Malabarismo fiscal

Câmara dos Deputados deve votar PEC do Orçamento de Guerra nesta segunda-feira (4/5)

Proposta permite à União custear o combate ao coronavírus sem as amarras da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

Renata Monteiro
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Publicado em 04/05/2020 às 13:12
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Maia falou que já tinha tentado fazer o teste na semana passada, mas que deu errado - FOTO: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Importante instrumento fiscal no combate ao coronavírus no Brasil, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020, conhecida como Orçamento de Guerra, deve ser votada pela Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (4), conforme garantiu o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), na semana passada. O texto, em discussão no Congresso Nacional desde o início de abril, sofreu várias modificações e ainda precisa responder questões fundamentais para quem não está acostumado a se aprofundar nos gastos do governo: como esse novo orçamento vai funcionar e que consequências a implantação do regime excepcional pode trazer para a economia do País?

Articulado por Maia, o Orçamento de Guerra pretende, basicamente, separar os gastos do governo para enfrentamento à pandemia do Orçamento Geral da União, além de possibilitar processos mais rápidos para compras, obras e contratação de pessoal, por exemplo. Com isso, quando a PEC for aprovada, as despesas do governo federal com o coronavírus desde 20 de março até 31 de dezembro não estarão mais vinculadas aos limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nem ao teto dos gastos públicos, que limita o crescimento das despesas federais à inflação do ano anterior.

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Ao redor do mundo, outros países também adotaram regimes fiscais excepcionais por conta do coronavírus. Nos Estados Unidos, cerca de 2 trilhões de dólares foram anunciados para conter os impactos da enfermidade na economia. Na Alemanha, as intervenções chegam a 30% do PIB do País. No Brasil, segundo dados da ferramenta Monitoramento dos Gastos da União com Combate à Covid-19, do Tesouro Nacional, até a última quinta-feira (30) já haviam sido gastos R$ 59,9 bilhões em ações de combate à doença. Ao todo, a União tem R$ 253 bilhões em créditos extraordinários já aprovados para utilizar com essa mesma finalidade.

O texto da PEC aprovado inicialmente pela Câmara dos Deputados sofreu algumas modificações no Senado e, por isso, retornou à Casa Baixa no dia 17 de abril para nova apreciação dos parlamentares. Entre os pontos alterados pelos senadores, está a queda de um Comitê de Gestão de Crise, que além do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus ministros, contaria com secretários de saúde, fazenda e assistência social de Estados e municípios, que não teriam direito a voto, mas poderiam ajudar o governo central a definir como os recursos poderiam ser empregados.

“(Com a exclusão do comitê) Quem passa a assumir a função de fiscal dos recursos é o próprio Congresso Nacional, e quem executa os recursos é o governo federal. O presidente da República e os seus ministros decidirão quais gastos vão ser realizados e qual será a distribuição desses recursos para os Estados e para os mais de 5 mil municípios do País. Então, de uma certa forma, a proposta vai na linha oposta do que o Paulo Guedes vinha falando antes dessa pandemia, que era ‘mais Brasil e menos Brasília’. A proposta que saiu do Senado diz, ‘nós queremos mais Brasília’”, pontua Luiz Maia, professor de economia e finanças da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Com o Orçamento de Guerra em vigor, os créditos extraordinários que darão ao governo a possibilidade de investir em ações contra o coronavírus serão votados no Congresso de maneira mais célere, em até 15 dias, e compras e contratações poderão ser feitas de maneira simplificada. Essas medidas, porém, não garantem ao governo menor transparência nas transações. Caso seja identificado algum indício de irregularidade em uma dessas ações, a proposta diz que o caso deverá ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

BANCO CENTRAL

Luiz Maia diz, contudo, que o fim do Comitê de Gestão de Crise não é o ponto mais polêmico da PEC. Para o docente, a autorização para que o Banco Central compre e venda títulos privados nos mercados secundários é o ponto nevrálgico do texto. “Vamos supor que eu sou o banco Itaú e emprestei dinheiro para uma empresa, mas ela está me pedindo prazos maiores para pagar. Eu continuo reconhecendo que essa empresa é uma boa pagadora, que tem um bom histórico, mas que como ela está com dificuldades agora, aquele dinheiro que eu tinha emprestado não vai voltar no prazo que eu esperava. Nesse novo cenário, vem o Banco Central e diz para o Itaú: me dá esse título que eu compro. O BC não é exatamente um emprestador, mas na hora que ele compra o título de uma empresa, ele está fazendo o papel de banco comercial, ele passa a ser o credor daquele título”, detalha.

A intenção do Congresso em sugerir essa mudança é oferecer liquidez e uma maior agilidade no mercado em empréstimos para micro e pequenas empresas nesse cenário de crise. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, estima que a instituição poderá comprar até R$ 972 bilhões em papéis de empresas privadas. Para dar mais segurança ao movimento e evitar que o BC compre dívidas de difícil recuperação, o Senado acrescentou à proposta a obrigatoriedade de o banco informar diariamente as ações de compra e venda desses títulos e enviar mensalmente ao Congresso relatórios dessas transações. Além disso, o BC só poderá negociar ativos que “tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior”, de acordo com a PEC.

CONSEQUÊNCIAS

Mesmo tendo a possibilidade de endividar-se mais do que havia previsto, Bolsonaro tem se mostrado preocupado com os gastos do governo durante a pandemia da covid-19, o que tem motivado, inclusive, sua defesa pela flexibilização do isolamento social. “Do ponto de vista econômico, é possível compreender o pensamento do presidente. A gente não pode desconectar os fatores de saúde dos fatores econômicos. Se tivermos que escolher entre uma coisa e outra, logicamente vamos escolher cuidar da saúde, mas não podemos esperar as coisas voltarem ao normal para pensarmos ações para a saúde econômica do País”, observa o consultor e professor de administração do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE), Paulo Alencar.

Na visão de Mariana Almeida, professora do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, é possível que o Brasil pós-coronavírus, assim como outras economias do mundo, viva momentos de retração por conta dos gastos que precisarão fazer agora, mas a pesquisadora defende que a prioridade, hoje, deve ser a vida das pessoas.

“As ações do governo brasileiro nessa pandemia foram lentas, porque a primeira preocupação é de como se sobrevive a este momento. Existe uma questão de saúde pública e de sobrevivência das pessoas durante as ações necessárias em função disso. O governo tinha que reagir e reagiu lentamente. Como a gente vai se recuperar é como a economia funcionou em outros momentos, vai ter que haver um esforço mundial de recuperação da atividade econômica. E não tem uma única fórmula, vamos ter que testar. Essa não é a primeira crise que o mundo vive, há perdas, mas eu acho que as vidas devem estar em primeiro lugar”, cravou Mariana.

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