DE OLHO NO FURACÃO

TCE de olho nas despesas da covid-19

O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco tem como instância máxima, o seu pleno, formado por sete conselheiros. É a corte que fiscaliza as despesas com o covid-19

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 14/06/2020 às 11:53
Guga Matos/Arquivo JC
A instância máxima do TCE é o pleno que toma decisões colegiadas - FOTO: Guga Matos/Arquivo JC

O enfrentamento à pandemia do coronavírus pelo poder público exige celeridade nas tomadas de decisão e aquisição de equipamentos hospitalares. Por isso mesmo, também cobra dos órgãos de controle uma presença ainda maior. Nas últimas semanas, alguns episódios sofreram atuação do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), como o caso da antecipação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de 2021 no Recife e as denúncias envolvendo a Prefeitura do Recife na compra de respiradores. Apesar de ter tribunal no nome, a instituição não é ligada à Justiça e a sua principal função é fiscalizar os atos que podem resultar em receita ou despesa realizados pelo Poder Executivo, representados por governos estaduais e municipais.

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A instância máxima das decisões do Tribunal de Contas estadual é o Pleno, formado por sete conselheiros que agem de forma colegiada. As indicações técnicas e políticas para o TCEs determinadas em Constituição ensejam discussões sobre independência, o que ocorre também com o Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). E divide opinião de especialistas, ex-conselheiros e até de conselheiros que falaram em reserva.

“Não vejo influência política na atuação do TCE. As nomeações são feitas como está na Constituição. Não há pressão política sobre os membros do TCE. Quando se chega no cargo de conselheiro, fica mais independente. Todos os atos de indicação dos conselheiros são assinados pelo governador e aprovados pela Assembleia. É um rito”, explica o ex-conselheiro do TCE e deputado estadual Romário Dias (PSD), que exerceu o cargo entre 2007 e 2013 numa vaga indicada pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), falecido em 2014.

Romário lembra que outro fator que influencia as decisões dos conselheiros “são os pareceres técnicos feitos por funcionários da casa especialistas em auditoria de contas públicas”. Quase a totalidade desses funcionários é de concursados e têm formação e experiência nas áreas que atuam.

A opinião dele não é unânime. A atuação em questões relacionadas à pandemia deu exposição às decisões e recomendações dos conselheiros. Neste período, os conselheiros Carlos Porto e Teresa Duere têm exercido um papel de maior confronto com o Executivo. Durante a pandemia, em consulta a matérias publicadas pelo JC sobre supostas irregularidades ou falta de transparência, todas as medidas do TCE passaram por Carlos Porto em alguma parte do processo. Ele emitiu alertas de responsabilização à Prefeitura do Recife e ao governo do Estado, cobrando mais transparência, readequação de repasses a Organizações Sociais de Saúde que administram hospitais, entre outras coisas. Porto também é relator das questões envolvendo a Secretaria Estadual de Saúde e das contas do prefeito do Recife, Geraldo Julio, o que direciona esses processos a seu gabinete.

De todos os fatos recentes, dois chamaram mais a atenção. Primeiro, a antecipação do IPTU de 2021, que foi considerada inconstitucional por Porto e também pelo Ministério Público de Contas (MPCO), que não entendeu ser correta a antecipação, porque, entre outras coisas, o mandato do atual prefeito se encerra este ano, o que comprometeria a receita do município no próximo exercício. Porto emitiu uma cautelar para evitar que a antecipação ocorresse. O processo foi julgado pelo Pleno, que suspendeu a cautelar por “entender que só o Supremo Tribunal Federal (STF) pode se manifestar numa ação direta de inconstitucionalidade”.

A suspensão da cautelar contou com a aprovação dos conselheiros Valdecir Pascoal, Dirceu Rodolfo, Ranilson Ramos, Carlos Neves e Marcos Loreto. Teresa Duere votou contra, e Carlos Porto decidiu não votar. No entanto o próprio TCE estabeleceu que quem pagar antecipado terá publicado, visivelmente, no portal da transparência os seguintes dados: o nome, o desconto dado e o CPF ou CNPJ do contribuinte.

Ainda na pandemia, outra decisão importante do tribunal foi quando o conselheiro Carlos Neves negou, no dia 24 de maio, a instauração de uma auditoria especial para apurar supostas irregularidades na venda dos ventiladores pulmonares à Prefeitura do Recife pela microempresária Juvanete Barreto Freire. Pouco mais de uma semana depois, dia 3 de junho, Neves anunciou a instauração de uma auditoria específica para apurar a venda dos equipamentos. No meio do caminho, uma operação da Polícia Federal já havia sido realizada sobre o mesmo caso, com participação do Ministério Público Federal (MPF). O JC também já havia noticiado que os respiradores não haviam sido testados em humanos.

A empresa devolveu os recursos que haviam sido pagos pela prefeitura (R$ 1,075 milhão) um dia depois de uma denúncia do Ministério Público de Contas (MPCO), órgão que atua dentro do TCE-PE, se tornar pública. “O Tribunal de Contas de Pernambuco se diferencia por não ter qualquer tipo de suspeição nem escândalos políticos envolvendo ou o Executivo ou o Legislativo. No entanto, desde que o PSB se tornou a grande força política do Estado, começou a recrutar quadros técnicos do tribunal. Essa aproximação política se tornou inevitável. E, desse modo, o PSB tentou blindar a sua gestão de uma atuação mais crítica do tribunal”, resume a cientista política Priscila Lapa.Tanto o prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), quanto o governador do Estado, Paulo Câmara (PSB), são funcionários de carreira do tribunal e, antes de exercerem os atuais cargos, foram secretários de Estado na gestão do ex-governador Eduardo Campos.

“Há uma divisão dos conselheiros. Também não há boa vontade entre esses dois grupos, que ficam implicando às vezes por detalhes pequenos que não vão fazer a diferença numa auditoria”, diz uma técnica que trabalha no tribunal há quase duas décadas. Ela se refere à dupla Carlos Porto e Duere de um lado e os outros cinco componentes do outro.

A nomeação dos conselheiros para o TCE é um ato político. Todos têm que passar pelo aprovação do chefe do Executivo, o governador. Dos sete atuais conselheiros do Pleno, dois representam o Ministério Público. Um vaga é ocupada pelo conselheiro Dirceu Rodolfo – atual presidente da casa –, a outra é dos auditores, ocupada pelo conselheiro Valdecir Pascoal.

Entre os outros cinco, três foram indicados na gestão socialista – que administra o Estado há 13 anos e vai seguir ao menos até 2022. Os conselheiros Marcos Loreto e Ranilson Ramos tiveram nomeações assinadas pelo governador Eduardo Campos (PSB) e estão nas vagas indicadas pela Assembleia Legislativa (Alepe).
Indicado por Paulo Câmara (PSB), o conselheiro Carlos Neves ocupa a vaga de livre escolha do chefe do Executivo. Ainda nas vagas de indicação da Alepe, estão a conselheira Teresa Duere, com a nomeação feita pelo ex-governador Jarbas Vasconcelos (MDB), e o conselheiro Carlos Porto, nomeado pelo ex-governador Carlos Wilson, que pertencia ao MDB quando exerceu o cargo e que faleceu em 2009.

“Podem se inscrever para serem os conselheiros indicados pela Assembleia três candidatos. O governador sanciona o que tem pelo menos 25 votos. Se nenhum atingir essa votação, é escolhido entre os dois mais votados”, explica Romário. Outra curiosidade é que o indicado pela Assembleia pode ser ou não parlamentar. Mas nem todo conselheiro passou por esse processo. “Marcos Loreto foi uma indicação única da Alepe”, lembra Romário.
Numa candidatura única, o indicado deve ter o apoio de 13 deputados. Atualmente, a Alepe tem 49 deputados estaduais. Essa indicação única foi apadrinhada pelo então governador Eduardo Campos.

CONSTITUCIONAL

“A primeira coisa a entender é que os governadores nomeiam os conselheiros dos tribunais de contas porque a indicação é um comando constitucional que tem que ter a participação do chefe do Executivo”, explica a presidente da Comissão de Estudos Constitucionais e Cidadania da OAB Pernambuco, Adriana Rocha. Isso significa que a forma de indicar os conselheiros dos tribunais – incluindo os de contas – é estabelecida nas Constituições do Brasil e dos Estados.
Segundo Adriana, “em princípio, o fato de o governador nomear não significa que aquele membro do tribunal vá se submeter ao governante que o nomeou. A nomeação também vem do chefe do Executivo no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros tribunais superiores. A Constituição Federal estabelece freios e contrapesos para que as instituições de controle funcionem”.
Ela defende que deveriam ser definidos critérios mais objetivos para quem for ocupar o cargo, como uma forma mais específica de medir o notório conhecimento que o candidato tem na área jurídica, contábil etc, exigência que consta da Constituição Estadual, por exemplo. “É uma crítica construtiva e seria um aperfeiçoamento do que já ocorre hoje. No entanto, para isso acontecer, teria que ser mudada a Constituição”, comenta Adriana.

Há a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de nº 02/2018, da senadora Rose de Freitas (Pode-ES), que propõe retirar o critério da indicação política, fazendo uma composição majoritária de selecionados em concursos públicos de provas e títulos para o Tribunal de Contas da União (TCU) e as demais cortes de contas dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Em Pernambuco, não há tribunais dos municípios. Os conselheiros seriam substituídos pelos novos critérios à medida em que os atuais ocupantes fossem se aposentando. A PEC tramita no Senado desde 2018 e não saiu do lugar.

“A indicação política não resulta necessariamente em alinhamento ideológico. No Supremo essa condição não é verdadeira. O ministro-presidente Dias Toffoli votou a favor da condenação do ex-ministro José Dirceu (PT) e foi nomeado ao cargo pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)”, lembra o professor da Escola de Direito da FGV do Rio Daniel Vargas. Dirceu foi ministro da Casa Civil quando Lula estava no Planalto. E Toffoli atuou como advogado do partido anteriormente.

Daniel defende que os conselheiros dos tribunais de contas deveriam ter mandatos por um período de 12 anos, não um cargo vitalício. “Nos últimos 10 anos, houve um fortalecimento dos órgãos de controle, e há um amadurecimento nesse sentido. Há uma briga crescente entre o Executivo e os órgãos de controle. Os órgãos de controle devem ter uma compreensão cautelosa no meio de uma pandemia”, resume Daniel.

Outro fator que contribui para aumentar a tensão é que as auditorias de compra de bens e serviços realizadas pelos auditores do TCE durante a crise sanitária estão sendo acompanhadas logo depois dos contratos serem fechados pelo Executivo, o que é uma novidade em Pernambuco.

A reportagem do JC tentou insistentemente falar com o presidente do TCE, Dirceu Rodolfo, para essa reportagem, mas não conseguiu. Também foi procurado o presidente da Associação dos Auditores do Tribunal de Contas de Pernambuco, Fábio Lyra, que disse não ter interesse em falar para um jornal sem saber detalhes do que seria a reportagem. Também não quis ouvir do que se tratava.

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