Comunidade do Recife é privada de serviços por falta de regularização: sem CEP, energia e asfalto

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) já sinalizou a vontade de doar o terreno para a Comunidade de Nova Morada, na Zona Oeste da cidade, que o ocupa, mas entraves legais impedem a garantia da terra

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Katarina Moraes

Publicado em 03/04/2024 às 14:34 | Atualizado em 03/04/2024 às 14:46
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Entrar na Comunidade de Nova Morada, na Várzea, Zona Oeste, é entrar em um espaço quase à parte do Recife. Cerca de 3 mil pessoas vivem ali sem CEP, energia elétrica regularizada, ruas calçadas ou acesso a serviços básicos. Tal realidade já poderia ter mudado com uma regularização fundiária — visto que a dona do terreno, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), quer doá-lo para as famílias, mas a Prefeitura alega dificuldades jurídicas.

“Tem água encanada, mas não tem saneamento. Tem problema também no direito de ir e vir, porque é muita lama e para solicitar o serviço da Emlurb temos que brigar constantemente, porque não tem CEP na área, e temos dificuldade com serviços de saúde. Vivemos no século 21, mas não parece, porque os serviços públicos aqui não chegam”, afirmou o porta-voz e porteiro Eraldo Leonidas, de 45 anos.

Mesmo visitando a região em um dia sem chuva, a reportagem do JC viu várias das ruas de barro alagadas. O problema é frequente e dificulta a locomoção dos moradores, como a do avô de Douglas Moura, de 27 anos, que é cadeirante. “Dá uma chuvinha e já fica assim e passa vários dias assim. Faço um buraco do lado do meu lava jato para a água poder sair”, disse.

Para receber encomendas e correspondências, eles precisam usar o endereço de um vizinho que tem aposse da terra ou enviar para a associação do bairro. Já a Escola Municipal Nova Morada, única nas redondezas, não cabe todas as crianças da comunidade, e a creche prometida há anos nunca chegou.

Para as crianças, faltam áreas de lazer. “A praça que tem não é adequada para criança, nem levo minha menina para brincar lá, porque é muita lama. Eu queria uma creche, uma escola, porque essa é muito pequena, saneamento bom, porque é muita água quando chove”, disse a dona de casa Alexandra Carolaine, de 37 anos, que vive com cinco filhos em uma rua sem qualquer poste de luz.

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Família da dona de casa Alexandra Carolaine vive em uma rua sem qualquer poste de luz - Guga Matos/JC Imagem

Todas as ligações elétricas da zona 6 da comunidade são clandestinas, o que causa frequentes quedas de energia e a queima de eletrodomésticos. “A comunidade quer pagar a conta e não tem esse direito. Meu filho passa o dia todo dentro de casa quando chega da escola, porque eu não confio. Porque vai que ele está brincando, a bola cai no mato e ele bate num fio clandestino”, acrescentou Eraldo.

A Neoenergia já tem um projeto de instalação da rede elétrica em mãos, mas só pode tirá-lo do papel a partir da regularização da região. “A distribuidora informa que assim que receber a autorização do município, estará com equipe no local para instalar a rede de distribuição de energia elétrica que atenderá aos novos clientes”, disse, por nota.

POSSE NÃO CHEGA

O espaço de cerca de 24 hectares - entre a Caxangá e o Sítio dos Pintos - começou a ser ocupado pelas famílias em vulnerabilidade há cerca de 10 anos. Inicialmente, a UFRPE entrou na Justiça para ter o terreno de volta, mas o atual reitor Marcelo Carneiro Leão decidiu, há 2 anos, que cederia o lugar. Contudo, para isso, espera o envio de um projeto de lei pela Prefeitura do Recife para a Câmara Municipal.

O compromisso foi reiterado durante audiência pública realizada no último mês na Câmara. “Fui à reunião na Prefeitura com o prefeito e reforcei o interesse da Universidade em efetivar a doação. “É uma questão social, de respeito a essa comunidade e a gente precisa regularizar. Da parte da UFRPE, estamos à disposição. A caneta está pronta. Se me derem autorização, amanhã está assinada a doação”, afirmou o reitor da UFRPE.

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Há anos, a aposentada Erotides Bento da Silva, de 63 anos, pede a poda da árvore que ameaça a casa, sem sucesso - Guga Matos/JC Imagem
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Acúmulo de água e lama são cenas frequentes em Nova Morada - Guga Matos/JC iMAGEM
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`Moradores de Nova Morada, no Recife, denunciam falta de infraestrutura e acesso a serviços públicos´- Pobreza - Desigualdade Social - Moradia - Comunidade - Lama - Energia Elétrica - Lâmpada - Criança - Animal - Guga Matos -Moradia - - Guga Matos/JC iMAGEM
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Moradores da comunidade pedem regularização da energia elétrica - Guga Matos/JC iMAGEM

TRANSFORMAÇÃO EM ZEIS

Para ser regularizada, a área precisa se tornar uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis), classificação jurídica que protege os assentamentos habitacionais de população de baixa renda surgidos de forma espontânea ou consolidada na cidade.

Durante a audiência, o município alegou que a lei não permite que isso aconteça pela área ser uma Proteção de Área Verde (IPAV). "Temos leis que nos obrigam a agir dessa forma. A Prefeitura do Recife não se negou a receber a área. A Prefeitura não tem como receber na forma da nossa legislação urbanística vigente", disse a representante da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento, Emília Avelino.

Contudo, o zoneamento disponibilizado pela própria gestão mostra que as ruas da zona 6 de Nova Morada não são IPAV, mas sim uma Unidade Conservação da Natureza (UCN) — que prevê a existência de Zeis. Para isso, basta constar no plano de manejo da UCN a previsão de construções: assim como acontece na de Brennand, também na Várzea.

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Plataforma de zoneamento da Prefeitura do Recife mostra que região é uma Unidade Conservação da Natureza, a UCN Caxangá - REPRODUÇÃO

O QUE DIZ O PODER PÚBLICO

Também durante a reunião, Altair Correia, representando a Secretaria de Habitação do Recife, disse que tinha ciência de que as famílias querem a regularização perante à justiça e citou que existem empecilhos que precisam ser resolvidos juridicamente. “Primeiro passo tem que ser a regularização, passar pela Universidade, depois para a Secretaria de Políticas Urbanas e Licenciamento para poder chegar, posteriormente, na Secretaria de Habitação. É um processo que ainda não foi passado juridicamente e resolvido”.

Renata Araújo Vila Nova Pacheco, representante da Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco (SPU), disse que a entidade atua como parceira. “Eu só posso reforçar que a Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco sempre atuou como uma parceira muito forte, tanto com a universidade, quanto com a Prefeitura. No que depender, estamos de braços abertos para poder colaborar com essa problemática de vocês”.

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