Não devo nada no meu apartamento”, disse.

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