Divisão interna

Lula impede integração do PT em frentes contra Bolsonaro e cogita candidatura

Apesar do direcionamento do petista, nomes como o do governador Camilo Santana divergem do ex-presidente

Renata Monteiro
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Publicado em 13/06/2020 às 8:00
Foto: RICARDO STUCKERT/ Divulgação
Em coletiva na última semana, Lula afirmou ser "impossível" a criação de uma frente partidária no Brasil - FOTO: Foto: RICARDO STUCKERT/ Divulgação

Desde que eleições diretas voltaram a ser realizadas no Brasil, em 1989, ou o PT venceu os pleitos (4) ou ficou em segundo lugar (4). De lá pra cá, a legenda assumiu o posto de maior partido de esquerda do País, mas as estratégias políticas pensadas nos mais variados períodos pelo seu maior líder, o ex-presidente Lula (PT), sempre causaram controvérsia. A sigla chegou a votar contra a aprovação da Constituição Federal de 1988 (depois votou a favor do texto final), foi contra o Plano Real e agora diz ser impossível integrar uma frente com partidos que, diante das atitudes do presidente Jair Bolsonaro e integrantes do governo, se juntam a movimentos autoproclamados “a favor da democracia”.

Nas últimas semanas, diversas iniciativas como atos e manifestos propuseram a união de legendas dos mais diversos espectros políticos em prol do afastamento de Bolsonaro do poder. Lideranças do PDT, PSB e Cidadania, por exemplo, discutem até a criação de uma ampla frente de agremiações que se coloque contra ações consideradas antidemocráticas.

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O PT já assinou pedido de impeachment com outros partidos de esquerda, mas não admite até agora participar de movimentos suprapartidários. Na última quinta-feira (11), em entrevista coletiva transmitida pelo seu canal no Youtube, Lula afirmou que a “cultura política do brasileiro” não permitiria a união de partidos sem pretensões eleitorais e que, por isso, o PT não participaria desses movimentos.

“Sobre essa frente ampla contra o Bolsonaro, eu creio que só é possível fazer isso agora em cima de um programa de governo, porque muita gente que faz parte dessa frente é contra o impeachment. Se a pessoa não quer o impeachment nem mudança na política econômica, vai fazer uma frente em torno do que? Vai tirar Bolsonaro e colocar o (vice-presidente Hamilton) Mourão? Vai tirar o Mourão e colocar o (ministro da Economia Paulo) Guedes? O ideal era que você tivesse uma frente que conseguisse fazer o impeachment do Bolsonaro e depois houvesse uma eleição direta para presidente da República, concorrendo quem quisesse concorrer”, declarou o petista, na ocasião.

Esse posicionamento, porém, não é unanimidade na agremiação. Nomes como o do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad – último candidato petista à Presidência –, e do governador do Ceará, Camilo Santana, creem que o partido não pode deixar de marcar posição nesse cenário. “O PT tem um papel fundamental nesse processo de defesa da democracia brasileira. (Em 2018) O povo brasileiro levou o candidato do PT à Presidência ao segundo turno, o PT elegeu o maior número de governadores e o PT elegeu a segunda maior bancada de deputados federais. (...) O que ajuda o Brasil é a construção de um projeto nacional, onde o PT tem muito a colaborar. Por isso eu defendo a união de todas as forças democráticas para resistirem para que o Brasil possa ter um caminho melhor para o futuro”, pontuou Santana durante entrevista ao programa Roda Viva, na última segunda.

Eleições 2022

Outra decisão do núcleo petista que tem causado divergências internas diz respeito ao posicionamento da sigla com relação às eleições presidenciais de 2022. Para Gleisi Hoffmann, presidente da sigla, o candidato da agremiação no pleito deve ser Lula, por isso, para ela, o PT deve se empenhar em garantir que os direitos políticos do ex-presidente sejam resgatados. Hoje, Lula não pode concorrer a cargos públicos porque está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, por condenações na Operação Lava Jato. Mas Gleisi acredita ser possível anular os processos que o condenaram em segunda instância.

Nos bastidores, porém, comenta-se que o governador da Bahia, Rui Costa, teria a pretensão de concorrer ao Palácio do Planalto e contaria com o apoio de outro petista de peso, José Dirceu, que foi presidente do PT e ministro-chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula. Dirceu foi condenado no Mensalão e Petrolão. Fernando Haddad também seria um nome com grande aceitação interna para o pleito. Sobre o tema, Lula chegou a dizer que não teria mais o desejo de ser presidente. Mas, na entrevista da última semana, deixou a questão em aberto. “Eu não posso dizer que não serei candidato porque na política às vezes não é você que decide os seus passos. Vai depender das circunstâncias do que vai acontecer em 2022”, cravou.

Na visão do cientista político Rodrigo Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o posicionamento do PT neste momento não seria uma surpresa, uma vez que, segundo o docente, o partido teria “vocação para se constituir como hegemônico”. “Obviamente o PT é uma força política considerável, mas a grande questão é que muitos percebem que o momento agora não é, simplesmente, de política eleitoral, o momento agora reclama por uma visão acima dos interesses pessoais e partidários. Segundo esse grupo que se posiciona contra o governo Bolsonaro, eles são contra qualquer ataque à democracia. E o Lula afirmou recentemente que jamais assinaria um manifesto em que tivesse o Fernando Henrique Cardoso ou o Michel Temer (ex-presidentes) porque eles não são democratas. (...) Então o PT se mantém em sua trajetória de pouquíssimo diálogo: ou ele comanda o processo ou não quer se abrir a discussão”, avaliou Prando.

Vanuccio Pimentel, cientista político da Asces/Unita, chama a atenção, ainda, para o fato de que, aparentemente, o Partido dos Trabalhadores não tem se preocupado em renovar seus atos e quadros, fato que pode estar interferindo em seu desempenho público. “O PT vem perdendo espaço no debate político de maneira continuada, e, mesmo assim, a estratégia mantém-se a mesma, centrada em Lula, e não na renovação dos quadros. Se você olhar a bancada do PT no Congresso, a única jovem que tem é Marília (Arraes), que foi eleita em condições bem particulares, e poderia ter chegado à Câmara por qualquer outro partido. Ou seja, os jovens de esquerda não estão se elegendo pelo PT, estão se elegendo pelo Psol, que tem Talíria (Petrone, deputada federal), Sâmia (Bomfim, deputada federal), Marcelo Freixo (deputado federal), tem um monte de gente lá. Me parece que existe um problema geracional no PT. Me parece que o partido ficou velho e não consegue se renovar”, opinou.

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