"No Holiday, eu vivia. Hoje não vivo mais". Proprietários de icônico edifício do Recife ainda à espera de respostas
Enquanto destino do edifício que é considerado um marco arquitetônico moderno da capital pernambucana não é decidido, ex-moradores enfrentam batalhas para conseguir sobreviver sem qualquer indenização desde a expulsão
Um marco da arquitetura modernista que precisa ser preservado ou uma obsoleta construção em área nobre da cidade? Estas duas narrativas sobre o Edifício Holiday há anos brigam para predominar na decisão sobre seu destino. Só que para Maria de Lourdes Santos, de 70 anos, e tantos outros proprietários, o prédio no Bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, é mais do que qualquer uma destas; durante 50 anos, ele foi o lar de sua família. Até ser desocupado, em 2019, por risco de incêndio e por falta de manutenção, sem qualquer tipo de indenização à autônoma, que agora vive no aperto para bancar o aluguel, sem respostas sobre se poderá ou não voltar a morar no icônico prédio.
“No Holiday, eu vivia. Hoje, não vivo mais”, disse Lourdes sentada na cama que ocupa quase todo espaço da nova casa, na Comunidade Entra Apulso, também em Boa Viagem. A despesa de R$ 500 no aluguel faz com que ela abdique de itens básicos para a sobrevivência, como os remédios que precisa para tratar o problema de pressão. “Aqui eu sofro muito. Desde que cheguei, não gostei do local, é difícil morar aqui. Preferia morar no Holiday, mas não posso mais”, contou. Era também no próprio edifício onde ela trabalhava vendendo almoços, até a expulsão, um episódio que ela prefere não lembrar porque a deixa “triste”. “Nos botaram para fora como um bocado de cachorro”, disse.
Amiga de Lourdes, Maria de Souza, 70, conhecida como "Deca", saiu 15 dias antes do despejo, já observando a movimentação e prevendo o que iria acontecer. “Chorei vendo muitos vizinhos meus pelas calçadas e pelos abrigos, ajudava dando o prato de comida a um e a outro. Já morreu muita gente que era de lá, eram pessoas de bem”. Ainda, viu os itens do apartamento serem saqueados por falta de vigilância. “Minha casa era toda reformada, tinha duas janelas muito bonitas. Meu banheiro era bem arrumado. Roubaram tudo, porta, torneira, privada”. Após 30 anos vivendo no Holiday, não acredita que um dia conseguirá voltar, e pede, pelo menos, que possa receber pela venda do espaço.
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Já Lindalva Maria da Silva, 52, hoje vive com o marido, taxista, e o neto em um puxadinho construído em cima de uma casa no Ibura de Baixo, na Zona Sul da cidade. O novo lar é um vão, sem divisórias para quartos, que comporta as duas camas voltadas para uma televisão, sacrificando R$ 450 por mês da renda familiar. Com título de posse do apartamento 603 em suas mãos, a dona de casa se emociona ao falar sobre a vida que tinha no edifício, onde viveu por 15 anos. “Morávamos em casa própria, só pagávamos R$ 100 de taxa de condomínio. Meu neto fazia futsal ao lado de casa, e meu marido tinha todos os clientes por perto”, relatou.
DESTINO E IMPORTÂNCIA DO HOLIDAY
Para os moradores com quem a reportagem conversou, o único desejo é que haja uma reparação, seja da estrutura do prédio ou indenizatória. Desde a desocupação, ele virou ponto de uso de drogas e de prática de crimes, até a Justiça determinar, em outubro, que órgãos da Prefeitura do Recife destruíssem as construções irregulares feitas por pessoas em situação de rua — que já voltaram a habitar o térreo — e fechassem as entradas com blocos de concreto. As medidas, contudo, são emergenciais, enquanto o destino do Edifício Holiday ainda é incerto.
A imensa estrutura em formato de meia lua foi construída em 1957 como símbolo da expansão imobiliária na capital pernambucana, com 17 andares e 476 apartamentos que eram ocupados para estadia de veraneio. Com o passar dos anos, no entanto, várias das residências começaram a ser repassadas por meios irregulares, acumulando inadimplências condominiais e problemas por falta de manutenção. Apesar da estrutura física também precisar de ajustes, não corre risco de queda, tendo sido a precária fiação elétrica o principal motivo pela interdição do imóvel.
Atualmente, estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE) elaboram projeto para restaurá-la, sob supervisão do engenheiro elétrico e professor Antônio Gonçalves. “A fiação do Holiday estava realmente perigosa, porque o pessoal não tinha condições de fazer manutenção. Então tive a ideia de fazer um projeto de extensão com a ajuda dos alunos. A previsão é que a gente acabe em janeiro ou fevereiro”, disse.
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Em fase final, as plantas serão devolvidas à Neoenergia (antiga Celpe) para aprovação. Depois, será buscado um tipo de financiamento para as obras, segundo Antônio. "A primeira possibilidade seria conseguir um financiamento junto ao Governo Federal para que os proprietários possam pagar em pequenas prestações mensais. Outras possibilidades para baratear o custo da instalação elétrica ainda estão em discussão com a Neoenergia".
HÁ POSSIBILIDADE DE DEMOLIÇÃO?
Em São Paulo, o famoso Edifício Copan ensina que é possível preservar construções históricas. A “maior estrutura de concreto armado do país”, título que o Copan leva, foi construída em 1966 com projeto de Oscar Niemeyer, com 1.160 apartamentos, no Centro da cidade. Pouco tempo depois, também decaiu, passando a ser considerado um cortiço vertical - como o Holiday. Entretanto, nas últimas duas décadas, voltou a atrair diferentes classes sociais, e hoje é um ponto turístico aberto à visitação.
Ainda assim, o juiz Luiz Rocha, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que acompanha o processo do Edifício Holiday, respondeu que “a demolição do prédio é algo possível sim, mas somente visualizado como cenário em último caso”, e que a decisão pela “restauração de modo a resgatar a habitabilidade dos moradores” somente pode ser decidida pelo próprio condomínio, desde que cumpra as obrigatoriedades judiciais contra riscos estruturais. “Esse é um quadro que nos preocupa e entristece a medida que temos a dimensão do impacto social causado pela interdição e pela absoluta incapacidade do Condomínio em encontrar uma solução que nos permita devolver a todos a moradia que tinham”, respondeu ao JC.