FAKE NEWS

Eleições 2020: mecanismos legais e ações nas redes sociais contra fake news

Eleições deste ano devem ser marcadas por muito mais conteúdos na web, mas os órgãos de controle também estão se aperfeiçoando para combater os crimes

Mirella Araújo
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Mirella Araújo
Publicado em 08/08/2020 às 23:38
VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
LEGISLATIVO Parlamentares poderiam revisar decisões tomadas pelo Supremo em temas que não são consenso - FOTO: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
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Desde o fenômeno na internet vivenciado mais fortemente nas eleições gerais de 2018, o processo eleitoral brasileiro tem passado por transformações, principalmente no que se refere a disseminação de informações falsas que possam interferir na escolha dos representantes públicos. A propagação das fake news continua sendo um obstáculo importante a ser enfrentado. Mas, diferentemente do pleito passado, as eleições municipais de 2020 contam com mais mecanismos legais e ações nas redes sociais para barrar a divulgação de conteúdos falsos.

"A legislação eleitoral, especialmente por conta dos episódios ocorridos em 2018, assumiu o protagonismo na criminalização das fake news. Com a Lei 13.834/2019, foi criminalizada a denunciação caluniosa eleitoral, que abrange a propagação de notícias falsas que prejudiquem adversários políticos", explica Acacio Miranda da Silva Filho, doutorando em Direito Constitucional pelo IDP/DF e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha.

De acordo com a lei, a penalidade para quem pratica esse tipo de crime é de dois anos a oito anos de reclusão e multa; a pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome falso. No entanto, muito além dos mecanismos legais criados para coibir esse tipo de prática, existe uma problemática social por trás da questão.

"As pessoas precisam entender os prejuízos que decorrem das fake news antes de compartilharem. As fake news impedem a lisura do processo eleitoral, prejudicando não só os candidatos, mas a administração dos municípios", afirma Acacio.

Para o professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM) Camilo Aggio, as esferas de decisão política passam a intervir no tema não somente pela pressão que começa a surgir na sociedade civil, mas porque passam a ser atingidas pelos efeitos das fake news. "Os próprios executivos federais, o próprio judiciário e o parlamento vêm sendo alvo de campanhas difamatórias, do processo de desinformação das ditas fake news. Então temos o STF (Supremo Tribunal Federal) tomando alguma medida em relação a isso, depois de uma espécie de uma conveniência com um fenômeno que acontece desde antes de 2018", explica Aggio.

Ainda segundo o professor da UFGM, os projetos de lei carecem de uma fundamentação mais sofisticada, em termos políticos. "Esses projetos de lei precisam estar centrados naquilo que é o essencial e problemático a respeito das fake news, que nada mais é do que a construção de indústrias que são voltadas para a produção de materiais, conteúdos maliciosos e mentirosos", declara Camilo.

O Senado aprovou no dia 30 de junho o Projeto de Lei (PL) Nº 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Parte do texto determina que as contas cadastradas nas redes devem deixar a informação clara de que funcionam com automatização, ou seja, robôs, caso contrário podem ser excluídas.

Outro ponto trata do limite para o encaminhamento de uma mesma mensagem. O PL determina que esse limite seria de uma mesma mensagem para cinco usuários ou grupo. A matéria está em tramitação na Câmara dos Deputados. No dia 2 de agosto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), convidou o youtuber Felipe Neto para discutir a respeito da PL das Fake News.

O youtuber tem sofrido e denunciado ataques. Ele é um agente político ativo com críticas constantes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a seus filhos parlamentares. Em solidariedade, Maia escreveu que, "por tudo que você tem sofrido nesses dias, nós vamos acelerar o projeto de combate às fake news".

A movimentação em Brasília por mudanças nas leis dá a entender que a legislação atual ainda não atende às demandas provocadas pela internet. Segundo o professor de Direito Constitucional da Faculdade Nova Roma e UNIT (Facipe) André Costa, caso os padrões que existem hoje de fake news não sejam combatidos, não haverá possibilidade de ter uma democracia saudável, por isso para ele a responsabilização não deve recair apenas em quem difunde a notícia falsa, mas sobre quem a financia. "É importante que a gente vá muito além das eleições. Se quer se criar um novo padrão de como entender um mecanismos do ponto de vista eleitoral, mas que está atuando em diversos outros âmbitos, como nas relações de competitividade empresarial, com empresas financiando fake news para derrubar seu concorrente, então você vê como isso tá estruturado e ramificado", comenta Costa.

COMPORTAMENTO

A cientista política Priscila Lapa avalia que não há consenso de visão dos políticos em relação às fake news. Segundo a especialista, existe uma relativização de alguns temas quando este pode servir de benefício ou não para determinado candidato. "A fake news, quando favorece a estratégia de um candidato ou um partido, eles consideram que está tudo bem. Mas, quando elas são usadas contra esses partidos e candidatos, eles afirmam que ela precisa ser combatida", afirma.

A força que as fake news mostraram em 2018 deve se repetir no pleito majoritário deste ano, em um nível mais elevado, segundo a docente. "É um fenômeno recente na história democrática do mundo, mas ele é muito implacável como forma de comunicação dos indivíduos em sociedade, e na política não é diferente", declara.

O perfil do eleitor também tem mudado, antes existia o eleitor que aparecia para votar e só ressurgia quatro anos depois. Com as redes sociais, esse eleitor passa ser muito mais presente e ter mais acesso às informações.

COMBATE

Dados do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) durante o período de pré-campanha e de campanha mostram que foram recebidas 3.659 denúncias em 2018. Destas, 398 eram referentes a fake news, propaganda irregular na internet ou impulsionamento irregular de conteúdo.

Para o vice-presidente do TRE-PE e corregedor regional eleitoral, o desembargador Carlos Moraes, as eleições de 2020 vão trazer uma experiência nova, já que os candidatos vão estar mais presentes nas redes sociais e outras plataformas, mas nem por isso o controle dos conteúdos não deva ser intensificado.
Segundo o desembargador, a maioria das fake news é de crime contra a honra, o que já tem previsão de penalidade no código eleitoral. “Nas eleições municipais, o eleitor está mais próximo do prefeito. Há um envolvimento maior da população com as problemáticas da cidade, fazendo com que as pessoas estejam mais ativas ao que é divulgado”, afirma.

Em 2018, o TRE disponibilizou um aplicativo, com interface para a web, para o envio de denúncias com indícios de práticas indevidas ou ilegais. O Pardal - Denúncias Eleitoral deve ser ativado novamente.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, declarou que o combate às fakes news feito pelo Judiciário consegue ter alcance apenas “residual”, sendo necessária a atuação dos provedores de redes sociais. Ele classificou os que atuam na disseminação de conteúdos falsos como “terroristas verbais” e “milícias digitais”.

As declarações de Barroso ocorreram no dia 24 de julho, mesmo dia em que o ministro do STF, determinou a suspensão de 16 contas do Twitter e 10 perfis no Facebook, ligados aos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. “O TSE aperfeiçoou os mecanismos de controle de propagação de notícias através das mídias sociais, evitando a prolação indiscriminada de notícias”, destaca Acacio Miranda. Segundo ele, a inovação criminaliza a “boca de urna virtual”. Serão tidos como criminosos os pedidos de voto através das ferramentas de comunicação virtual nas 24 horas que antecedem o pleito.

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