Envelhecimento sem preparação do mercado de trabalho e de outras áreas pode aumentar desigualdade no Brasil
O Brasil passa por um processo de superenvelhecimento mais acelerado do que a média mundial. Em 30 anos, a população com mais de 60 anos vai dobrar
Imagine-se indo dormir hoje em um País com 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos e despertar, três décadas depois, com o dobro desta população com 60+ (65,5 milhões). É isso o que vai acontecer com o Brasil até 2050. A Nação passa por um processo de superenvelhecimento com velocidade acima da média mundial. O Brasil, que sempre foi considerado um país jovem, terá que se adaptar ao novo perfil etário da população.
Essa rápida transição demográfica pede mudanças urgentes, mas as ações andam em ritmo lento. Um dos primeiros desafios a vencer é o etarismo, preconceito com a idade das pessoas. Ele também atinge os jovens, mas é frequente e tem mais impacto sobre os mais velhos.
Com o envelhecimento da população, o Brasil precisa encontrar saídas para vários problemas: o déficit da previdência social, o mercado de trabalho, os serviços de saúde, a inclusão tecnológica e reeducação das famílias para conviver com a população 60+.
AVANÇO DA DESIGUALDADE
Mórris Litvak, presidente e fundador da Maturi, empresa especializada em consultoria, vagas e treinamento para a colocação do público 50+ no mercado de trabalho, alerta que o Brasil precisa acelerar as discussões sobre como lidar com o envelhecimento, sob o risco de que a transição demográfica seja mais um fator para aprofundar as desigualdades sociais no Brasil.
“O futuro é desafiador, porque o Brasil está demorando para ter um olhar mais estratégico e prioritário para esse assunto. O envelhecimento pode fazer com que a desigualdade social do Brasil se acentue, uma vez que as pessoas envelhecem de formas bem distintas, de acordo com as suas condições. Serão muitos cenários a avaliar, por isso é importante a adoção de políticas públicas, o envolvimento das empresas e de toda a sociedade para a gente se adaptar”, defende.
NOVA GERAÇÃO 60+
A idade média do brasileiro não só aumentou nas últimas décadas como o perfil da geração 60+ também mudou. A imagem dos nossos avós sentados em cadeiras de balanço foi substituída por cenas bem diferentes, como a de George Stirling, jogando basquete aos 70 anos ou a de Maria Andrea Silva, estudando tecnologia entre jovens universitários (fotos). Como se costuma dizer: os 60 anos são os novos 40 anos.
Nos últimos anos, vários indicadores evidenciam o aumento do ritmo de envelhecimento no Brasil. Entre 2010 para 2022, a idade mediana subiu de 29 anos para 35 anos. A mediana divide uma população entre os 50% mais jovens e os 50% mais velhos. A expectativa de vida do brasileiro também aumentou, chegando a 75,5 anos em 2022 contra 72,8 em 2021.
SEM PENSAR NA IDADE
Aposentado do setor de aviação, com uma família de dois filhos e três netos, o vovô George Stirling, de 70 anos, joga basquete com os amigos três vezes por semana. A esposa, que conheceu no basquete, também joga no time feminino. Com 1,82 metros de altura e disposição de quem sempre cuidou da saúde e do corpo, às terças, quintas e domingos é na quadra que ele se encontra. Stirling começou a jogar basquete aos 12 anos e levou o esporte para a sua vida.
Stirling conta que os times de basquete se organizam por idade, mudando de faixa de cinco em cinco anos. O interesse das pessoas foi tanto, que recentemente formou-se o grupo de até 85 anos, quando antes a maior faixa era de 80 anos.
“‘A questão é não pensar na idade. Eu acho que quando a gente começa a pensar na idade a gente fica velho. A conversa é sempre boa, a gente brinca, diz safadeza. Tudo fica mais leve. O etarismo existe no Brasil, assim como em outros países pelo mundo. Só na Ásia é que se tem um outro comportamento”, diz.
Starling conta que como seus pais eram ingleses, ele tem passaporte e foi passar um tempo na Inglaterra. “Eles também têm preconceito de idade lá. Eu tentei uma vaga em um hotel e a pessoa que contratava disse que eu tinha mais experiência do que eles precisavam. Eu disse que queria trabalhar mesmo assim, mas ela explicou que eu poderia ser uma ameaça para as outras pessoas”, conta.
MERCADO DE TRABALHO
Prestes a completar 61 anos, no dia 13 de dezembro, Maria Andrea Silva é estudante do 1º período do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas (ADS), do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE). Divide uma sala com 20 alunos com uma faixa etária média de 20 anos.
Concluir o ensino superior é um sonho que Maria Andrea persegue há anos. Chegou a ingressar em cinco faculdades, além de tentar algumas experiências em cursos técnicos, mas não chegou a concluir.
“Tive minha primeira filha com 25 anos e a segunda apenas nove meses após o nascimento da mais velha. Ficou difícil estudar se eu quisesse ser mãe e ter uma estrutura de família. Depois tive um câncer de mama e passei 7 anos tomando uma medicação que não me deixava bem. Agora quero retomar minha vida”, afirma.
Maria Andrea escolheu a área de tecnologia de olho nas oportunidades do mercado de trabalho. O curso que ela faz na Unit tem parceria com o Embarque Digital, do Porto Digital. “Não só na universidade eu percebo uns olhares pra mim por conta da idade, mas não me importo. Eu tenho o objetivo de terminar o curso e o sonho de ir trabalhar no Porto Digital de Portugal, aproveitando que meu sobrinho já mora lá”, diz.
Ela relata que sente dificuldades em alguns programas e outras ferramentas que os jovens dominam, mas que pede ajuda e tenta praticar para alcançar a turma.
SITUAÇÃO CRÍTICA
A inserção no mercado de trabalho é o maior desafio das pessoas com 50+ no Brasil. Nas discussões sobre diversidade e inclusão, o assunto precisa ser mais discutido. Mara Turolla, líder de diversidade e inclusão da LHH, consultoria especializada em recursos humanos, conta que em 25 anos na área de RH nunca viu uma situação tão crítica e tão demandante de solução como o envelhecimento da população e a necessidade de reformulação do mercado de trabalho.
“Do lado dos profissionais será preciso pensar no trabalho como algo mais amplo do que a CLT. O brasileiro terá que usar sua capacidade de improvisar, apostando em alternativas como virar consultor, empreendedor, autônomo. Pensar de que forma o conhecimento que se tem pode gerar renda”, orienta.
No caso das empresas, o desafio será criar uma convivência de várias gerações no mesmo ambiente, além de pensar em permitir uma carga horária menor para os mais velhos, além de treinar a geração do meio para se manter na organização.
“A questão é que as empresas precisam fazer tudo isso, diante de um cenário econômico desfavorável no Brasil, em que ano a ano as operações vão diminuindo. É tudo muito desafiador. Tudo isso em paralelo à questão cultural, ao viés inconsciente do preconceito com a idade”, destaca Mara Turolla.