O respirador pulmonar faz a diferença para salvar vidas de pacientes graves da covid-19. Disputado globalmente, o equipamento também virou alvo de investigações e denúncias de fraudes Brasil afora. No Recife, 35 equipamentos foram comprados pela Prefeitura da Cidade à microempreendedora individual Juvanete Barreto Freire e ficaram parados nos hospitais, sem funcionar, aguardando comprovação de homologação na Anvisa. O contrato foi assinado no dia 1º de abril, e a empresa diz ter feito a entrega no mesmo mês. Isso quer dizer que os respiradores passaram pelo menos um mês armazenados, sem uso. Enquanto isso, a cidade viveu uma escalada de casos e de mortes, aumentando a necessidade de colocar novas UTIs em funcionamento nos hospitais de campanha, que aguardavam justamente pelos respiradores.
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Na semana passada, o Ministério Público de Contas (MPCO) denunciou ao Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE) supostas irregularidades na aquisição pela Prefeitura do Recife de 500 respiradores, com dispensa de licitação, pelo valor de R$ 11,5 milhões à Juvanete Barreto Freire. Os principais indícios apontados pelo MPCO foram o fato de a empresa ser MEI, de revender produtos veterinários e colchões e de ter um capital social de R$ 50 mil, arcando com um contrato de quase R$ 12 milhões. A denúncia foi divulgada na última quinta-feira (21). No dia seguinte, a Juvanete desistiu do contrato alegando que a imagem da empresa estava sendo prejudicada. Filho de Dona Juvanete e dono da Bioex, o empresário Leonardo Freire afirmou que a empresa da mãe estava servindo como revendedora porque a Bioex – fabricante dos respiradores – não tem autorização para fazer venda ao consumidor final.
Segundo a Bioex, foi feito um primeiro empenho de 200 respiradores com a PCR para serem entregues lotes de 50 entre abril e maio. Como só fazem vendas antecipadas para prefeituras, a gestão do Recife desembolsou R$ 1,075 milhão pelo primeiro lote de 50, mas só recebeu 35 e sem homologação dos aparelhos pela Anvisa. A Juvanete desistiu do contrato e recolheu os respiradores que estavam sem funcionar.
No documento de rescisão contratual (veja abaixo), encaminhado pela Secretaria de Saúde do Recife à Procuradoria Geral do Município, a que o JC teve acesso, a gestão admite que a devolução dos respiradores, diante do estado de emergência da covid-19, poderia caracterizar improbidade administrativa do gestor, por não exigir o cumprimento do que foi acordado com a empresa (a entrega de 50 respiradores).
Mas a Secretaria de Saúde segue justificando que o interesse público não seria prejudicado com a devolução porque sequer os equipamentos estavam sendo utilizados para atender os doentes. “(...) 35 dos equipamentos encontram-se montados, mas demandaram validações e testes para uso nas unidades (de saúde), tendo sido constatados que os mesmos possuem especialidade quanto à regulação do equipamento por ser mecânica. Assim tais equipamentos restaram aguardando necessidade imperiosa quando não houvesse outros modelos de fácil utilização pela equipe médica nas unidades de saúde”, diz.
Em resumo, os respiradores estavam estocados e sem uso, aguardando homologação da Anvisa para entrar em operação. Pelo que se entende da resposta da PCR, trata-se de um modelo muito simples. “Em relação ao respirador, que foi desenvolvido pela fabricante especialmente para possibilitar a intubação de pacientes da Covid, o mesmo pode ser comercializado obedecendo a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC 379) da Anvisa e teve seu pedido de homologação protocolado naquela Agência”, diz a PCR em nota.
Diante do entendimento da PCR que não ia prejudicar a saúde pública, devolveu os respiradores e recebeu o reembolso de R$ 1,075 milhão no mesmo dia da desistência da Juvanete. Segundo o MPCO, a devolução dos respiradores vai dificultar uma futura perícia do órgão, porque os respiradores não estão mais no Recife. O MPCO também considerou estranho o tempo de um dia que levou da decisão da PCR de suspender a compra até a devolução do dinheiro, superior a R$ 1 milhão.
Durante entrevista na manhã desta segunda-feira (25), o prefeito Geraldo Julio (PSB) comentou sobre a aquisição de novos respiradores, mas não mencionou o caso Juvanete/Bioex. “A Prefeitura está fazendo um esforço para conseguir esses respiradores e colocar em funcionamento todos os leitos de UTIs. Hoje, nós temos 133 respiradores (125 nas UTIs dos hospitais de campanha) e temos cinco processo de aquisição em andamento, e também temos um acordo judicial homologado pela Justiça para receber mais 200 respiradores. É importante ressaltar que Recife não tinha leitos de UTI, e agora temos todos esses em funcionamento”, ressaltou.
O JC pediu detalhes sobre a contratação dos respiradores, mas obteve a resposta de que todas as compras estão no Portal da Transparência. Lá aparecem contratos com as empresas Magnamed e Kesa, mas sem as informações mais detalhadas que vêm sendo solicitadas pelos órgãos de controle.
No último dia 18, a própria Procuradoria-Geral do Recife solicitou a publicação imediata pelas secretarias municipais um detalhamento mínimo das contratações (contratado, nº de inscrição na RF, prazo contratual, valor do contrato e processo de contratação), atendendo às exigências do Ministério Público Federal e do MPCO. Até o momento, nada mudou no Portal. Tanto que a contratação dos respiradores da Juvanete permanece lá.
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