Novas regras

Fim das coligações proporcionais e democratização das sobras de votos prometem marcar as eleições 2020

Partidos, candidatos e eleitores tentam entender como funcionará o critério para eleger os vereadores

Luisa Farias Renata Monteiro
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Publicado em 12/07/2020 às 8:00 | Atualizado em 14/07/2020 às 16:35
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Levantamento do site Diário do Poder mostra que, em Minas Gerais, o PT perdeu em 33 dos 42 municípios onde havia vencido em 2016 - FOTO: Foto: Reprodução

Apesar de todos os problemas causados pela pandemia da covid-19, os brasileiros podem dizer que – pelo menos até este 12 de julho de 2020 – têm uma certeza em meio ao caos sanitário no qual o País está inserido: haverá eleições municipais neste ano. Em virtude da minirreforma eleitoral de 2017, porém, esse pleito terá particularidades que ainda não foram testadas, como a democratização das sobras de votos e o fim das coligações proporcionais, novidades que devem provocar mudanças substanciais na composição das Câmaras Municipais e no futuro de vários partidos de pequeno e médio portes.

Para entender as novas medidas é necessário que você, leitor, saiba como eram as regras do jogo antes da reforma. Até 2017, não havia nenhum tipo de veto para que os partidos políticos disputassem vagas no Parlamento reunidos em grupos, as chamadas coligações. Desse modo, os votos recebidos por cada partido valiam para toda a coligação, o que acabou criando a figura do “puxador de votos”, considerada uma distorção do sistema eleitoral proporcional. Quem não lembra do caso do deputado federal Tiririca (PL), que, quando participou da sua primeira eleição, teve mais de um milhão de votos e acabou levando para a Câmara Federal candidatos de outros partidos bem menos votados do que ele?

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Com as alterações nas leis eleitorais, agora os partidos contarão apenas com os seus próprios votos para eleger vereadores e deputados, o que, segundo o economista Maurício Romão, pode fazer com que muitas agremiações simplesmente desapareçam do Legislativo. “Com o tempo, os partidos que não têm densidade eleitoral para ascender ao Parlamento vão se fundir com outros ou se tornarão meros expectadores das eleições, nunca vão ter um parlamentar porque não têm voto, não têm mais condições de juntar o pouco que eles têm com o pouco de outros partidos. Vai ser uma mudança muito grande”, explicou.

Para evitar o cenário de enfraquecimento partidário, existe a tese de que as legendas deveriam buscar ao máximo lançar candidaturas majoritárias a prefeito, para com isso trazer mais estrutura para os candidatos a vereador. Segundo explica a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda Priscila Lapa, em teoria, essa é a melhor estratégia. “É o espírito da reforma (eleitoral, aprovada em 2017). O legislador quer fazer com que os partidos tenham mais força, e mostrem seu poder, até porque vai ter o voto de legenda. Isso contribui tanto para atingir o quociente eleitoral quanto para a sobra de voto”, afirmou Priscila.

Na prática, porém, o cálculo é menos simples, aponta a analista, pois o partido deve considerar se reúne as condições para levar adiante uma candidatura majoritária. Há principalmente o fator financeiro, já que, com o fim do financiamento privado de campanha desde as eleições de 2018, a verba acaba ficando escassa para apostar na eleição majoritária. “Fora a variável pandemia. Então, a tendência é que sejam campanhas mais enxutas”, declarou.

E as sobras de voto, como eram e como passarão a ser distribuídas a partir de agora? Bem, no passado elas só poderiam ser disputadas por partidos que ultrapassassem o quociente eleitoral, mas agora todos as siglas têm chances. Ficou complicado? Não tem problema, vamos esmiuçar o passo-a-passo de como são feitos os cálculos para eleger um vereador ou deputado no Brasil.

Quando está apurando uma eleição proporcional, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pega o total de votos válidos de uma localidade, divide pelo número de vagas que serão preenchidas (no caso do Recife são 39 cadeiras de vereador) e chega ao quociente eleitoral. Nas últimas três eleições municipais na capital pernambucana, o quociente eleitoral se manteve em uma média de 22 mil votos.

Para conhecer o quociente partidário, o TSE divide o número de votos válidos recebidos por uma sigla ou coligação pelo quociente eleitoral. Uma ou mais vagas no Parlamento serão conquistadas caso o quociente partidário ultrapasse o quociente eleitoral. Se, hipoteticamente, uma sigla recebe 120 votos e o quociente eleitoral é 13, o quociente partidário daquela agremiação é 9,230 e o número de vagas que ela vai conquistar é a parte inteira desse número, ou seja, 9. Nesse caso, as sobras de votos seriam os 0,230. Como normalmente a soma de todas as partes inteiras dos quocientes partidários das siglas que ultrapassam o quociente eleitoral não chega ao total de vagas, o TSE redistribui as sobras de votos para completar as cadeiras, agora inclusive com partidos com menor densidade eleitoral.

Mas não se engane, apesar da mudança, partidos que costumam ter votações muito pequenas ainda têm poucas chances de ascender ao Parlamento. “Há vereadores e partidos que acham que, pela existência dessa abertura, qualquer um poderia entrar no Legislativo, mas não é isso. A permissão para disputar a sobra de votos só atinge agremiações cujas votações sejam relativamente altas. Para um partido que tenha 4 mil votos em um cenário em que o quociente eleitoral é de 22 mil votos, vai ser muito difícil entrar”, detalhou Maurício Romão.

Um bom exemplo de como o esquema antigo de distribuição de sobras poderia gerar distorções pôde ser visto em 2010, no Rio Grande Sul. Naquela ocasião, a então deputada federal Luciana Genro (PSOL) tentava a reeleição e conquistou quase 130 mil votos, sendo a oitava candidata mais votada do Estado e a segunda mais lembrada pelos eleitores de Porto Alegre, mas não conseguiu retornar à Câmara Federal porque seu partido não atingiu o quociente eleitoral. No mesmo ano, Jean Willys, seu colega de partido, chegou à Casa Baixa com apenas 13 mil votos, “puxado” pelo deputado Chico Alencar, que se reelegeu com 240 mil votos no Rio de Janeiro.

De acordo com Romão, caso as novas regras já estivessem em vigor naquela ocasião, certamente Luciana teria se beneficiado com a redistribuição das sobras de votos. “O sistema proporcional é o mais plural, o mais democrático sistema eleitoral que existe. Quando era proibido que todos os partidos disputassem sobras, antes de 2017, havia uma anomalia em sua própria concepção. Nesse contexto, a legislação operou um bem muito grande ao sistema, porque agora ele retoma as suas raízes, seus fundamentos, porque permite que todo mundo participe de tudo”, pontuou.

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