O dia a dia de quem mora na Avenida Guararapes, no Centro do Recife
Enquanto passageiros embarcam e desembarcam na via, um prédio retrofit pode ser um modelo a ser seguido para melhorar problemas históricos da cidade
Perto do meio-dia, o movimento é grande na Avenida Guararapes. Enquanto os passageiros embarcam e desembarcam nas dezenas de linhas de ônibus e BRT, na esquina com a Rua do Sol, um prédio retrofit pode ser um modelo a ser seguido para melhorar problemas históricos da cidade.
Para quem mora no Edifício Sertã, a praticidade de estar no Centro do Recife com a beleza do Rio Capibaribe e da Rua da Aurora convive com a insegurança. Por ali, os relatos de assaltos com arma branca e arrastões são quase diários.
Na calçada da entrada, serviços como barraca de água de coco, pipoca, tapioca e um sebo de livros.
Para Márcia Borges, de 62 anos, uma das moradoras do Sertã, a violência não é um empecilho para aproveitar a vida no coração da cidade. “Por aqui eu tenho fruta, verdura e cereal. Nem vou a grandes supermercados, estou muito satisfeita. Tem padaria do outro lado, farmácia, bancos, lotérica e lojas”, inicia.
A empreendedora se mudou com a filha, em maio de 2021, para estar mais perto do seu estabelecimento, localizado na Avenida Dantas Barreto. Ela conta que a comodidade de estar no Centro
“Antes eu morava em Camaragibe, então precisava ir pra uma integração, passar para outra, esperar na fila do ônibus…meu desgaste era mais emocional do que físico. Aqui ficou prático, é bom para pegar ônibus para qualquer lugar da cidade”, conta.
Dona Márcia também vê na área central da cidade mais facilidade para seus compromissos religiosos. Na região, estão a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, a Igreja do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio e a Capela Dourada.
Aqui me deu outra liberdade em relação à igreja. Eu vou sem medo para as missasMárcia Borges, 62 anos
Apesar das facilidades, a empreendedora lamenta a insegurança. “Já teve gente que foi assaltada às 5h da manhã esperando ônibus para ir trabalhar. Para mim, a violência não é empecilho porque eu não vivo na rua de noite”, explica.
Ocupar o centro histórico é um desafio para as capitais brasileiras. Infraestrutura, oferta de serviços e segurança são alguns dos problemas recorrentes não apenas no Recife, mas em São Paulo, Salvador e no Rio de Janeiro, por exemplo.
Para o músico Gabriel dos Anjos, de 29 anos, a região tem potencial de investimentos. Morador do Edifício Sertã desde 2021, quando se mudou para ficar próximo ao trabalho, ele se desloca, a maior parte do tempo, de bicicleta, e pontua que seria importante o investimento em pequenos empreendedores, com a isenção de impostos para as pessoas abrirem espaços comerciais.
“Quando não se tem espaços comerciais funcionando depois das 18h, o lugar tende a ficar vazio”, explica. Por causa do sentimento de insegurança, o músico conta que precisou mudar a rotina na cidade.
“Minha vida é resolver as coisas até as 18h. Me acostumei com essa rotina de acordar cedo e não ficar dependendo de me deslocar depois desse horário”, relata.
Dos Anjos acredita, ainda, que é urgente a necessidade de uma atuação mais efetiva da Guarda Municipal, pois a área central tem assaltos constantes. “O Recentro age para promover ações culturais pontuais, mas que não conseguem dar conta da demanda de quem mora aqui”, finaliza.
INVESTIMENTO EM RETROFIT
Há oito anos, o empresário Bruno Castro e Silva investiu no Edifício Sertã, restaurando dezenas de salas para adaptar o uso da propriedade para moradia.
O prédio foi o primeiro retrofit na região a passar pela revitalização, antes mesmo da criação do Programa Recentro, em 2021.
“Fazia 23 anos que o prédio não estava funcionando. Nós tínhamos o prédio sem procura comercial e resolvemos fazer uma pesquisa. Fizemos a pesquisa e resolvemos apostar em residência e é surpreendente a receptividade de diferentes faixas sociais”, explica Castro e Silva.
Ao todo, 14 dos 16 apartamentos, entre 70 m² e 140 m², estão com moradores. De acordo com o empresário, os inquilinos vão desde jovens que dividem moradia para estar mais perto do trabalho a idosos que querem ter a praticidade de morar no Centro do Recife.
O sentimento de vulnerabilidade na região fez com que o proprietário investisse na tecnologia para a segurança: são dois portões, liberados à distância por um aplicativo e uma senha indicados aos locatários.
Ainda assim, Castro e Silva acredita que o investimento na região central da cidade a partir de projetos como o Recentro, da Prefeitura do Recife é um ponto de partida.
A chefe do Gabinete do Centro do Recife, Ana Paula Vilaça, explica que “a revitalização do Edifício Sertã começou antes do Recentro, mas a criação do Recentro foi fundamental para que houvesse uma demanda maior de ocupação”.
Ela destaca que houve um aumento do interesse de locatários para alugar imóveis na região desde a criação do programa. O diferencial, explica, é a gestão territorial integrada, que vai desde infraestrutura, com calçadas e iluminação, a projetos públicos e atração de investimentos.
“Dentre as atividades do Recentro, estão o levantamento dos imóveis, a apresentação deles aos investidores, desburocratizando o processo, o investimento em infraestrutura pública, com obras de drenagem e recuperação de pontes e a atração do investimento privado para a realização de eventos”, explica Vilaça.
Fazem parte do Programa Recentro os bairros do Recife, Boa Vista, São José e Santo Antônio, que contam com plano de incentivos fiscais, com a isenção de taxas como licenciamento Urbano (TLU); Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, que passa a ser de 2%; e as taxas de licenciamentos Urbano(TLU) e licenciamento ambiental.
POINT DA CIDADE
Inaugurado no final da década de 1930, juntamente com a Avenida Guararapes, o Edifício Sertã viu um novo point ser construído no coração do Recife.
“A vida se tornou o point da sociedade pelo comércio de luxo na Rua Nova e local de acesso aos políticos” explica Bruno Castro e Silva. A história do prédio, conta, acompanha as mudanças na avenida ao longo das décadas.
Por volta de 1960, por exemplo, os médicos da região mudaram a localização dos consultórios e as firmas multinacionais ocuparam o prédio.
Márcia Borges afirma que a atual movimentação na Avenida Guararapes “é muito triste”. “Eu conheci o Recife ativo. Vinha para a cidade com os meus pais para comprar roupa e sapato e era um fuzuê de gente, mas hoje, às 16h30 da tarde, já não tem movimento. É muito doloroso presenciar isso porque fez parte da minha infância e da minha adolescência ver esse Recife movimentado, da Rua Nova à Imperatriz e 7 de Setembro”, comenta.
Aqui me deu outra liberdade em relação à igreja. Eu vou sem medo para as missas
Márcia Borges, 62 anos